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Janus 2006



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A diplomacia económica contemporânea

Manuel Farto *

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O tema da diplomacia económica vem suscitando um renovado interesse, tanto no plano académico, onde tem merecido um aprofundamento na perspectiva da ciência política, assumindo em definitivo o estatuto de matéria académica, como no plano político, com assumpção de um interesse crescente pelos mais variados governos, inclusive o português.

Alguns historiadores da diplomacia mundial, como Rik Coolsaet (2001), sustentam que a actual ênfase na diplomacia económica não constitui em si um fenómeno novo mas apenas uma “r essurgência cíclica ” do primado da utilização do aparelho diplomático, observável em épocas em que a regulação supranacional, estabelecida normalmente pelo grupo dos países mais fortes, como nos acordos de Bretton Woods, se apresenta enfraquecida. « A importância da diplomacia económica de hoje, é comparável à do século XIX por parte dos Estados industriais », sublinha.

Todavia, a tendência mais geral é para considerar que novos factores se têm desenvolvido, com importância bastante para justificar a denominação da diplomacia económica de nova, pós-moderna, etc. Analisar os fundamentos desta caracterização constitui o objectivo do presente texto.

 

A globalização e o reforço da função económica da diplomacia

A reflexão sobre diplomacia económica refere-se insistentemente à globalização, geralmente entendida como um processo transformador da organização das relações internacionais, criando um complexo conjunto da interconexões e interdependências, que afectam todas as esferas da vida económica, social e política dos países. Neste sentido, sublinhemos alguns factores que vêm contribuindo para a dinamização e formatação da “ nova diplomacia económica ”.

• A desintegração do sistema bipolar das relações internacionais com o fim da Guerra Fria reduziu a importância atribuída à segurança e em consequência à politica, dando relevo à diplomacia económica. Os países desenvolvidos foram transferindo as suas prioridades políticas para a esfera económica, procurando acomodar os seus interesses através dos mecanismos da diplomacia económica; os países em desenvolvimento, integrando-se nas instâncias de decisão internacional e envolvendo-se em processos de integração regionais, encaminham-se para um novo modelo de actividade diplomática a fim de melhor proteger os seus interesses no processo de globalização em curso.

• A desregulamentação e a liberalização do comércio e serviços e dos movimentos de capitais, com o consequente alargamento e intensificação do comércio mundial e dos fluxos internacionais de capital, constituem factos notáveis e uma tendência pesada da política económica internacional, tendo vindo a gerar uma crescente interdependência entre as diversas economias.

Simultaneamente, esta crescente interdependência económica e política entre mercados, Estados, governos, ONGs, etc. desenvolve-se num ambiente caracterizado por relações fragmentadas e crescente complexidade, cuja natureza frequentemente se exprime em fenómenos de concorrência mas igualmente de colaboração, captados pela nova economia na feérica expressão de “ coopetition ”, apelando frequentemente para formas de intervenção diplomática.

Sendo indiscutível a abrangência do processo referido como globalização, que não se esgota meramente na esfera económica, é essencial sublinhar que a sua natureza profunda radica na formação e funcionamento de mercados globais que avalizam, em última instância, tanto as estratégias empresariais como as acções da diplomacia económica (1). A globalização é a afirmação do primado do mercado na economia mundial, tanto em profundidade como em extensão, é o deslocamento do poder para o mercado com o consequente enfraquecimento da regulação política e dos Estados nacionais, é o reforço da esfera privada sobre a esfera pública, é, enfim o domínio da eficiência e do cálculo económico sobre os outros valores sociais e políticos. Numa palavra, é o primado da instância económica sobre as outras instâncias sociais e políticas.

• O novo quadro interpela a diplomacia económica que surge como uma espécie de substituto pobre da gestão global. Através dela procura-se introduzir alguma ordem no sistema comercial internacional, no sistema financeiro, no ambiente e mesmo nas tentativas tímidas de fazer face às desigualdades e à pobreza, tendo como consequência o alargamento da actividade diplomática a novas funções e actores.

Os Estados procuram tirar proveito das organizações supranacionais, designadamente das entidades reguladoras (WTO, ITU,...) com o objectivo de atrair investimentos directos de importância estratégica ou beneficiar as suas empresas em termos de investimentos, mercados, condições financeiras, fiscais e outras.

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As empresas, ao mesmo tempo que se situam cada vez mais a uma escala internacional, designadamente em matéria de mercados e inputs , esforçam-se, através de fusões, aquisições, joint ventures e outras formas de alianças, por influenciar tanto os Estados nacionais como as entidades reguladoras internacionais. As empresas, sobretudo as grandes, na medida em que se internacionalizam, desenvolvem crescente actividade diplomática ao conduzirem as suas acções em múltiplos países, sendo obrigadas a discutir com os governos locais e entidades regionais novas condições, novos investimentos, obrigações sociais, ambientais e mesmo éticas, para além, é claro, da criação de organizações empresariais internacionais com a missão de desenvolver o lobby empresarial através de funções diplomáticas.

