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O euro e a política monetária (I)

Manuel Farto *

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Nas páginas do Janus 2001, num artigo denominado “A política monetária e os tortuosos caminhos do euro” afirmava-se o seguinte: “Sendo ainda demasiado cedo para se proceder a balanços profundos sobre o euro, é todavia importante referir que o verdadeiro “teste” à moeda única deverá ocorrer quando a fase do ciclo “empurrar” a Europa para períodos de estagnação ou recessão económica. Nessa altura, será possível que alguns países da área do euro, sobretudo os mais fracos economicamente, se sintam tentados a combater o desemprego recorrendo à descida das taxas de juro, decisão para a qual já não dispõem de autonomia”.

 

O euro, o crescimento económico e a construção europeia

  Recorde-se que naquela altura o euro era ainda um “jovem” com pouco mais de dois anos, período em que se tinha depreciado significativamente em relação ao dólar, passando dos 1,17 com que surgiu fisicamente em Janeiro de 1999, para próximo de 0,9 em finais de 2001. Este movimento reflectia, entre outros factores, a incapacidade de os mercados entenderem a lógica e coerência dos dois pilares da política monetária do Banco Central Europeu (isto é, a análise do crescimento monetário face a um valor de referência e a evolução dos preços e riscos para a respectiva estabilidade), alguma contradição em torno dos discursos de responsáveis do BCE e de alguns ministros das Finanças dos países da área do euro e, além disso, o próprio dinamismo do dólar, a acompanhar movimentos de capitais manifestamente favoráveis à divisa dos EUA. Os mais cépticos em relação à moeda única socorriam-se, entre outros, dos trabalhos de Robert Mundell para defenderem que o sucesso do euro seria limitado pela inexistência de flexibilidade completa no mercado de trabalho (designadamente por questões linguísticas) e, sobretudo, pela não concretização da harmonização fiscal.

Alguns anos mais tarde, isto é, no final de 2004, encontramos um euro aparentemente revitalizado, cotando-se acima de 1,36 face ao dólar. Curiosamente, às preocupações de credibilidade que acompanharam a vertiginosa depreciação do euro até 2000/2001, sucediam-se outros temores, provavelmente mais térreos e importantes: a força do euro começava a inquietar os políticos, que tinham assistido a uma estagnação virtual da economia da área do euro em 2002/2003 (anos em que o Produto Interno Bruto aumentou, respectivamente, 0,9% e 0,7%)(1) e que temiam agora um corte abrupto no processo de retoma do crescimento europeu que se parecia desenhar em 2004, perante a perda de competitividade externa que a apreciação do euro induzia.

Acontece que a (elevada) cotação do euro não era tanto a expressão de uma economia em rota de crescimento dinâmico mas antes o resultado de factores externos, designadamente uma maior ênfase conjuntural do mercado nos desequilíbrios estruturais da economia dos EUA (os chamados défices gémeos, isto é, défices a nível da balança corrente e do orçamento) e talvez mesmo um secreto interesse da Administração norte-americana em manter um dólar mais “fraco”, como forma de impulsionar a competitividade externa (e interna) das empresas norte-americanas, impulsionando assim mais fortemente o crescimento económico.

Por tudo isto, o EUA continuaram, em 2004, a crescer mais do que a área do euro (4,2% face a 1,8%) e o desemprego manteve-se bastante mais elevado na área do euro do que no outro lado do Atlântico (8,9% versus 5,5%).

Neste enquadramento, já ninguém se espantou com o resultado dos referendos de Maio/Junho de 2005 ao Tratado Constitucional da União Europeia em França e na Holanda: o “não” dos europeus não era apenas um “cartão amarelo” aos líderes dos respectivos países e à forma como estes tinham gerido as suas economias (como alguns analistas mais iluminados pretenderam insinuar) mas também reflectia essa circunstância.

Mais espantoso para alguns foi que em meados de Junho um ministro de Berlusconi tenha vindo a público defender a realização de um referendo sobre o abandono do euro e o regresso da lira italiana, ou mesmo que a União Europeia tenha sido incapaz de chegar a consenso a propósito do seu próprio orçamento.

Afinal, não tinha sido necessário esperar por um período de recessão económica para que responsáveis oficiais, ainda para mais de um país com a dimensão da Itália, viessem sugerir uma tão grandiosa “heresia”...

Na verdade, bastaram dois anos de alguma estagnação do crescimento.

Apesar do aparente sucesso com a introdução do euro, a questão da sua sustentabilidade permanece em aberto e não apenas pela existência de experiências de uniões monetárias mal sucedidas no passado como, por exemplo, o abandono do Sterling por parte da Irlanda.

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A política monetária e a acção anticíclica

O objectivo central da política monetária do Banco Central Europeu é manter a estabilidade monetária, isto é, manter a estabilidade dos preços internos e da taxa de câmbio do euro num impreciso médio prazo.

A estabilidade interna dos preços é entendida como a manutenção da inflação a taxas inferiores, mas próximas, de 2%. Esta redefinição recente assume explicitamente uma margem de segurança para evitar o risco de uma situação deflacionista.

Por outro lado, em termos práticos, a política monetária baseia-se nos chamados dois pilares. Assumindo o princípio de que a moeda está estreitamente relacionada com (ou provoca) a inflação no longo prazo, o primeiro pilar considera os agregados monetários, designadamente a taxa de crescimento do agregado monetário M3 no longo prazo, o qual não deveria distanciar-se de 4,5% (2% de inflação, mais 2,5% do crescimento real do produto), enquanto o segundo pilar considera um conjunto significativo de indicadores monetários e financeiros.

