Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa | ||||
Onde estou: | Janus 2006> Índice de artigos > Internacionalização da educação e da cultura > Tendências e políticas da cultura > [ Mediatização da cultura, nichos e "glocalizações" ] | |||
|
ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS CLIQUE AQUI! Mediatização da cultura, nichos e "glocalizações"
Uma nova reflexão Entre os programas de reflexão que, directa ou indirectamente, se têm ocupado da “mediatização da cultura” nas sociedades contemporâneas, merece particular atenção, pelo seu carácter internacional e interdisciplinar, o projecto “ Changing Media - Changing Europe ”, desenvolvido entre 1 de Janeiro de 2000 e 1 de Janeiro de 2005 pelos Conselhos Europeus de Investigação nas áreas de “humanidades” e das ciências sociais, sob a égide da European Science Foundation (ESF) sediada em Estrasburgo. Concebido como um projecto trans-
Influência de Castells Os grupos temáticos foram atravessados por questões pragmáticas que escoram a reflexão sobre estas matérias, e sobretudo pela da resistência da identidade nacional no contexto da globalização: “Ainda vivemos e pensamos muito como cidadãos nacionais e pouco como cidadãos europeus e globais em que lentamente nos estamos a transformar. A separação entre o grupo globalizado, a elite global da política, da finança e dos media , e os cidadãos nacionais correntes, é muito visível neste início de milénio, que conhecerá inevitavelmente o crescimento da globalização tecnológica virtual, a par de maior globalização cultural e social (...). A cultura mediática e as indústrias culturais são já um dos sectores [económicos] em maior crescimento, e a luta entre grandes companhias pela integração vertical dos media tem-se tornado mais e mais agressiva, traduzindo-se em mais pressão sobre o modelo europeu de serviço público e sobre as políticas e instituições culturais tradicionais” 1 . A inspiração tutelar desta reflexão pertence a Manuel Castells 2 , para quem a rede virtual e simbólica se torna real, na forma de um sistema de comunicação digital e global integrado, que empobrece o poder das instituições tradicionais e dos Estados, ao mesmo tempo que transforma radicalmente as próprias ideias de espaço e tempo, cruciais na vida humana. Por um lado, as localidades são desenraizadas do seu sentido cultural, histórico, geográfico, e reintegradas em redes funcionais, ou em colagens de imagens, induzindo um espaço de fluxos que substitui o espaço dos lugares (Castells 2000, 406). Por outro, religião, moral, autoridade, valores tradicionais e ideologias políticas não desaparecem, mas enfraquecem como códigos sociais, enquanto não se recodificam para entrarem no novo sistema, onde o seu poder – diz o autor – voltará a crescer. Numa reflexão convergente com a de Alain Touraine, Castells propõe que se tornou emergente uma concepção mais flutuante e dinâmica das identidades: “As nossas sociedades são cada vez mais estruturadas em torno da oposição bipolar entre a Rede e o Ego (Self)... Na sociedade pós-industrial onde os serviços culturais substituíram os bens materiais no núcleo duro da produção, é a defesa do sujeito, na sua personalidade e cultura, contra a lógica dos aparelhos e dos mercados, que substitui a ideia de luta de classes” (Castells, 2000: 3 e 22). Públicos nacionais Mas a prova do real torna menos lineares estas descrições da mudança. No que respeita à tensão entre identidade europeia e identidade nacional atrás referida, por exemplo, dados de numerosos países europeus mostram que, apesar da disponibilização de um número crescente de canais televisivos globais (o número total de canais disponíveis na maioria dos países europeus varia entre 30 e 100), a preferência maioritária dos utilizadores continua a ir para os canais nacionais (de serviço público, híbridos ou comerciais). Por exemplo na Dinamarca, essa preferência é de 70 %. Mas tal preferência exprime também outra realidade: na mesma Dinamarca, 3/4 dos conteúdos de metade dos canais nacionais são americanos – o que significa que os canais nacionais (e esta situação é dominante na Europa) são frequentemente determinantes no favorecimento dos EUA e da sua indústria cultural. Wolfgang Closs, director do Observatório Europeu do Audiovisual, confirmou na conferência de Gdynia (Polónia), em 2003, que os públicos europeus preferem ver nas suas televisões produções nacionais e filmes americanos, e só esporadicamente filmes de outros países europeus. O exemplo dinamarquês não significa que não existe uma “elite globalizada” que prefere ser informada pela CNN ou pela BBC News, provavelmente a mesma que lê de preferência o The Financial Times e o The Economist e que, em matéria de ficções, opta por canais internacionais e, em breve, pelo “ pay per view ”. Significa, sim, algo que os mediametristas europeus conhecem bem: que os públicos em geral continuam a preferir conteúdos nacionais em “ prime time ” e ficções americanas fora dele (fenómeno que Portugal também exprime claramente). Nos termos de Bondebjerg: “Uma cultura audiovisual europeia viva parece ainda pertencer a uma utopia de ficção científica; as culturas nacionais são mais fortes (...) independentemente da dimensão dos países. E em muitos países europeus, é a ficção nacional que tem mais audiência (...) apesar da popularidade da ficção americana”.
