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Janus 2006



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Os representantes especiais da UE

Marisa Abreu *

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Uma voz da União Europeia em áreas cruciais (1) – é assim que o Conselho define a acção dos Representantes Especiais da UE. Sendo figuras nem sempre conhecidas da maior parte dos europeus, estes desempenham no entanto funções de importância incontestável. A sua existência data de meados da década de 90 e resulta directamente da necessidade, sentida ao mais alto nível, de acompanhamento dos acontecimentos em zonas instáveis fora da União.

Os seus antecessores foram os chamados “Enviados Especiais” da UE que, de uma forma menos institucionalizada, actuavam como conselheiros quanto à acção da organização em determinadas zonas geográficas. Estes traduziam uma preocupação crescente da UE, enquanto actor internacional, face a situações pós-conflito e/ou durante processos de paz delicados.

Os dois primeiros “enviados especiais” foram nomeados, em 1996, para duas regiões particularmente instáveis: o Médio Oriente e os Grandes Lagos africanos. Desde então muitos outros foram incumbidos de tarefas semelhantes, muito embora em contextos diferentes.

Um breve olhar para as já quase duas dezenas de enviados e/ou representantes especiais permite-nos constatar que as atenções da UE têm estado concentradas na sua “vizinhança alargada”, isto é, nos Balcãs e no Mediterrâneo sul. O que nos faz pensar que as preocupações da UE traduzem a necessidade de normalização de sociedades dilaceradas por conflitos que, dada a sua proximidade, possam vir a afectar interesses de países membros ou da própria organização e seu funcionamento.

Mesmo no que concerne ao continente africano, esta lógica pode não ser quebrada, uma vez que o passado colonial de alguns Estados-membros os aproxima, política, económica e socialmente, apesar da distância geográfica.

Outra constatação interessante tem a ver com o facto de somente após a Guerra Fria o interesse da UE nestas regiões ter aumentado substancialmente, a ponto de suscitar o envio de Representantes Especiais.

É claro que este fenómeno está directamente relacionado com a emergência de uma Política Externa e de Segurança Comum (PESC) uma vez que, sem esta, os Representantes Especiais não seriam concebíveis. Mas em última análise, a própria PESC é uma consequência (entre outros factores) do final da Guerra Fria.

E se isto é verdade, então os Representantes Especiais são uma das faces visíveis de uma crescente afirmação da UE enquanto actor internacional, revelando, no mínimo, ambições de expansão da sua influência para fora do seu espaço geográfico tradicional.

E o curioso é notar que se trata de uma expansão de influência não convencional, isto é, procurando a não utilização de meios militares para o efeito. Será uma espécie de “ soft power ” por oposição ao “ hard power ” norte-americano. Como refere Mark Leonard, “Europe has developed a new type of power that starts not with geopolitics but with domestic politics” (2).

Mais interessante ainda é constatar que os mandatos dos Representantes Especiais apontam no sentido de uma crescente preocupação europeia com os processos de “ state building ”. A nomeação de representantes para a República Democrática do Congo, Palestina, Bósnia, Afeganistão ou Macedónia (FYROM) é disso bom exemplo.

Mas, apesar de tudo, não é ainda seguro que a UE seja uma eficaz “fazedora de Estados”. Há uma diferença entre a ambição e o resultado. Talvez por isso os mesmos exemplos poderiam ser utilizados para apontar as fragilidades do processo. A justificação para esta dificuldade pode muito bem encontrar-se numa cada vez maior dispersão dos interesses relacionados com “ state building ”. O alargamento para zonas instáveis, o combate ao terrorismo internacional, a emergência de conflitos violentos em África, entre outros factores, estará na origem desta dispersão (3).

Deste ponto de vista, os Representantes Especiais são talvez o “primeiro momento” de uma estratégia de afirmação da UE que passa pelo envolvimento em áreas parcialmente democratizadas ou de democratização incompleta. Este é sem dúvida o grande desafio do século XXI.

Chalmers tem uma expressão interessante quanto a este assunto: “Turning fragile states into strong and stable ones is perhaps the most difficult security challenge of our time” (4).

Apesar da tendência europeia para avaliar o sucesso da PESC com base nas suas acções de “ crisis management ” – o que inevitavelmente resulta num juízo negativo – não é possível ignorar o sucesso de algumas das acções de “ state building ”. O “ crisis management ” exige, dada a sua natureza, respostas imediatas, o que, num contexto “colegial” como o da UE, é por vezes difícil de obter. A planificação inerente aos processos de “ state building ” e a sua manifesta necessidade facilitam a tomada de decisões e logo potenciam o seu sucesso.

