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Organismos geneticamente modificados e agro-indústria

José Luís Garcia *

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Um organismo geneticamente modificado (OGM) é um ser vivo cujo genoma – definido como o conjunto de todos os genes que estão nas células de um ser vivo – foi submetido a uma transformação realizada pelo ser humano através da engenharia genética.

A engenharia genética tem a capacidade de transferir genes entre seres vivos totalmente distintos, de um modo inteiramente afastado dos métodos ancestrais de reprodução selectiva e hibridação.

 

A descoberta do ADN

Ao passo que os antigos meios só podiam proceder ao cruzamento entre seres vivos da mesma espécie ou de espécies próximas muito relacionadas, a engenharia genética – apoiada na descoberta do ADN e da sua estrutura – extrai genes seleccionados de um organismo ou efectua a sua cópia com o fim de os inserir artificialmente dentro de outro organismo afastado na evolução natural e quebrando as barreiras entre espécies e reinos.

A descoberta do ADN e da sua estrutura facultou o tratamento dos processos celulares da síntese de proteínas como mecanismos de transferência de informação. Esta foi uma invenção coetânea do desenvolvimento da informática, a qual influenciou poderosamente a interpretação que grande parte do universo da biologia passou a realizar dos genes no funcionamento celular. O reducionismo científico tendeu a extravasar o plano do método para o ontológico e o conceito de informação foi amalgamado ao de programa. Rapidamente se tornou prevalecente a ideia de que um programa genético está inscrito na sequência nucleotídica do ADN e que esse programa fornece uma explicação mecânica ao desenvolvimento orientado dos organismos. O “segredo da vida”, a identidade dos organismos, seus desvios e patologias, estariam no gene; aceder-se-ia ao programa genético sequenciando, descodificando e manipulando o genoma. No entanto, os desenvolvimentos da genética e da embriologia encarregaram-se de rebater a metáfora do programa e o determinismo genético. Hoje sabemos que as determinações do vivo implicam uma rede complexa de interacções entre os genes e as proteínas, e entre os genes, as proteínas e o ambiente.

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Os trangénicos

A transferência de genes é uma técnica de laboratório que foi aprimorada para permitir à investigação científica analisar a estrutura do genoma e o seu papel na estrutura celular. Mas o incremento extraordinário da técnica de transferência de genes prendeu-se mais com as possibilidades que abriu para as finalidades económicas das transnacionais da agro-indústria (e da indústria farmacêutica) do que para os objectivos da compreensão científica. Fica a dever-se precisamente a esta possibilidade de transferência de genes entre organismos diversos que os OGM sejam também conhecidos pelo termo “transgénicos”, se bem que em rigor um OGM possa não ser um transgénico. Na verdade, é possível extrair um gene de um ser vivo, transformá-lo e voltar a inseri-lo no mesmo ser vivo, assim como dispor num determinado ser uma segunda cópia de um gene que ele já detém com o fim de redobrar as suas implicações.

Sendo resultado da criação de novas formas de vida orgânica e uma ultrapassagem dos limites da evolução natural, os OGM não podem ser considerados, por conseguinte, o produto de um melhoramento convencional. Ao mesmo tempo, não são também o produto de um domínio exacto do mundo vivo, uma vez que nesta engenharia da vida estão implicados âmbitos de enorme incerteza, tanto no que diz respeito aos efeitos da transferência sobre o organismo cujo património genético é modificado, como quanto às consequências sobre o conjunto da malha genética que vem evoluindo há milhões de anos e se tem organizado em unidades que os biólogos denominam espécies.

Os efeitos que se pretendem obter com a modificação genética das plantas e bens alimentares compreendem a melhoria substancial da produtividade, benefícios sociais e económicos, que seriam proporcionados pela maior resistência a herbicidas e pesticidas, vírus e insectos, amadurecimento retardado, alteração de propriedades, sendo a cor uma das mais conhecidas.

 

Áreas de cultivo e mercado

Segundo os dados do ISAAA (Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia), em 2004, a área total com culturas transgénicas cresceu pelo nono ano consecutivo, numa taxa líquida de 20% (15% em 2003). A área global estimada das culturas GM autorizadas foi de 81,0 milhões de hectares (67,7 milhões de hectares em 2003). As culturas geradas pela biotecnologia foram cultivadas por, aproximadamente, 8,25 milhões de agricultores em 17 países (7 milhões de agricultores em 18 países, em 2003). Durante o período entre 1996 e 2004, a área total acumulada de culturas transgénicas foi de 385 milhões de hectares, equivalente a 40% do território dos Estados Unidos ou China, ou 15 vezes o território do Reino Unido.

Os países que cultivaram 50.000 hectares ou mais com culturas transgénicas são classificados pelo ISAAA como megapaíses na adopção desta tecnologia. Comparando com 10 em 2003, 14 países inseriram-se nessa categoria, sendo nove países em desenvolvimento e cinco industrializados (com o Paraguai, Espanha, México e Filipinas a juntar-se pela primeira vez ao grupo).

