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Biodiversidade: para além dos valores naturais

Ivone Pereira Martins *

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De acordo com o art.º 2.º da Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro em 1992, e um dos sucessos da Cimeira da Terra, a diversidade biológica (ou biodiversidade como é hoje comummente designada) consiste na variabilidade existente entre os organismos vivos, terrestres, aquáticos e marinhos, bem como entre os ecossistemas a que os mesmos pertencem. Esta diversidade é assim, intraespecífica, interespecífica e interecossistémica.

A grande diversidade e variabilidade existentes nas formas vivas que povoam a Terra são devidas à complexa inter-relação entre as condições geológicas, meteorológicas, bioquímicas e biológicas que condicionaram a evolução dos seres vivos no planeta, encontrando-se arquivada no material genético de cada organismo. Trata-se também de uma característica de grande dinâmica, dadas as inter-relações que a condicionam.

Estudos paleoecológicos permitem-nos traçar a evolução da biodiversidade no decorrer da vida do planeta, evolução essa que não foi gradual e pacífica como por vezes é a ideia retirada das teorias evolucionistas, mas na qual existiram rupturas e descontinuidades. Apontam-se 5 destas fases, caracterizadas por extinção massiva de espécies e uma mudança radical na constituição dos ecossistemas. Afirma-se estarmos no presente numa 6ª crise da biodiversidade , desta feita induzida pelas actividades humanas.

De facto, reporta-se uma perda acelerada de espécies e de ecossistemas naturais, substituídos por ecossistemas artificializados ,caracterizados por uma muito menor diversidade biológica, criados pelas mais diversas actividades humanas, sendo a agricultura, a florestação e a urbanização os grandes vectores de mudança. De acordo com a FAO, nos anos 90 do século XX, foram destruídas florestas climácicas – e todos os habitats e espécies associados – totalizando uma área equivalente à Venezuela, ou seja, cerca de 2,5% do total de floresta virgem existente no planeta.

A diversidade biológica é essencial para assegurar, a prazo, os sistemas vivos, uma vez que contém em si a memória genética capaz de garantir a adaptação. Nomeadamente assegura o próprio desenvolvimento e sucesso da agricultura, e de uma forma mais geral a produção de alimentos. A diversidade de cultivos e de animais domesticados e respectivos pools genéticos, são igualmente parte integrante da biodiversidade dos sistemas agrícolas, característicos da Europa. No entanto, cerca de metade das necessidades alimentares da humanidade são supridas por 4 famílias de espécies: trigo, milho, arroz e batata. Cada uma destas com uma história de migração e de adaptação.

A batata, por exemplo, é descoberta pelos europeus com a sua chegada ao Novo Mundo. É originária da América do Sul e constituía, com o milho e o feijão, a principal ementa dos Incas. A sua zona de distribuição estendia-se no século XVI do sudoeste dos EUA até à faixa meridional hoje ocupada pelo Chile, encontrando-se essencialmente nas altitudes elevadas do actual Peru e Bolívia. Em 1553 aparece pela primeira vez menção a este tubérculo na obra do espanhol Pedro Ciesa, Crónica do Peru . Em menos de 5 séculos é introduzida pela mão do homem um pouco por todo o mundo, assegurando uma fracção significativa da dieta alimentar em muitos países.

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Bens e serviços fornecidos pela biodiversidade

A diversidade biológica foi e é, assim, o garante da prosperidade económica das sociedades, uma vez que é a base e o garante do funcionamento de todos os sistemas vivos e portanto, em última instância do Homem. Hoje fala-se nos bens e serviços prestados pela biodiversidade, permitindo uma visão mais integrada da sua relevância.

