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As implicações sociais do processo de Bolonha

João Vasconcelos Costa *

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O processo de Bolonha é pouco convencional no sentido das relações externas portuguesas tradicionais, mas é um dos processos internacionais com maior impacto no futuro do país. A aplicação a Portugal do processo de Bolonha tem sido problemática: grande atraso, enquadramento legal muito fluido, peso do conservadorismo universitário, privilégio aos aspectos formais em detrimento do essencial paradigma de Bolonha. Talvez mais decisivamente, há um grande alheamento da opinião pública e dos empregadores e associações sindicais quanto a um problema que vai ter impactos decisivos no mercado de trabalho e nas decisões dos candidatos à educação superior.

O processo de Bolonha não é uma simples reforma da educação superior, vista apenas do lado académico. É uma redefinição da missão da educação superior na sociedade do conhecimento. Por isto, tende, e bem, a ser articulado com a Estratégia de Lisboa. Pelas mesmas razões, não é um fenómeno europeu; deve ser integrado num processo muito mais vasto de refundação das universidades, que inclui, por exemplo, a reformulação da educação liberal nas universidades americanas de elite, o “Futures Project” de várias universidades americanas conduzido pela de Brown, a reforma na Austrália, Nova Zelândia e Japão, o debate em curso em vários países sul-americanos.

As universidades europeias, e as grandes associações de estudantes, têm dado um inestimável contributo ao processo de Bolonha. Isto é paradoxal, quando se conhece a inércia das universidades e até o velho aforismo de que “as universidades nunca se auto-reformam”. Porquê, então, o sucesso?

Fundamentalmente, porque a simples imposição de aspectos super estruturais (esquema em dois ciclos, primeiro ciclo curto, créditos de aprendizagem do ECTS) obrigou as universidades a ir mais fundo e a procurar repostas a problemas que se vinham a acumular sem solução. Em primeiro lugar, a massificação, um imperativo democrático mas que não encontrou resposta para a inevitável baixa de qualidade de um sistema de elite impreparado. Depois, as dificuldades crescentes do financiamento, a incapacidade orgânica das universidades para uma adaptação estratégica proactiva, a falta de competitividade, a ineficiência das relações com a sociedade, o insucesso escolar. Mas, acima de tudo, o desajustamento da universidade pós-1945 em relação à actual sociedade do conhecimento.

 

A universidade alimentadora da sociedade do conhecimento

É assunto mais que debatido, mas interessa para enquadramento das novas missões da educação superior. A vantagem competitiva deixou de ser o capital fixo e a força de produção, passou a ser o capital humano. O único factor permanente de riqueza é o homem, a sua capacidade intelectual e o seu conhecimento. Componentes essenciais desse capital humano são a formação científica e técnica sólida, o sentido da inovação, a rapidez e eficácia da adaptação. Neste sentido, as competências são mais importantes do que a informação, numa época de grande volatilidade das tecnologias.

Estamos a entrar num sistema de produção pós-taylorista, com mudança radical do papel dos quadros superiores. Na velha linha de montagem, o quadro tinha uma posição bem definida, hierarquizada, muito baseada no domínio especializado de uma tecnologia. O que se lhe pedia era actualização.

Hoje, nos sectores de ponta, a produção é por projectos, de duração definida, com recurso a diversas especialidades. O tempo é sempre curto e os quadros não podem esperar por reconversões, têm de estar preparados, com uma formação larga, para todas as adaptações. Têm de se compreender uns aos outros, numa equipa interdisciplinar. Têm de ter uma cultura institucional de flexibilidade, não hierárquica, com grande mobilidade organizativa. Por outro lado, tudo isto acentua o papel dos líderes, porque, obviamente, esta organização fluida não pode ser acéfala. Daí a necessidade dos três níveis propostos no processo de Bolonha: i . nível de direcção, baseado nas competências de liderança, inovação e interdisciplinaridade: doutoramento e mestrado. ii . nível de concepção, baseado na formação de banda larga e na capacidade de interacção: primeiro grau (entre nós, licenciatura; na maioria dos outros países europeus, bachelor ). iii . nível de execução, com know how de alta qualidade: cursos pós-secundários pré-grau (indesculpavelmente menorizados entre nós).

