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Bolonha, competitividade europeia e Portugal

Alberto Amaral *

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A Europa enfrenta decisões políticas difíceis face à sua óbvia quebra de competitividade numa economia mundial em crescente globalização. Os trabalhadores europeus, não só têm salários elevados em relação à concorrência, como, apesar da crise do Estado providência, gozam de um conjunto de direitos sociais sem paralelo em outras regiões. Isto significa que os custos de mão--de-obra na Europa, conjugados com uma população envelhecida, são um handicap sério na competição com outras regiões.

O dilema é que a Europa quer ser competitiva num mercado económico global e já não tem recursos para manter as políticas tradicionais do Estado providência. A presente crise da União, evidente na falta de rumo político, na dificuldade em aprovar um orçamento e na impossibilidade de ratificar uma Constituição, tem muito que ver com estes problemas e com a impossibilidade de compatibilizar dois modelos contraditórios: um modelo mais neo-liberal como defendido por Blair e o tradicional modelo social Europeu.

Foi a luta entre estas duas visões que condicionou o NON francês e o relativo desaire de Angela Merkel. Vai ser cada vez mais evidente que as empresas na Europa vão procurar reduzir os custos de mão-de-obra, (veja-se, por exemplo, o que está a acontecer com a indústria automóvel alemã e a Siemens), se necessário recorrendo à chantagem da deslocalização para impor condições de trabalho menos favoráveis. E os governos estão entre a espada e a parede: ou diminuem as regalias dos trabalhadores enfrentando uma derrota nas próximas eleições, ou vêem o capital fugir se decidirem contra os patrões.

 

Do emprego à empregabilidade

O observador mais atento já deve ter notado a forma sub-reptícia como o conceito de emprego tem vindo a perder uso face ao novo conceito de empregabilidade.
O direito ao emprego está muito ligado a um conceito de responsabilidade pública; todos ouvimos os nossos políticos prometer que vão arranjar mais empregos, assumindo que essa é uma responsabilidade do Estado, consagrada em muitas Constituições sob a forma do direito ao trabalho. Porém, se o emprego é assumido como uma responsabilidade colectiva, já a empregabilidade é mais uma responsabilidade individual: todo o indivíduo, depois de concluir uma formação de nível superior ao abrigo da obrigação do Estado de garantir o acesso dos cidadãos a este nível de ensino, contrai por sua vez o dever de usar parte dos rendimentos de trabalho para se manter actualizado e empregado. Se não o fizer, vai para o desemprego, por sua culpa, não do Estado. Portanto, há uma mudança subtil do conceito de emprego para o conceito de empregabilidade, que é muito menos uma noção de direito (ao trabalho) para passar a ser um dever individual.

A emergência do conceito de empregabilidade pode permitir uma interpretação neo-liberal de Bolonha, ainda mais credível na medida em que a estratégia de Lisboa colonizou o processo de Bolonha. Nesta interpretação, o Estado responsabilizar-se-á apenas pelo financiamento do primeiro ciclo e, a partir daí, cada um terá que pagar a pós-graduação – 2.º ciclo – para se manter empregável. Tudo pode passar por transferir parte dos encargos com a pós-graduação para os alunos, que assumem a responsabilidade de permanecer empregáveis para conseguir manter a condição de empregados.

 

Da alteração da estratégia de mobilidade

Até há bem pouco tempo, o conceito de mobilidade estava associado à possibilidade dos alunos europeus adquirirem parte da sua formação numa instituição de outro país e na troca de docentes. Porém, esta mobilidade intra-europeia, que foi objecto de programas comunitários como o Erasmus e o Sócrates, está hoje a ser substituída por uma estratégia de atracção de jovens de outros continentes para a Europa, na tentativa de resolver o dramático problema do envelhecimento populacional resultante da diminuição das taxas de natalidade da generalidade dos Estados-membros.

O envelhecimento da Europa é um dos factores que contribuem para a perda de competitividade e a Europa prepara-se para competir com os Estados Unidos na captação de jovens de outros continentes, em especial da Ásia e das Américas, como forma de revitalizar e rejuvenescer a sua mão-de-obra. Portanto, a estratégia já não é a permuta de jovens dentro da Europa mas sim a captação de massa cinzenta do exterior, no âmbito de uma estratégia de desenvolvimento económico, no âmbito da estratégia de Lisboa.