Intuitivamente reconhecidos, os bens e serviços fornecidos pelos ecossistemas asseguram o funcionamento dos sistemas biológicos, mas garantem igualmente o funcionamento de ciclos essenciais, como sejam o ciclo da água ou a regulação do clima. Produção de bens tangíveis (alimentos, madeira, fibras) ou intangíveis (estéticos ou recreacionais, por exemplo), mas com um valor económico de grande relevo, são condições essenciais ao bem-estar e à qualidade de vida das sociedades. Contudo, a relevância, uso e degradação dos sistemas naturais apenas muito recentemente começaram a entrar no equacionamento do nível de desenvolvimento e bem-estar das sociedades. Na realidade, as funções de aprovisionamento, regulação, bem como as funções culturais, asseguram dimensões fundamentais para o bem-estar humano, como sejam a segurança (uma vez que o bom funcionamento dos ecossistemas atenua os efeitos de catástrofes naturais e fornece bens essenciais como a água potável), a capacidade de gerar rendimentos (directa ou indirectamente) e de manter um nível adequado de saúde (através de acesso a ar puro, água potável, alimentos, aquecimento). Esta é uma equação de difícil reconhecimento nos países desenvolvidos, muitas vezes mais sensibilizados para os aspectos de usufruto educacional, cultural, recreacional e estético, de que os sistemas nacionais de áreas protegidas são exemplo. O grande contributo do conceito de biodiversidade é o de alargar a compreensão dos sistemas naturais, na sua integração com os aspectos económicos e sociais.

Em termos planetários, existe uma coincidência espacial entre as áreas mais ricas em biodiversidade e as zonas afectadas pela pobreza, nas quais mais de mil milhões de seres humanos dependem directamente da natureza envolvente para a sua alimentação. E grande parte desses mesmos recursos naturais são explorados pelos países desenvolvidos. Uma estreita relação existe entre a degradação dos ecossistemas, a extinção de flora e fauna, a globalização dos mercados e a pobreza. A avaliação económica da contribuição da biodiversidade para a riqueza das nações e para o bem-estar global e das populações, apenas recentemente começou a ser feita, sendo uma das mais recentes áreas de investigação do Banco Mundial, que nela tem trabalhado com as organizações internacionais vocacionadas para a conservação da natureza.

 

A rede Natura 2000

A conservação da natureza e a diversidade biológica têm sido contempladas por diversos instrumentos de política e de acção, que desde os anos 70 do século passado têm favorecido a cooperação entre Estados e regiões em termos de investigação, recolha e processamento de informação, bem como selecção de áreas designadas para a protecção. A CBD veio fornecer uma nova perspectiva, quer temática, quer geográfica, às questões da conservação da natureza, integrando-as numa perspectiva de desenvolvimento e reconhecendo, por exemplo, o comércio internacional como veículo para o exercício de impactes ambientais dos países industrializados em outras partes do globo.

De um ponto de vista doméstico, a Rede Natura 2000 é um dos intrumentos mais importantes para assegurar um bom conhecimento e gestão da biodiversidade na Europa. Concretização prática da Directiva Habitats (bem como da Directiva Aves), é constituída por uma rede ecológica de áreas especiais protegidas, cuja ênfase e coerência se situam no conhecimento, investigação (e educação), bem como no controlo e vigilância, que articulam os objectivos internacionais e europeus com os objectivos nacionais de conservação.

A designação dos sítios, baseada em 11 regiões biogeográficas (Alpina, Anatólica, Árctica, Atlântica, Mar Negro, Boreal, Continental, Macaronésica, Mediterrânica, Panónica, Estépica), não se encontra ainda concluída – e tem sofrido grandes atrasos. Quatro regiões concluíram a sua designação – a Macaronésica (a primeira concluida, em 2001, e que engloba os arquipélagos da Madeira, dos Açores e das Canárias), a Atlântica, a Continental e a Alpina. Presentemente existem 19.516 sítios, cobrindo 523.000 km 2 dos quais 88% terrestres e 12% marinhos. A constituição da rede (os novos 10 países da UE entregaram as suas listas de zonas de conservação até Maio de 2004), e a gestão dos sítios designados constitui a prioridade para a protecção da biodiversidade na União Europeia, que deverá ser efectuada através de Planos de Gestão a preparar pelos Estados-membros.