Tudo conjugado e transposto para o processo de Bolonha, ganha corpo o chamado paradigma de Bolonha, que, esquematicamente, comporta quatro componentes essenciais: 1. formação de banda larga;

2. primado das competências; 3. primado da aprendizagem; 4. novos públicos, aprendizagem ao longo da vida, ensino recorrente. A formação de banda larga, ao contrário da nossa tendência para a profusão de cursos especializados, e o primado à aprendizagem activa do estudante sobre a recepção passiva de informação do ensino tradicional, falam por si. Destaquem-se, na caixa deste texto, os outros dois componentes do paradigma de Bolonha, pelo seu alcance social.

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A consciência social do novo tipo de trabalho

Tudo o que se disse aponta para que o processo de Bolonha seja uma questão estratégica do mundo do trabalho. Infelizmente, só tem tido eco em Portugal quase que apenas no espaço académico. Não é de admirar.

O nosso tecido empresarial é débil e antiquado, a maioria dos empresários tem pouca qualificação e nível cultural, a inovação e o empreendedorismo são negligenciados. Há empresas modernas bem situadas na economia do conhecimento, que já aplicam o novo paradigma no recrutamento, na organização e na valorização dos quadros, mas ainda são notoriamente poucas e isoladas para garantir a competitividade nacional.

Como é que este mercado tradicional de trabalho, no que se refere aos quadros qualificados com educação superior, vai reagir ao processo de Bolonha e ao paradigma de educação-trabalho que lhe está subjacente? Se não o compreender, é provável que haja uma crise de desajustamento grave da oferta e da procura no mercado de trabalho. Já se ouvem empresários a dizer que os actuais licenciados não sabem nada quando são empregados e que pior será com a redução das licenciaturas para três anos. É desconhecer totalmente que o que se prepara é a mudança de quatro anos de preparação antiga para três anos de formação muito melhor, e que o produto dos dois factores é que interessa.

Neste sentido, o papel das confederações patronais tem sido nulo. Elas deviam ter um papel importante na actualização cultural dos seus sócios mas sei, por experiência própria, que estão totalmente desinteressadas do processo de Bolonha e que não se aperceberam do que vão ser os seus resultados revolucionários na formação e caracterização do novo capital humano. No entanto, ressalve-se que, até agora, ainda não houve uma única iniciativa ministerial para chamar à discussão de Bolonha, conjuntamente, académicos e empresários.

Também não se vislumbra qualquer estudo sobre a adaptação ao processo de Bolonha da estrutura de carreiras da função pública.

Diga-se o mesmo dos sindicatos. Também estão colocados perante desafios importantes. A sua lógica ainda é, em grande parte, a defesa dos activos, seus filiados, e, com grande relevo, a defesa da estabilidade do emprego. Deseje-se ou não, é inelutável que isto vai mudar e que a principal garantia do direito ao trabalho já não é a defesa do posto de trabalho em concreto mas sim a aquisição de competências e qualificações para o reemprego rápido. A partir de idade cada vez mais precoce, isto é decisivo, pelo que a aprendizagem ao longo da vida deve ser uma actividade a motivar a sua reivindicação sindical.

Não surpreende que, neste clima geral de indiferença social, se exceptuem as ordens profissionais, mais próximas do mundo da educação superior. Infelizmente, com a notória excepção da Ordem dos Engenheiros (que vê no esquema de Bolonha a consagrada distinção entre engenheiros de estaleiro e engenheiros de projecto), a atitude geral das ordens tem sido conservadora. É preocupante, porque o quadro de qualificações de Bolonha, à saída do ensino superior, pode vir a ser bloqueado por exigências corporativas. Não é difícil prever que esta situação acabe, positivamente, por questionar o actual papel exagerado das ordens na acreditação dos cursos superiores. É ao Estado, através do seu sistema universitário, com mecanismos eficazes de avaliação e acreditação, que compete decidir quem está apto a exercer uma profissão superior.

 

A compreensão pela opinião pública e pelos candidatos ao ensino superior

Entre nós, ainda domina a ideia da identificação entre diploma de licenciatura e “emprego de elite”. Licenciado em Engenharia, em Direito, em Medicina, significa obviamente ser-se membro de uma dessas profissões de topo e socialmente gratificantes. Mas, com a massificação e com a profusão de licenciaturas, já não é bem assim e todos conhecemos muitos licenciados com emprego em profissões que, antes, eram consideradas médias.