Não querendo entrar, no presente contexto, na questão da pertinência relativa dos dois pilares, detenhamo-nos sobre a ausência de uma política monetária decididamente anticíclica.

É preciso reconhecer que, se em geral encontramos uma clara evidência da existência de uma forte correlação entre o crescimento monetário e a inflação quando consideramos um período longo, – o que é geralmente entendido como confirmando o carácter monetário da inflação, – ela é muito fraca quando se consideram períodos de tempo relativamente curtos.

A ser assim, compreender-se-ia a existência de uma espécie de neutralidade da moeda no longo prazo, dificilmente conciliável, de resto, com a crença dos economistas de que uma baixa taxa de inflação é sempre favorável ao crescimento económico, ao mesmo tempo que se confirmaria a existência de uma espécie de trade-off no curto prazo entre inflação e produto.

Neste contexto, é pouco aceitável a ausência na área do euro de uma política monetária decidida na fase recessiva do ciclo económico como a levada a cabo por outros países, designadamente os Estados Unidos da América, em que as taxas de juro directoras atingiram 1% em Junho de 2003 (e aí se mantiveram durante 12 meses). Em que medida a ausência de uma tal política terá contribuído para a ausência de verdadeira retoma da economia europeia é coisa que nunca se saberá mas julgamos que alguma responsabilidade lhe caberá.

 

O euro e a convergência nominal

Um segundo aspecto, que vem interpelando crescentemente os economistas, relaciona-se com a fraca correlação entre o crescimento monetário e a inflação em países onde as taxas de inflação são reduzidas, significando muito provavelmente que os factores especificamente nacionais ganham uma influência significativa para níveis de inflação reduzidos. Esta questão está intimamente relacionada com o problema da convergência nominal na União Europeia.

Nos anos 80 e 90 os países europeus, na sua caminhada para a moeda única, observaram em geral uma significativa convergência real e uma forte convergência nominal, convergindo as taxas de inflação entre si numa tendência para níveis cada vez mais baixos. A partir de meados dos anos 90 a convergência nas taxas de inflação parou, surgindo dúvidas quanto ao bom fundamento da política monetária em relação a um certo número de países.

A persistência de níveis de inflação diferenciados entre os países membros da área do euro é consequência de múltiplos fenómenos que vão das diferenças nacionais em relação aos ciclos económicos, até à diferenciação das estruturas de mercado, de concorrência e custos, passando pelo grau de abertura, entre outros.

Esta ausência de convergência nominal entre países da área do euro põe em causa a natureza geral do processo inflacionista como fenómeno exclusivamente monetário, ao mesmo tempo que exprime a impotência da política monetária para eliminar esses desvios que, a manterem-se, criam crescentes dificuldades em matéria de competitividade e emprego nos países com mais elevadas taxas de inflação.

A persistência de problemas com consequências em matéria de competitividade, emprego e mesmo de poder de compra e bem-estar não deixará, mais tarde ou mais cedo, de interpelar igualmente a política monetária da zona euro.

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Informação Complementar

A ESPECULAÇÃO NO MERCADO CAMBIAL

As variações cambiais resultam de um conjunto vasto de factores, muito para além das questões de âmbito macroeconómico que foram referidas ao longo do texto, e que são inegavelmente importantes para perceber a evolução de uma determinada moeda.

Entre esses factores, é de assinalar os movimentos especulativos que, na maior parte dos casos, têm uma explicação próxima na existência de expectativas distintas nos vários operadores de mercado sobre a previsível evolução cambial. Por exemplo, se o mercado antecipar o início próximo do ciclo de subida das taxas de juro oficiais na área do euro e, em simultâneo, se prever uma “paragem” no ciclo de subida já empreendido nos EUA, será normal que o euro se venha a apreciar face ao dólar, reflectindo entradas massivas de capitais na Europa, num contexto em que o diferencial positivo de taxas de juro favorável aos EUA tenderá a diminuir.

Um caso particular, e muito importante, destas estratégias é internacionalmente conhecido pela designação de carry trades . Trata-se de um fenómeno que ocorre frequentemente, sobretudo em fases do ciclo económico caracterizadas por constantes alterações de política monetária nos principais mercados, e que consiste basicamente no recurso ao financiamento em mercados onde as taxas de juro são mais baixas, para aplicar nos mercados em que as taxas de juro são mais elevadas. Consequentemente, irá assistir-se a uma forte pressão para a moeda do país em que as taxas de juro são mais baixas se deprecie e, ao invés, deverá ocorrer uma apreciação da moeda correspondente ao país em que as taxas de juro são mais altas e que vai motivar estes fluxos de capitais especulativos.

Moedas como o franco suíço ou o iene, tradicionalmente correspondentes a mercados em que as taxas de juro são baixas ou, no campo oposto, a libra esterlina e os dólares neozelandês e australiano, são frequentemente sensíveis a estes movimentos.

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1 Nos EUA, o PIB aumentou nesses anos 1,6% e 2,7%, agravando o diferencial de crescimento favorável à economia norte-americana que se vinha acumulando desde a década de 90.

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* Manuel Farto

Licenciado em Economia pelo ISEG. Doutorado em Economia pela Universidade de Paris-X. Docente no ISEG. Docente visitante da Universidade de Orléans (França) e da Universidade Federal da Paraíba (Brasil). Subdirector do Observatório de Relações Exteriores da UAL.

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Dados adicionais
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