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Janus 2006



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Bolonha e a derrota de Napoleão

Fernando Amorim *

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O sistema de ensino superior francês, conhecido como “modelo napoleónico”, foi concebido numa época marcada pela construção de um Estado fortemente centralizado e burocratizado que, a par da disseminação das ideias revolucionárias liberais, a partir do século XIX, ajudou a criar uma imagem de sofisticação cultural e intelectual que atravessou várias gerações e que perdura, apesar de tudo, numa certa elite europeia. Esta característica mantém-se, detendo o Estado a responsabilidade e a tutela sobre o ensino superior, nomeadamente no que respeita, não apenas ao ensino, como também à garantia da qualidade da formação e dos diplomas. Sob a tutela do Ministério da Educação Nacional, Ensino Superior e Investigação (MENESR) encontra-se cerca de 80% da formação pós-secundária e superior francesa. (universidades, escolas superiores e classes pós-bacharelato dos liceus). A tutela sobre os restantes 20% é da responsabilidade de diversos ministérios. As escolas de arquitectura e arte estão sob tutela do Ministério da Cultura, as escolas de agronomia e veterinária sob a do Min. da Agricultura, as « écoles des mines » sob a Indústria, a « École polytechnique » sob tutela do Min. da Defesa, as escolas das profissões paramédicas sob tutela do Ministério da Saúde e as escolas de comércio e gestão sob tutela das câmaras de comércio e indústria. O ensino superior privado é livre em França, no sentido em que não depende, para a sua criação, de autorização prévia da tutela, embora, para obter o reconhecimento da sua qualidade deverá submeter-se ao controlo pedagógico do Estado. As colectividades territoriais (regiões, departamentos, comunas) fornecem importante apoio ao ensino superior, nomeadamente, através da construção de infra-estruturas e equipamento ao abrigo de contratos com o Estado

 

O sistema binário francês: universidades e escolas

A existência de dois grandes tipos de instituições caracteriza o ensino superior em França até 1999. De um lado as universidades, do outro as escolas. No imaginário colectivo europeu e até internacional as universidades francesas, particularmente a antiga Sorbonne ( Université Paris-Sorbonne - Paris IV), ocupam um lugar de destaque. Contudo, uma análise mais cuidada revela-nos que as principais instituições do sistema universitário francês não são as universidades mas sim um conjunto de escolas profissionais altamente selectivas, controladas pelo governo central, algumas de natureza militar, como a École Polytechnique , destinada à formação de engenheiros, e onde os estrangeiros dificilmente conseguem entrar, o que acentua o carácter elitista dessas instituições. A educação nacional francesa é preponderantemente de matriz pública, cabendo ao ensino superior privado um papel supletivo residual (9,8%). O Estado detém a responsabilidade do financiamento dos estabelecimentos públicos aos quais fornece os recursos essenciais em meios e quadros; também financia as instituições privadas onde a qualidade esteja certificada pela tutela, aliás, competência exclusiva do Estado, o qual garante a qualidade dos diplomas na sequência de um processo de avaliação nacional periódica (a cada 4 ou 6 anos, consoante o tipo de diplomas) às instituições públicas e privadas.

As universidades são estabelecimentos públicos (não existem universidades privadas) que podem receber gratuitamente (excepto pelo pagamento de uma taxa de inscrição anual de 300 euros) todos os estudantes (franceses ou estrangeiros) titulares do ‘ Baccalauréat ', familiarmente designado de “bac”, isto é, o diploma de aprovação no exame de fim de estudos secundários, e que se obtêm, em princípio, aos 18 anos, o qual confere o título de bacharel ( bachelier ). Este poderá ser um “bac” geral, que compreende as secções L, ES, S, ou um “bac” técnico, que compreende as secções STI, STL, SMS, STT, ou ainda um “bac” profissional (Bac-Pro), destinado à vida activa, e que permite aos estudantes liceais prosseguir os estudos num IUT ( Institut universitaire technologique ) ou numa STS ( Section de technicien supérieur ), findos os quais (dois anos) lhes permitirá obter o Brevet de technicien supérieur (BTS).

As escolas são estabelecimentos públicos ou privados, destinados à formação de técnicos profissionais especializados. Nesta categoria se situam as Grandes Écoles que procedem a uma forte selecção de admissão e que, tendo menos estudantes que as universidades, formam profissionais em domínios tão variados como a engenharia, gestão, arte, arquitectura, magistratura e ciências humanas. Constituem um núcleo muito particular de estabelecimentos de ensino superior, muito selectivos, elitistas e de grande prestígio.

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Os ciclos universitários

Os estudos universitários são organizados (até 1999) em três ciclos sucessivos de estudos sancionados por diplomas nacionais.