Não é por acaso que a ESIB, a organização europeia dos estudantes, veio a público defender que é necessário cuidar melhor do ensino superior europeu, investir mais nele, de uma forma continuada e significativa, em vez de estar a apostar na importação de mão-de-obra inteligente e mais barata vinda do exterior.

 

As dificuldades do método aberto de coordenação

Com o decorrer do tempo criou-se a sensação de que a estratégia de Lisboa estava em risco, o que levou à constituição de uma comissão de personalidades para analisar esta questão. Em 2004, esta comissão apresentou um relatório que assumiu o nome do seu presidente Wim Kok com uma análise crítica dos processos de implementação e coordenação e um conjunto de recomendações para os melhorar.

Entre as críticas, considera-se que o progres-so da estratégia de Lisboa foi afectado por incoerências e inconsistências, tanto dos participantes como das políticas (assumindo que coerência e consistência significam que todos os participantes conhecem e compartilham dos mesmos objectivos). O relatório considera que para atingir os objectivos de maior crescimento e mais emprego é fundamental assegurar que exista um alinhamento claro dos intervenientes, das políticas e dos objectivos, evitando políticas dispersas e, por vezes, contraditórias (algo que Durão Barroso parece ter reconhecido ao propor diminuir drasticamente a fúria legisladora da Comissão).

Em boa verdade, apesar de todos os indi-cadores, dos mecanismos de avaliação e benchmarking e dos métodos de pressão, a coordenação é muito difícil porque não há uma lei comunitária, mas um conjunto de diferentes leis nacionais que correspondem às diferentes interpretações de cada Estado. Porém, cada Estado tem as suas agendas internas próprias (os governos são eleitos pelos cidadãos de cada país) o que leva a uma coordenação imperfeita do processo, a qual se torna ainda mais difícil em tempos de crise económica.

Por exemplo, foi óbvio no NON da França à Constituição Europeia que as políticas de liberalização económica (uma das bandeiras de Durão Barroso) foram vistas por muitos como a causa do aumento do desemprego e da degradação dos salários. E a crise torna-se cada vez mais visível, face à incapacidade de liderança do Presidente da Comissão e à dificuldade em relançar a economia europeia.

O velho ditado de que “numa casa em que não há pão todos ralham e ninguém tem razão” é aplicável à conjuntura actual, em que cada Estado-membro procura resolver os seus problemas, mesmo que a custo da coesão da União.

A outra crítica do relatório Wim Kok é que até agora a implementação tem sido uma matéria para discussão entre a Comissão e os Estados-membros, sem que os parlamentos nacionais ou os cidadãos estejam suficientemente associados ao processo. Curiosamente, houve quem criticasse os referendos da Constituição Europeia temendo, justificadamente, uma reacção negativa dos cidadãos. Mas afinal que democracia estamos a implementar na Europa? Esta é uma das razões da progressiva dissociação entre os cidadãos, as estruturas de Bruxelas (bem evidente nas taxas de abstenção das eleições europeias), e do alheamento dos parceiros sociais e outros stakeholders.

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Bolonha e o método aberto de coordenação

Um exemplo da aplicação do método aberto de coordenação é exactamente o processo de Bolonha. Como se sabe, os Estados-membros definiram um conjunto de objectivos, metas e datas, ou seja, no caso de Bolonha, decidiu-se que até Dezembro de 2010 há um determinado número de objectivos que todos os Estados devem cumprir (ECTS, suplemento do diploma, estrutura dos cursos, etc.). Em vez de fazer uma lei comunitária impondo tudo isto, espera-se que cada Estado-membro aprove as leis internas de que precisa para atingir estas metas (por exemplo, em Portugal, a recente alteração da Lei de Bases para tornar possível a alteração do sistema de graus de acordo com Bolonha). E depois, há um conjunto de mecanismos de acompanhamento, de indicadores, de benchmarkings , etc., que vão verificando se cada país está ou não a cumprir as metas. Essa é a razão pela qual os ministros da Educação se reúnem periodicamente (Praga, Berlim, Bergen, etc.) para analisar a situação do processo e afinar as metas a curto/médio prazo.