Com base nos elementos fornecidos pelos Estados-Membros, estima-se que o custo da gestão desta rede seja superior a 6 mil milhões de euros por ano para a UE-25. Um quadro de co-financiamento comunitário da rede poderá recorrer aos diversos instrumentos financeiros já existentes noutras políticas comunitárias, nomeadamente nas de cariz territorial (PAC, Fundos de Coesão, mas também Programas-Quadro de Investigação e Desenvolvimento), integrando os objectivos para a biodiversidade nas demais políticas sectoriais, no âmbito das próximas perspectivas financeiras.

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Informação Complementar

BIODIVERSIDADE E COMÉRCIO INTERNACIONAL - O CASO DAS FLORESTAS

Os países europeus produzem madeira suficiente para suprir as necessidades do mercado interno. No entanto, a Europa é um importador significativo de madeira – produzida legal e ilegalmente –, sobretudo de madeiras exóticas provenientes de florestas tropicais. Assim, a Bélgica importa 48,8% das suas necessidades em aglomerados de madeira, a França 32,5% de madeiras inteiras, Portugal 48,2% de madeiras serradas e o Reino Unido 27,7% de folheados de madeira. Os recursos florestais contribuem directamente para a sobrevivência de cerca de 90% dos 1,2 mil milhões de pessoas que, de acordo com o Banco Mundial, vivem em condições de extrema pobreza. O abate ilegal de floresta é reconhecido como um problema em muitos países ricos em florestas tropicais, afectando a formação de riqueza no sector florestal nesses países. Estima-se que o volume anual de madeira retirado ilegalmente das florestas indonésias ascende a 60 milhões de m3, representando uma perda de cerca de mil milhões de dólares americanos, pela economia do país, minando igualmente a competitividade do comércio legal de madeiras. O corte ilegal da floresta tem destruído os ecossistemas, provocado erosão irreversível dos solos e diminuído o número de espécies de flora e fauna selvagem, e portanto a biodiversidade. Concomitantemente, os serviços de suporte, de aprovisionamento e de regulação foram afectados, com implicações para a circulação global da água ou a regularização do clima. Igualmente, populações indígenas foram expulsas e privadas dos seus meios básicos de subsistência.

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* Ivone Pereira Martins

Engenheira do Ambiente. Mestre em Planeamento Regional e Urbano. Administradora da Agência Europeia do Ambiente em Copenhaga.

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Referências

European Commission (1996-2005) Newsletter NATURA 2000. http://europa.eu.int/comm/environment/nature/
/nature_conservation/useful_info/newsletter_natura/index_en.htm

EEA - European Environment Agency (2004) The State of biological diversity in the European Union . Relatório preparado pela EEA para a conferência Biodiversity and the EU – Sustaining Life, Sustaining Livelihoods, ocorrida em Malahide, Irlanda.

European Platform for Biodiversity Research Strategy, 1999-2005 : http://www.epbrs.org/epbrs_library.html

FAO (2005) The State of the World's Forests 2005 . ftp://ftp.fao.org/docrep/fao/007/y5574e/y5574e00.pdf

ITTO (2003) Annual Review and Assessment of the World Timber Situation 2003 . International Tropical Timber Organisation.

PISUPATI, B e WARNER, E. (2003) Biodiversity and the Millennium Development Goals . IUCN, Regional Biodiversity Programme Asia, Sri Lanka.

REID, W. et al , (2005) Millennium Ecosystem Assessment Synthesis Report , Prepublication Final Draft Approved by MA Board on March 23, 2005.

The World Bank, IUCN and The Nature Conservancy (2004) How Much is an Ecosystem Worth? Assessing the Economic Value of Conservation . The International Bank for Reconstruction and Development/ the World Bank, Washington.

UNECE (2004). The Condition of Forests in Europe . Executive report 2004. Federal Research Centre for Forestr y and Forest Products (BFH). Hamburg.

WWF (2004) Living Planet Report 2004. http://www.panda.org/downloads/general/lpr2004.pdf - Informação sobre a pegada ecológica da Europa no mundo.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

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