Primeiro ciclo (2 anos):

O primeiro ciclo, com a duração de 2 anos, exige como pré-requisito o diploma de estudos secundários (Baccalauréat - bac). Possui um cariz de formação geral e de orientação e organiza-se em duas variantes. A variante clássica confere o Diploma de Estudos Universitários Gerais (DEUG) [BAC+2anos], diploma pluridisciplinar de formação geral que não confere qualquer qualificação profissional e concebido essencialmente como diploma preparatório ao 2.º ciclo de formação. Organiza-se em 9 áreas, segundo o perfil e matriz das disciplinas nucleares. A variante profissional confere o Diploma de Estudos Universitários Científicos e Técnicos (DEUST) [BAC+2anos], concebido para formar técnicos directamente vocacionados para o mercado de trabalho. São contemplados diversos critérios, mas os candidatos são geralmente seleccionados em função de exames de admissão, currículo e entrevista.

Segundo ciclo (1+1 anos):

O segundo ciclo de formação superior pode variar entre 1 e 2 anos e dividir-se em duas variantes; a clássica ( Licence e Maîtrise ) e a Profissional ( Maîtrise Professionnelle ).

Na variante clássica a Licence é conferida após uma formação superior de 3 anos
(Bac+3 anos; DEUG+1ano), a Maîtrise após formação superior de 4 anos (Bac+4 anos; Licence +1 ano). A Licence e a Maîtrise são reagrupadas em dez sectores:
artes, letras e línguas, ciências humanas e sociais, ciências e técnicas, STAPS (ciências e técnicas das actividades físicas e desportivas), teologia, direito, AES (administração económica e social), economia e gestão. A organização dos estudos na Licence permite obter formação inicial em módulos científicos específicos, sendo a Maîtrise uma formação especializada mais desenvolvida, compreendendo cursos e, sobretudo, um trabalho individual centrado na redacção de um relatório de pesquisa.

A variante profissional da Maîtrise (Bac+4 anos; DEUG+2 anos) foi concebida tendo como objectivo favorecer o acesso directo à vida profissional activa. Contrariamente às maîtrises generalistas, os seus estudos assentam em procedimentos práticos em detrimento de dados teóricos, obrigando à frequência de estágios em posto de trabalho alternados com sessões de formação dispensadas por profissionais da área. Nesta variante se inscrevem os diplomas de MST ( Maîtrise de Sciences et Techniques ), MSG ( Maîtrise des Sciences de Gestion ), MIAGE ( Maîtrise de Méthodes Informatiques Appliquées à la Gestion ), Magistère ou de Ingénieur-maître (Bac+4 anos). Este último é preparado nos Institutos Universitários Profissionais (IUP - Institut Universitaire Professionnalisé ), com finalidade profissional. Cada ano de estudo é sancionado por um diploma nacional (DEUG, Licence , Maîtrise ). O título de Ingénieur-maître é conferido após a Maîtrise . Para a obtenção do grau de Ingénieur é necessário prosseguir os estudos do 3.º ciclo. Daqui decorre que o grau de Maîtrise não corresponde ao mestrado das universidades portuguesas, uma vez que se trata de um diploma equiparado à graduação plena em Portugal (Licenciatura em quatro anos).

Terceiro ciclo (1 a 5 anos):

Este é um ciclo de duração variável, consoante o título obtido. Como requisito prévio exige-se a Maîtrise ou diploma equivalente (cursado num mínimo de 4 anos). Poderá conduzir a uma especialização ou ao doutoramento. Ao nível da especialização proporciona a obtenção do DRT ( Diplôme de Recherche Technologique ), obtido em 1 a 2 anos (Bac+5/6 anos), e que associa profissionalização e pesquisa, sendo destinado aos ingénieurs-maîtres dos IUP e aos élèves-ingénieurs do último ano de escola de engenharia. O DESS ( Diplôme d'Etudes Supérieures Spécialisées ) possui uma vocação prática e profissionalizante, obtida em um ano de estudos especializados (Bac+5 anos). O DEA ( Diplôme d'Etudes Approfondies ) obtido em igual período de tempo (Bac+5 anos), diferentemente do anterior, centra-se na pesquisa e poderá representar o primeiro ano de estudos doutorais, caracterizado por uma iniciação à investigação numa determinada área científica ou disciplina específica. Este diploma (DEA) é outorgado após apresentação e defesa de uma dissertação que permita apreciar e avaliar a aptidão e capacidades do estudante para a preparação de uma tese de doutoramento. Neste contexto, algumas universidades exigem a frequência de um ano preparatório ou a inscrição para obtenção de um certificado complementar de maîtrise com vista a melhor abordar o DEA.

O DEA constitui pois o pré-requisito de admissão ao doutoramento ( Doctorat ), o qual assenta na realização de uma pesquisa científica que deverá culminar na apresentação de uma tese cuja preparação se alonga por 3 a 4 anos, e que, nas áreas da Literatura e Ciências Humanas, pela morosidade da pesquisa, obriga geralmente à prorrogação por mais um ano. O doutoramento culmina uma permanência de, pelo menos, 8 a 9 anos no sistema de ensino superior em França [Bac+DEUG(2)+M(2)+DEA(1)+3/4 anos].