As dificuldades de coordenação são bem visíveis numa análise da implementação de Bolonha nos vários países europeus, sendo evidente que, em cada país, Bolonha se transformou numa questão nacional, numa oportunidade para resolver os problemas internos, em que a questão europeia foi esquecida. O que o Estado pretende resolver são os problemas internos do país e não as questões a nível europeu, o que provoca, necessariamente, descoordenação. Claro que se o país é Portugal, pequenino e pobretão, mais cedo ou mais tarde vai ter de ser bom aluno e de alinhar com a Europa. Se o país é a França, a Alemanha ou o Reino Unido então a imposição da convergência é bem mais complexa.

Essas dificuldades de coordenação são ainda maiores no caso de Bolonha porque a implementação última das reformas depende das instituições de ensino superior e dos seus professores, uns e outros em regra dispondo de considerável autonomia. Reparem no que os alunos da ESIB pensam: as universidades, os seus membros, os stakeholders , devem intervir mais, sendo necessária uma cooperação mais forte e mais estreita entre os intervenientes no processo. É por essa razão que se corre o sério risco de Bolonha ser implementada apenas na forma e não na substância, em especial se o tempo político, mais curto, pressionar demasiado o tempo académico, mais longo, como convém às enormes dificuldades de mudar de paradigma no ensino.

Apesar de todo um discurso triunfante sobre o avanço implacável de Bolonha, a verdade é que existem enormes dificuldades de implementação ao nível das instituições. Quem ler, por exemplo, alguns relatórios nacionais de progresso, preparados para a reunião dos ministros em Berlim, e conheça a situação dos sistemas europeus de ensino superior, verifica facilmente que alguns países produziram relatórios irrealistas, tentando pintar um panorama completamente diferente do real, para evitar serem apanhados em falta.

 

Bolonha e Portugal

Para Portugal, o processo de Bolonha pode constituir uma oportunidade para a reforma de que o sistema de ensino superior tanto carece, depois de duas décadas de expansão demasiado rápida, sem preocupações de qualidade ou de racionalidade. Porém, existem igualmente alguns riscos apreciáveis, que serão acrescidos na medida em que a estratégia de Lisboa der predomínio à eficiência económica sobre a coesão social.

Assim sendo, será de esperar uma aposta nas questões da eficiência, da eficácia, no managerialismo (gerencialismo), na competitividade, na privatização do sector público... O predomínio da economia pode levar a uma secundarização da coesão social, com uma União a duas ou mais velocidades (cada um dedica-se ao que sabe fazer melhor...) e é possível que se crie, igualmente, uma Área Europeia de Ensino Superior a duas velocidades, com algumas instituições de elite a concentrar os recursos de investigação e pós-graduação, competindo com as melhores universidades americanas. As outras instituições serão universidades nacionais ou regionais “de transmissão de conhecimentos”, concentrando esforços no ensino do 1.º ciclo de Bolonha que será massificado, passando a substituir a formação ao nível do secundário.

É que Bolonha cria também um mercado europeu de ensino superior onde Portugal terá grandes dificuldades em competir com êxito. Na altura da revolução de Abril, Portugal ocupava a cauda da Europa e os indicadores educativos mostravam que estávamos bem abaixo da Grécia e mesmo atrás da Turquia. Os quadros que se apresentam mostram que, passados 30 anos e gastos milhares de milhões de Euros, apesar de todos os progressos em termos de eliminação do analfabetismo, aumento da escolarização e do acesso ao ensino superior, continuamos igualmente na cauda da Europa. Como competir numa sociedade do conhecimento quando 80% da população adulta não tem mais do que a escolaridade obrigatória, quando apenas 42% dos jovens com 22 anos completam o secundário e só 9% da população adulta tem estudos terciários?

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* Alberto Amaral

Licenciado em Engenharia Química pela Universidade do Porto. Doutorado pela Universidade de Cambridge. Ex-Reitor da Universidade do Porto. Presidente do board do CHER. Membro do Steering Committee para a avaliação institucional da EUA e do Governing Board do IMHE da ODCE. Membro vitalício da IAUP e membro do EAIR, SCUP e CIES.

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