Se virmos os países desenvolvidos, isto nada tem de extraordinário. Se formos a um banco de Nova Iorque, é muito possível que o funcionário que nos atende tenha um diploma de college , pelo menos, bem como o gerente do supermercado, o funcionário das finanças ou o livreiro. Não quero dizer com isto que o diploma universitário não continue a ser um factor de benefício pessoal. Em média, entre nós, um licenciado ganha 3 vezes mais do que quem tem a escolaridade obrigatória. Mas, mesmo nos países desenvolvidos, essa taxa anda pelos 2,5.

Temos de começar a pensar em novos termos. Qualificar muito mais a população, a nível universitário, óptimo, mas não dando a ilusão de que a saída é um padrão de profissões linearmente relacionadas com o diploma. A qualificação universitária, com as competências intelectuais e culturais que ela faculta, tem de alastrar para outros sectores profissionais que não só os consagrados. Aliás, é isto que hoje distingue dois conceitos fundamentais, ainda mal compreendidos, que a limitação de espaço não permite desenvolver: o de empregabilidade (isto é, vantagem competitiva no mercado geral de emprego), segundo o paradigma de Bolonha, e o de formação profissional estrita.

O processo de Bolonha, orientado para a empregabilidade genérica, é um desafio à nossa ideia consagrada do ensino superior que prepara para uma profissão específica. No entanto, talvez não seja um problema grave de assimilação social. Até há poucos anos, com a grande limitação de vagas, os nossos estudantes ficavam satisfeitos com o acesso ao ensino superior, mesmo em cursos que pouco lhes interessavam. Era o “complexo do canudo”. Vão ter de fazer o mesmo, mas com maior racionalidade.

Pelo peso que tem entre nós esse “complexo do canudo”, parece que a receptividade da opinião pública e dos candidatos à educação superior deverá ser menos determinante do que a reacção do mercado de trabalho. O que lhes interessa é o valor social do grau. Isto viu-se bem quando a maioria dos politécnicos passou a facultar principalmente licenciaturas. Com isto, em boa parte, esbateu-se a sua menor posição na procura de candidatos. O que interessava aos candidatos era o grau e o título social de “doutor”. Creio que a opinião das famílias será muito indiferente à duração e natureza dos cursos, desde que os seus filhos sejam doutores, à mesma. É mau sinal da nossa cultura, mas é assim.

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Informação Complementar

DUAS COMPONENTES ESSENCIAIS DO PARADIGMA DE BOLONHA

Em primeiro lugar, o primado das competências. Os conhecimentos estão a evoluir a velocidade vertiginosa. Ninguém consegue ter a soma precisa de conhecimento necessário para cada um dos cada vez mais variados perfis profissionais. Mesmo que os tivesse, eles são rapidamente perecíveis. O diplomado pelo ensino superior tem de saber que vai ter de aprender toda a vida e isto não é fácil, com a crescente variedade das fontes de informação. Isto significa uma fórmula bem simples: um objectivo essencial da educação superior é facultar aos alunos uma competência essencial, a de aprender a aprender. Muitas outras também, desde as específicas a cada área disciplinar até às transversais: a mentalidade racional e crítica, o gosto pela inovação e iniciativa, a apetência pela cultura, a mentalidade multicultural, o domínio de línguas estrangeiras, as capacidades comunicacionais e de trabalho de grupo, o domínio das tecnologias da informação, a responsabilidade social, e tanto mais.

Em segundo lugar, e decorrente dessa, a questão central dos novos públicos e da aprendizagem ao longo da vida. É tema mais do que discutido. Anoto apenas a necessidade de se considerar diferenciadamente diversos públicos. Primeiro, o da formação em exercício, com requisitos muito precisos, muitas vezes determinados pelas empresas. Hoje, é grande negócio, não só da parte das próprias empresas que criam as suas próprias universidades de empresa (corporate universities) como das universidades que fazem contratos específicos de formação com as empresas. Depois, o grande sector da educação recorrente. É uma das tendências visíveis do processo de Bolonha, a da escolha de um segundo grau ajustado aos interesses criados pela actividade profissional, após o primeiro ciclo. Finalmente, o grande sector da procura cultural. Seria longo discuti-lo. Dou só o exemplo que conheço de um médico português que tirou um mestrado de Sidney em Astronomia por ensino à distância.

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* João Vasconcelos Costa

Doutor e agregado em Medicina (Microbiologia). Investigador sénior e director de laboratório, reformado, do Instituto Gulbenkian de Ciência. Ex-director do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa. Professor catedrático da Universidade Lusófona. Autor d vasta bibliografia sobre a educação superior.

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