Os 14 megapaíses, em ordem decrescente de área de plantio, são: Estados Unidos com 47,6 milhões de hectares (59% do total global), seguidos pela Argentina com 16,2 (20%), Canadá com 5,4 (6%), Brasil com 5,0 (6%), China com 3,7 (5%), Paraguai com 1,2 (2%) – que registou plantio de culturas GM pela primeira vez em 2004 – Índia com 0,5 (1%), África do Sul com 0,5 (1%), Uruguai com 0,3 (<1%), Austrália com 0,2 (<1%), Roménia, México, Espanha e Filipinas, todos com 0,1 (<1%).

O mercado global das culturas geradas pela biotecnologia foi estimado pela Cropnosis como sendo, em milhões de dólares, de 4.700 em 2004, e 16% do mercado mundial de sementes, de 30.000. O valor de mercado global de culturas GM é baseado no preço de venda de sementes geradas pela técnica de transferência de genes mais as taxas referentes ao emprego desta tecnologia.

O valor acumulado total para o período de nove anos entre 1996 e 2004 é de 24.000 milhões. O valor do mercado de culturas GM projectado para 2006 é superior a 5.000 milhões.

 

Agro-indústria e apropriação dos recursos

As empresas que retiram vantagens económicas da fabricação e comercialização de OGM ainda não superaram o ónus da prova da sua segurança, apesar de a sua introdução na cadeia alimentar se realizar através das rações para animais e de o princípio da precaução e o direito à escolha através da rotulagem e outros processos ser insistentemente exigido por entidades reguladoras que contam com o suporte de uma opinião pública europeia largamente desfavorável à sua aprovação.

O leque de questões controversas quanto aos OGM não diz respeito apenas à defesa dos direitos dos consumidores e à protecção da biodiversidade. Com a tecnologia empregue na transformação genética das plantas, o gene passou a ser colocado no quadro dos processos industriais e dos interesses comerciais do mundo económico agro-industrial.

Com a propagação de novos agentes de produção, o patenteamento do património genético natural e dos processos de culturas tradicionais, a introdução dos genes “ terminator ” que originam a esterilização forçada das plantas, as actuais transnacionais do sector agro-industrial expropriam os agricultores das suas sementes, por um lado, e passam a deter um controlo quase total do cultivo de plantas cruciais para a cadeia alimentar, por outro. Este fenómeno pode ser entendido como uma fase ainda mais elevada da apropriação dos recursos e da concentração económica, como no caso da Monsanto, senão mesmo parte de um desígnio de controlo ilimitado dos meios fundamentais para a vida humana e não apenas humana.

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Informação Complementar

MONSANTO

Fundada como companhia química em 1901 em Saint Louis, Missouri, a Monsanto destaca-se hoje como líder do mercado das sementes GM, com uma quota superior a 90%.

Em 1996, a Monsanto era a quarta maior empresa química nos EUA, mas também uma das empresas poludoras de topo nesse país. A decisão de investir na área da biotecnologia (traduzida num investimento de 8 mil milhões de dólares) surgiu entre 1996-1998, após ter declarado as suas intenções de reduzir as descargas tóxicas. Reteve as suas divisões agroquímicas, mas renunciou às suas actividades de químicos industriais e tecidos sintéticos no valor de 3 mil milhões de dólares para concentrar os seus investimentos nas “ciências da vida”.

Em 1998, a Monsanto tinha-se transformado na segunda maior empresa de sementes do mundo: comprou um número considerável de negócios de biotecnologia agrícola, fez parcerias com outras, além de fortalecer a sua posição estratégica através da aquisição de várias das principais empresas de sementes.

A Monsanto continua a ser um jogador poderoso no mercado agrobiotecnológico, em especial pela produção do herbicida mais vendido no mundo, Roundup , por isso com um forte interesse comercial em consolidar a liderança na produção de sementes resistentes a herbicida. Após a expiração da patente deste herbicida, o algodão, colza, milho e soja Roundup Ready parecem ser o meio através do qual a empresa vai manter o seu domínio de mercado. Através de um “Acordo de Utilizador de Tecnologia”, cujo desrespeito envolve multas e é verificado por inspecções, os compradores são proibidos de usar outro herbicida que não o da empresa, têm que pagar uma “taxa de tecnologia”, além de não poderem utilizar as sementes da colheita para nova plantação. Por outro lado, através das leis de propriedade intelectual assegura-se que a concorrência não pode usar a mesma tecnologia.

Em 1999, mais de 500 agricultores nos EUA e Canadá tinham sido processados pela Monsanto ou aguardavam processo, enquanto mais de 100 tinham já evitado acções legais potencialmente ruinosas destruindo as suas próprias colheitas.

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* José Luís Garcia

Sociólogo. Investigador auxiliar do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e docente convidado do Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE).

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Plantas geneticamente modificadas autorizadas em Portugal para fins de investigação ou de desenvolvimento

Link em nova janela Evolução das áreas de cultivo em todo o mundo

Link em nova janela Países e mega-países que cultivam culturas GM

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