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Informação Complementar

OS REPRESENTANTES ESPECIAIS DO PASSADO

Erhard Busek - Foi nomeado em Dezembro de 2001 com a missão de ajudar os países do Sudeste europeu a desenvolverem estratégias comuns tendo em vista a estabilidade e crescimento da região.

O seu antecessor foi Bodo Hombach , nomeado em Julho de 1999 para as mesmas funções.

Soren Jessen-Petersen - Foi nomeado em Janeiro de 2004 com a missão de apoiar o governo da Macedónia (FYROM – Former Yugoslav Republic of Macedonia) na gestão da crise política da altura.

Em Setembro de 2002 tinha sido nomeado para as mesmas funções Alexis Brouhns . Os seus antecessores foram: Alain de Roy (Outubro de 2001) e François Léotard (Junho de 2001).

Nils Eriksson - Desempenhou as funções de Conselheiro de UE entre Abril de 1997 e Maio de 2002. Nas suas mãos tinha a responsabilidade da gestão e implementação do Programa de Assistência da UE à Autoridade Palestiniana, particularmente no que dizia respeito ao combate ao terrorismo nos territórios ocupados.

Felipe González - Foi nomeado em Junho de 1998 com a missão de acompanhar a UE no seu apoio aos problemas da República Federal da Jugoslávia (FRY), missão esta que desempenhou até 1999.

Klaus Peter Klaiber - Foi nomeado em Dezembro de 2001com a missão de, em articulação com o Representante Especial do Secretário Geral das Nações Unidas, acompanhar os acontecimentos no Afeganistão.

Miguel Ángel Moratinos - Foi nomeado Enviado Especial da UE para as questões relacionadas com o Processo de Paz no Médio Oriente em Novembro de 1996.

Wolfgang Petritsch - Foi nomeado Enviado Especial da UE para o Kosovo em Março de 1999. Terminou o mandato em Julho de 1999 e em Agosto desse mesmo ano foi nomeado Alto Representante da Comunidade Internacional na Bósnia-Herzegovina.

Panagiotis Roumeliotis - Foi nomeado Representante Especial da UE em Maio de 1999, desempenhando funções de coordenação no âmbito do processo de Royaumont.

 

REPRESENTANTES ESPECIAIS DA UE - ACTUALIDADE

Adriaan Jacobovits de Szeged - Foi nomeado em Março de 2005 com a missão de acompanhar a situação na Moldova.

Michael Sahlin - Foi nomeado em Julho de 2004 com a missão de acompanhar a evolução política na Macedónia (FYROM).

Mark Otte - Foi nomeado em Julho de 2003 para acompanhamento de todas as questões relacionadas com o Processo de Paz no Médio Oriente, incluindo a promoção de uma solução definitiva baseada na ideia de existência de dois Estados em convivência pacífica lado-a-lado.

Heikki Talvitie - Foi nomeado em Julho de 2003 para acompanhar a evolução da situação no Cáucaso Sul. Deverá ainda apoiar o Alto Representante Javier Solana nos assuntos relacionados com esta região.

Francesc Vendrell - Foi nomeada em Junho de 2002 e a sua missão consiste no apoio ao Representante Especial do Secretário Geral das Nações Unidas no Afeganistão e na defesa dos interesses da UE neste país.

Lord Ashdown - Foi nomeado em Março de 2002 para o desempenho de funções na Bósnia--Herzegovina. A sua missão vai desde o acompanhamento dos acontecimentos políticos até à vigilância do cumprimento dos acordos internacionais.

Aldo Ajello - Foi nomeado em Março de 1996 e ficou com a responsabilidade de acompanhar a situação na região dos Grandes Lagos africanos. Deve trabalhar em estreita articulação com as Nações Unidas e com a União Africana.

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EXCERTOS DOS MANDATOS DOS ACTUAIS REPRESENTANTES ESPECIAIS DA UE

Bósnia-Herzegovina
Artigo 2

O mandato do Representante Especial da UE será baseado nos objectivos políticos definidos pela UE para a Bósnia-Herzegovina. Estes concentram-se no esforço continuado de implementação do “General Framework Agreement” para a paz na Bósnia-Herzegovina de acordo com a Missão de Implementação do plano definida pelo Alto Representante e de acordo com o Processo de Estabilização e Associação. Terá por objectivo um Estado viável, pacífico e multiétnico na Bósnia-Herzegovina em convivência pacífica com seus os vizinhos e num caminho irreversível para a integração na UE (1).

Moldova
Artigo 2

b) Contribuir para o fortalecimento da Democracia e do Estado de Direito bem como o respeito pelos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais para todos os cidadãos da República da Moldova (2).