A sociedade civil, através das ONGs mas também de sindicatos e outras organizações, tende a organizar-se igualmente no plano supranacional, intervindo aos diversos níveis, económico, direitos humanos, ambiental, legislação laboral, num plano claramente diplomático, procurando influenciar as decisões de governos nacionais e de estruturas de regulação.

Algumas regiões infranacionais, devido à existência de movimentos descentralizadores do poder “ através da aplicação do princípio da subsidiariedade ”, vão criando representações de tipo diplomático no exterior.

A proliferação de actividades diplomáticas por parte de alguns ministérios especializados (Economia, FMI, BM), Comunicações (ITU), Trabalho (OMT), Comércio (OMC), constitui outro elemento a ter em conta quando se analisa esta actividade.

• Outro facto novo que é indispensável sublinhar relaciona-se com o surgimento de países emergentes dotados de capacidades económicas consideráveis, crescente importância social e política, constituindo um novo e importante elemento deste movimento de globalização e contribuindo não apenas para reequacionar o statu quo da diplomacia económica em geral, mas também, compreendendo a necessidade de reformular a sua própria diplomacia agora que as suas economias assumem um novo patamar e perfil industrial, para formatar uma atitude agressiva nos mercados internacionais.

Com efeito, embora Rik Coolsaet possa estar correcto ao afirmar que o ambiente competitivo entre Estados e empresas é semelhante ao que se vivia no século XIX entre os Estados industriais da época, a chegada à concorrência internacional de novos países industrializados, que estão a alterar rapidamente as suas tradições e estrutura diplomáticas adaptando-as às novas condições da concorrência internacional, é portadora de novas consequências para além do simples efeito quantitativo, designadamente de reforço do papel e importância da diplomacia económica. Não é de estranhar, neste contexto, que a diplomacia económica se tenha transformado num ponto decisivo da agenda dos novos países industrializados e emergentes.

Assim, na falta de outros instrumentos de regulação, a diplomacia económica tende a constituir-se como uma actividade permanente de organização do “ laissez faire ” económico que se vem desenvolvendo com o processo de globalização incorporando novas funções e novos agentes e países à escala global.

 

O cálculo económico e as novas funções da diplomacia

Existe ainda uma outra força que, embora de forma indirecta, impulsiona o enriquecimento de conteúdo da função diplomática. Trata-se da afirmação do sector privado sobre o público, designadamente a nível ideológico e do primado da eficiência, levando à adopção pelos Estados da prática generalizada do cálculo económico em todas as suas áreas de intervenção. Neste sentido, os governos nacionais, ao mesmo tempo que precisam de atingir objectivos de bem-estar, acomodando as interacções entre a economia interna e internacional, encontram-se cada vez mais submetidos a pressões de “ accountability ” que evitem o défice democrático e a exposição à crítica da sociedade civil.

Com efeito, a despesa pública tende cada vez mais a ser pressionada no sentido da introdução da análise custo/benefício em todos os sectores. As políticas públicas, qualquer que seja o seu domínio, não podem subtrair-se à necessidade da aplicação do cálculo económico. Provavelmente, uma das mais importantes contribuições do paradigma liberal conservador nas duas últimas décadas relaciona-se com esta questão, com o desenvolvimento de uma nova exigência no sector público onde todas as actividades devem ser submetidas a uma análise de custo/benefício.

Neste sentido, a actividade e estrutura diplomáticas devem igualmente integrar-se neste movimento geral de avaliação, incorporando a análise económica em toda a sua acção. De resto, o possível esvaziamento de funções políticas devido ao desenvolvimento de estruturas regionais integradas e o acesso directo e rápido ao nível de consultas entre governos sem intervenção das estruturas diplomáticas tende a colocar estas perante uma de duas possibilidades. Ou se desenvolve um processo de downsizing das estruturas diplomáticas, tornando-as compatíveis com as suas funções em progressivo esvaziamento, o que pode em certos casos levar à inexistência de uma massa crítica de acções que justifiquem a sua manutenção em certos lugares, sendo a pura função de representação cada vez menos razão bastante para justificar custos elevados; ou se desenvolve um processo de enriquecimento das funções com a introdução de novas actividades, conotadas designadamente com a diplomacia económica, como parte integrante, ou mesmo fundamental, da projecção externa do Estado, rompendo decididamente com o posicionamento tradicional da corporação diplomática face à diplomacia económica.