 

O ‘Processo de Bolonha' e a reconfiguração do sistema

Atendendo à especificidade histórica e ao papel do Estado francês no sector, o processo tem vindo a desenrolar-se gradualmente, desde 1999, num quadro interministerial sob a liderança e coordenação do Ministério da Educação Nacional (MENESR). Começou por ser aplicado aos cursos universitários (com excepção de Medicina) e às escolas de engenharia (1999) e de gestão (2001). A partir de 2002 foi acompanhado por uma reconfiguração geral da oferta educativa nas universidades e escolas superiores, com vista à criação de novos cursos que conduzam à implementação dos dois ciclos de formação consagrados por Bolonha, isto é, um ciclo de formação inicial que conduza à concessão da licence (o bachelor de Bolonha) e um ciclo de formação complementar que conduza ao master e ao desenvolvimento de estudos doutorais. Neste sentido, em 2002, foi criado o grau de Mestre ( Master ), título a conferir aos estudos pós-graduados e de especialização, tanto de universidades como de Grandes Écoles . O processo de reforma segundo o modelo L-M-D ( Licence--Master-Doctorat ), alargou-se às escolas de ciência política (2003) e às escolas de arquitectura e de medicina (2004), abrangendo já 3/4 do sistema, prevendo-se, graças à política contratual entre o Estado e as universidades, que a reforma de Bolonha e a implementação do “modelo europeu” seja, provavelmente, uma realidade plena no ano lectivo de 2006 ou, o mais tardar, em 2007.

Actualmente (2005) procede-se a uma reflexão de fundo com vista à reorganização dos estudos doutorais, com base na publicação de um decreto (6-01-2005) que altera os procedimentos de co-orientação das teses; redefine as modalidades de avaliação e ou acreditação da qualidade das instituições, dos programas de formação e pesquisa e dos docentes-investigadores, e tende, à clarificação do sistema de ensino superior através de uma uniformização de parâmetros e procedimentos que aproxime as universidades, as “ grandes écoles ” e os laboratórios de investigação, buscando assim, conferir-lhe uma maior leitura e transparência.

A reforma L-M-D ( Licence-Master-Doctorat ), ao nível da formação inicial ( Licence ) visa acentuar a democratização de um ensino superior já de si aberto, desta feita dando cumprimento ao objectivo da Convenção de Lisboa (11-04-1997) de construir uma « sociedade e economia do conhecimento ». Ao nível da formação complementar, através dos cursos de Master busca realizar um objectivo de excelência e atractividade, potenciando as energias específicas dos estabelecimentos de ensino superior europeu e seus pólos de excelência. Com a reforma dos programas de estudos doutorais, pelo decreto de 25-04-2002, procurou-se a modernização do sistema e a sua completa internacionalização e integração no processo de convergência europeia. Contudo, o obstáculo maior à internacionalização e mobilidade estudantil é em larga medida de pendor estrutural e não financeiro (embora a contribuição dos estudantes atinja os 18,9% do PIB/hab.). Prende-se com a dimensão cultural e linguística em contraponto ao peso da atracção anglófona sobre o potencial mercado da mobilidade estudantil e docente. Pelo que a agilização dos dispositivos financeiros já existentes (nomeadamente os “complementos Erasmus ” e as “bolsas de mobilidade” do MENESR), bem como a primazia à mobilidade em detrimento da antiguidade na promoção do pessoal docente, desempenharão um papel crucial na afirmação de um espaço francófono de influência cultural na Europa e no mundo, que eleve a França à posição cimeira que no passado ocupou como vanguarda de importantes movimentos socioculturais e económicos.

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* Fernando Amorim

Mestre em História Moderna pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Docente e Investigador do Observatório de Relações Exteriores da UAL. Editor do Janus.

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Bibliografia

AFNF – «O Ensino Superior na França». In Appui à la Culture - Annexe Scientifique, universitaire et technologique . Http://www.netflash.com.br/alliance/ Apoio/diplomacia21-processofacbr.htm

CENTRE Culturel Français de Damas - Panorama général du système d'enseignement supérieur français . Http://www.ccf-damas.org/Etudier/systeme.htm

ÉGIDE – Comprendre l'enseignement supérieur , 2005. Http://www.egide.asso.fr/fr/guide/comprendre/glossaire/

LE MONDE.fr – «L'enseignement supérieur en France épinglé par l'OCDE» . Http://www.lemonde.fr, 13-09-05, 18:29.

MENESR - Le baccalauréat général . http://www.education.gouv.fr/sec/baccalaureat/bacgene.htm

SAINT-GÉRAND, Jacques-Philippe; STORA, Florent; LAGIER, Hélène (coord.) - T owards the European higher education area: Bologna process: National Report 2004-05: France . 25-01-2005.

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