Processo de Paz no Médio Oriente
Artigo 2

- Dialogar construtivamente com os signatários dos acordos inerentes ao processo de paz, a fim de promover a observância dos princípios essenciais da democracia, como o respeito pelos direitos humanos e o Estado de Direito (3).

Macedónia (MK)
Artigo 2

b) Oferecer apoio da UE na condução do processo de transição política (4).

Cáucaso Sul
Artigo 2

a) Assistir a Arménia, o Azerbeijão e a Geórgia na adopção de reformas políticas e económicas, particularmente no que diz respeito à democratização, direitos humanos, boa governação, desenvolvimento e redução da pobreza (5).

Afeganistão
Artigo 2

a) Apoiar o estabelecimento de governo estável e multiétnico no Afeganistão (…) (6).

Grandes Lagos Africanos
Artigo 3

d) (…) promover o respeito pelas regras básicas da Democracia e boa governação, incluindo o respeito pelos direitos humanos (…) (7).

1 Jornal Oficial da União Europeia , 28 de Julho 2004, p.7. http://www.eusrbih.org/legal-docs/pdf/eusr-joint-action.pdf
2 Jornal Oficial da União Europeia , 30 de Março 2005, p.50. http://europa.eu.int/eur-lex/lex/LexUriServ/site/en/oj/2005/l_081/l_08120050330en00500052.pdf
3 http://europa.eu.int/eur-lex/lex/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=celex.31996e0676.pt.html
4 Jornal Oficial da União Europeia , 3 de Julho 2001, p.1. http://ue.eu.int/uedocs/cmsUpload/L180-3.7.2001.pdf
5 Jornal Oficial da União Europeia , 8 de Julho 2003, p.74. http://ue.eu.int/uedocs/cmsUpload/L169-8.7.2003.pdf
6 Jornal Oficial da União Europeia , 11 de Dezembro 2001, p.1. http://ue.eu.int/uedocs/cmsUpload/L326-11.12.2001.pdf
7 Jornal Oficial da União Europeia , 13 de Dezembro 2003, p.37. http://europa.eu.int/eur-lex/pri/en/oj/dat/2003/l_326/l_3262 0031213en00370038.pdf

 

BÓSNIA-HERZEGOVINA: UM CASO DE SUCESSO PARA A UNIÃO EUROPEIA

Paddy Ashdown foi nomeado pelo Conselho como primeiro Representante Especial para a Bósnia-Herzegovina em Março de 2002, cargo este que junta ao de Alto Representante da Comunidade Internacional nesse mesmo país desde Maio desse mesmo ano.

Enquanto Representante Especial da UE o seu mandato inclui a supervisão de todo um conjunto de actividades que se inscrevem no âmbito do funcionamento do Estado de direito. Do mesmo modo lhe compete a assessoria ao chamado Sr. PESC e à Comissão quanto aos assuntos que digam respeito às relações UE/Bósnia-Herzegovina. Coordena ainda a Missão de Polícia da União Europeia naquele país.

Esta missão, a primeira operação civil de gestão de crises levada a cabo no âmbito da Política Europeia de Segurança e Defesa, revelou-se um importante complemento de outros programas desenvolvidos pela UE.

Enquanto Alto Representante da Comunidade Internacional, Paddy Ashdown coordena a implementação dos aspectos civis do Processo de Dayton.

Apesar das inúmeras dificuldades inerentes a qualquer processo de reconstrução pós-bélica, a verdade é que foi possível atingir importantes objectivos quanto à pacificação deste país, quanto ao funcionamento das suas estruturas administrativas e quanto ao seu desenvolvimento económico.

Tais avanços colocaram a Bósnia-Herzegovina “no caminho da Europa”, tendo sido possível percorrer um longo caminho desde a assinatura dos Acordos de Dayton em 1995.

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1 EU Council Secretariat Factsheet – EUSR's A Voice and face of the EU in crucial áreas , 06 - 2005. http://ue.eu.int/uedocs/cmsUpload/EUSRs.pdf
2 LEONARD, M.; GOWAN, R. – Global Europe: Implementing the European Security Strategy . In Foreign Policy Center, 2004. http://fpc.org.uk/fsblob/187.pdf
3 CHALMERS, M. – Rescuing the state: Europe´s next challenge . In Foreign Policy Center, 2005. http://fpc.org.uk/fsblob/451.pdf
4 CHALMERS, M. – Rescuing the state: Europe´s next challenge . In Foreign Policy Center, 2005. http://fpc.org.uk/fsblob/451.pdf


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* Marisa Abreu

Licenciada em Relações Internacionais pela UAL. Mestre em Desenvolvimento e Cooperação Internacional pelo ISEG. Docente na UAL. Investigadora e membro do Conselho Directivo do Observatório de Relações Exteriores da UAL.

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