Dogma: um novo fôlego A montante destas questões, o universo dos media sabe que a inovação bem sucedida continua a ter raízes sobretudo nacionais. Um caso notável de internacionalização de uma experiência nacional na área da realização, produção e distribuição de filmes é o do grupo Dogma (também dinamarquês) 3 . Longas-metragens de baixo orçamento, e aparentemente “marginais”, conseguiram ultrapassar a audiência quase estritamente nacional ou nórdica do cinema feito na Dinamarca, quer vencendo nas bilheteiras locais produções americanas caras, quer obtendo recepções sem precedentes no mercado europeu... e americano. Esta experiência provou que produções nacionais ou europeias co-financiadas conseguem inverter a tendência principal da globalização, dando vida àquilo que Castells designaria por “glocalização”. Neste caso, ao tradicional financiamento público via Instituto Dinamarquês do Cinema, veio juntar-se financiamento privado de capital de risco, porque os filmes mostraram ser rentáveis e também porque as novas técnicas e câmaras digitais atingem mais facilmente os standards de qualidade internacionais, diminuindo os custos de produção. Três filmes dinamarqueses - “ The Celebration ” de Thomas Vinterbergs, “ Mifunes last song ” de Søren Kragh-Jacobsens e “ Italian for beginners ”, de Lone Scherfigs, ganharam prémios internacionais e foram mundialmente distribuídos com sucesso. O Dogma gerou aliados europeus e americanos e deu origem a cooperações internacionais inesperadas – o grupo é, na cinematografia europeia, uma experiência de internacionalização de públicos tão influente como a do cineasta espanhol Pedro Almodóvar. Outro caso – o de um nicho televisivo – de surpreendente conquista de públicos é o do Canal História, distribuído por cabo, e que ultrapassou rapidamente o target para que tinha sido criado, revelando capacidade de penetração trans-etária e transcultural surpreendentes. Este caso vem, por outro lado, revelar as potencialidades de um tipo de conteúdos – o documentário temático – que as televisões contemporâneas redescobrem (em Portugal, a RTP prometeu na rentrée de 2005-2006 incentivar a produção de documentários nacionais), tentando associá-lo à “televisão interactiva”. E as potencialidades do documentário temático confirmam a crescente importância do campo dos media como lugar de produção e circulação de “saberes informais” – aqueles que, precisamente por se desenvolverem no universo das indústrias da comunicação, se opõem (ou se aliam?) aos “saberes formais” produzidos e postos a circular no sistema de ensino. O sistema dos media não oferece diplomas, mas tornou-se num “rival global” do sistema de ensino, quando encarado na perspectiva do relacionamento entre a Rede e o Ego, que desvaloriza a mediação das instituições tradicionais.
Duas brasas, duas sardinhas Para além da diversidade de tendências, uma questão irresolvida se coloca às políticas europeias para os media e a cultura: estas políticas, ora tendem a interligar-se no quadro de uma liberalização e homogeneização do mercado europeu dos media , da comunicação e da cultura, ora mantêm a reivindicação de investimento de Estado que suporte o projecto (sempre indefinido) de serviço público comunicacional. Quando a primeira destas propensões ganha terreno pressente-se a possibilidade de maior fluxo de produtos e actores, assente na desregulação e na afirmação de conglomerados europeus que visam tornar-se jogadores poderosos no mercado global. No segundo caso, são as tradições de apoio e protecção de Estado ao universo das artes, da cultura e do serviço público comunicacional que emergem como características do modelo europeu. Mas, num caso como no outro, a cultura, os media e a comunicação deixaram de ser vistos como nichos perdulários de entretenimento, grandes sorvedouros de subsídios a fundo perdido: são hoje sectores de investimento estratégico, gerador de lucros e de postos de trabalho, e por isso tornaram-se num novo desafio, exigindo políticas continentais, porque também delas dependerá, em parte, o relançamento do emprego e do crescimento económico na Europa.1 Bondebjerg, Ib, “European Media, Cultural Integration and Globalisation - Reflections on the ESF-programme Changing Media - Changing Europe”, in Nordicom Review , vol. 22:1, Junho de 2001 2 Castells, Manuel (versão original 1996, nova edição 2000): “The Rise of the Network Society”. Vol. 1 da série “The Information Age: Economy, Society and Culture”. Londres, Blackwell. 3 O manifesto “Dogma” , lançado em 1995 por Lars von Trier e Thomas Vinterberg , combatia o modelo de Hollywood e defendia um cinema de menores orçamentos, como menos meios técnicos e manipulações electrónicas, bem como um conjunto de opções estéticas e narrativas em ruptura com a indústria americana, suas normas e convenções. * João Maria Mendes Licenciado em Filosofia pela Universidade de Lovaina (Bélgica). Doutorado em Ciências da Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa. Docente na Escola Superior de Cinema e Teatro e na UAL. Subdirector do Observatório de Relações Exteriores da UAL. Responsável pelo Projecto Janus Online. Programas importados de ficção em 101 estações europeias de televisão
|
|
|||||||