Refira-se, de resto, que esta necessidade é mais premente em países como Portugal, por duas principais razões: a transferência de funções de soberania para a União Europeia e as profundas alterações intervenientes na posição de Portugal no mundo, que exigem a necessária compatibilização da sua representação externa com a sua real dimensão e a tomada em consideração de que muitas das funções diplomáticas, consultas e preparação de decisões se operam directamente entre governos, sem intervenção das estruturas diplomáticas.

Não é improvável que, designadamente no caso português, desta reavaliação resulte a consideração de uma sobrerrepresentação externa face às funções reais que hoje a política externa desempenha integrada no quadro da PESC, perdidas as colónias africanas e considerando a sua pequena dimensão. Não é portanto improvável que os custos da função e estrutura diplomática sejam hoje muito elevados, considerando a situação referida e o papel político que Portugal desempenha internacionalmente.

 

Conclusão

O conteúdo económico da diplomacia vem sendo ampliado por força do movimento de globalização, assumpção de protagonismo industrial e político dos países emergentes e por pressão da integração do cálculo económico em toda a vida pública, interpelando decididamente as estruturas diplomáticas a uma adaptação dinâmica que passa necessariamente pelo enriquecimento de funções e alargamento de objectivos.

A tendência para sublinhar a crescente importância da diplomacia económica traz consigo a tentação de lhe alargar excessivamente o âmbito. A diplomacia económica deve ser encarada como instrumental, podendo apresentar-se servindo um ou mais objectivos, sejam de política geral ou de política económica externa. Mas ela pouco poderá fazer sem a existência de uma estrutura produtiva dinâmica e competitiva capaz de a colocar em permanência face a novos objectivos e tarefas.

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Informação Complementar

A DIPLOMACIA ECONÓMICA: ALGUNS ASPECTOS CONCEPTUAIS

Não existe uma definição precisa e única de diplomacia económica, dependendo desde logo da própria abrangência do conceito de diplomacia que lhe serve de base.

Provavelmente, o essencial do debate a este propósito tenderá a situar-se entre uma posição de tipo tradicional, representada, por exemplo, por Barston, R.P, (1977), para quem “ A diplomacia relaciona-se com a gestão das relações entre Estados e entre Estados e outros actores ”, mantendo a actividade diplomática na esfera pública, e uma concepção mais inovadora, defendida por Raymond Saner e Lichia Yiu (2004), que estendem esta actividade à esfera privada, de modo a incluir “ novos actores ”, designadamente empresas transnacionais e ONGs, como sujeitos do processo diplomático.

Embora tenhamos em grande consideração a análise desenvolvida por Raymond Saner e Lichia Yiu, limitaremos a reflexão actual à acção diplomática pública.

Por outro lado, tal como não existe uma definição precisa e única de diplomacia económica, também não existe uma teoria da Diplomacia Económica.

Preocupados exclusivamente com a vertente negociação , Nicholas Bayne e Stephen Woolcock (2003) sublinham a incapacidade de a diplomacia económica predizer resultados numa dada negociação internacional, o que os leva a substituir este tipo de abordagem em benefício da construção de um instrumento analítico que identifique o “ complex factor ” mais decisivo num significativo número de casos estudados.

Parece-nos, todavia, que o caminho mais positivo será o de conciliar as duas perspectivas. Sempre que seja possível tratar um problema na primeira perspectiva referida, mesmo que à custa de hipóteses razoavelmente simplificadoras, deve fazer-se. As tentativas de formalizar processos de resolução de conflitos, como em Clara Ponsatí (2004), ou as análises de integração regional como prevenção dos mesmos, como as levadas a cabo por Maurice Schiff e L. Alan Winters (1997), são vias interessantes de trabalho que não devem de modo algum ser subestimadas, mesmo se são conduzidas em ambiente altamente condicionado por hipóteses simplificadoras e longe do “ real world ”. Naturalmente, sempre que tal não seja possível ou a fim de integrar várias análises parciais, deve tentar-se a segunda via de trabalho, proposta pelos autores referidos.

Em qualquer caso, deve ser abandonada a pretensão, que transparece na análise de muitos autores contemporâneos, provenientes sobretudo das ciências políticas, de desenvolver os estudos da diplomacia económica como disciplina autónoma. Não nos parece que possa desenhar-se uma base científica para alimentar uma tal pretensão. A diplomacia económica deve ocupar o lugar que lhe é próprio, como instrumento de uma politica económica externa e nada mais.

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1 Como observa (P. J. Lloyd, 11) “ The markets of all of countries we trade with are linked by trade in an increasingly integrated single global market ”.

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* Manuel Farto

Licenciado em Economia pelo ISEG. Doutorado em Economia pela Universidade de Paris-X. Docente no ISEG. Docente visitante da Universidade de Orléans (França) e da Universidade Federal da Paraíba (Brasil). Subdirector do Observatório de Relações Exteriores da UAL.

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