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Marca Portugal: uma estratégia para a competitividade

Rui Azevedo de Avelar *

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Na qualidade de consumidores, todos nós estamos familiarizados com as inúmeras marcas dos produtos da nossa preferência. A gestão profissional das marcas, seja dos simples produtos de consumo de massas ou da oferta global de um país, de acordo com as prescrições do marketing , são instrumentos indispensáveis da competitividade económica, tal como o caso da Marca Portugal o pode demonstrar.

 

As marcas comerciais

As marcas são omnipresentes na vida corrente de qualquer consumidor num país medianamente desenvolvido. De facto, é assim desde muito antes de a grande cadeia de retalho americana Procter & Gamble ter começado em 1931 a gerir a sua gama de produtos, já então muito diversificada, com um sistema organizado por marcas, cuja filosofia foi precursora para as concepções do marketing actual.

Arrumada portanto desde há muito no P da Promoção, do clássico modelo de marketing dos 4 P de Kotler, no entanto, desde os anos 90, no ambiente de intensa competição darwiniana das economias dos nossos dias, o problema da gestão das marcas reveste-se de acuidade acrescida para o sucesso das empresas, dos negócios e mesmo dos países.

Cada marca (em inglês Brand) constitui, para o negócio do respectivo produto, um activo cujo valor tem que ser desenvolvido com investimentos criteriosos, nomeadamente em comunicação (publicidade, etc.), e sujeito a avaliação rigorosa: trata-se daquilo que em inglês se designa por Brand Equity . Em cada empresa, o objectivo final da gestão das marcas e da estratégia de criação e desenvolvimento das marcas – o Branding – é assim o aumento do valor da Brand Equity .

Numa concepção tradicional, muito restritiva, a marca seria apenas algo que se adicionava ao produto para justificar um preço mais alto. A concepção relevante para as finalidades do marketing é mais holística, até se inverter, na prática, a relação entre o produto e a sua marca: “A marca é o produto”.

A marca sintetiza os atributos ou benefícios do produto que influenciam a sua aquisição, diferenciando-o dos produtos concorrentes e aumentando o seu valor no mercado.

De notar que o valor da marca reside na mente do consumidor: depende do seu reconhecimento (“share of mind”) e da sua estima (opinião favorável). A gestão da marca visa assim actualizar na prática e em função das circunstâncias específicas de cada produto, aquilo que podemos descrever como os objectivos gerais da estratégia de branding:
• identificação do produto;
• sinalização de um nível de qualidade e de atributos simbólicos;
• protecção legal contra a imitação de características únicas (uma função histórica originária na criação das marcas comerciais, cuja relevância não pode aliás deixar de continuar a ser reconhecida).

O sucesso de uma marca, em termos em essência análogos aos da avaliação de qualquer outro activo indispensável a um dado sistema de negócio, pode ser aferido pela valorização da Brand Equity , o valor capitalizado no mercado quanto às despesas com a criação e desenvolvimento dessa marca.

O valor da Brand Equity pode ser estimado na prática por meio de metodologias empíricas e os resultados finais são traduzidos em classificações que se encontram regularmente na imprensa de negócios, como a das marcas globais que a Business Week começou a publicar em Agosto de 2001. Nesse ano, a marca mais valiosa do mundo, então com 68.9 mil milhões de dólares, era, como ainda o continuará a ser hoje, a Coca-Cola.

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As marcas-país

As classificações de competitividade dos países, como a classificação anual do World Economic Forum, têm para as economias nacionais um papel semelhante ao das classificações do valor das marcas, traduzindo o sucesso do todo de uma economia no quadro da competição com as economias dos outros países nos mercados internacionais.

É todavia discutível se os conceitos do marketing, como os que apresentámos quanto à gestão das marcas de produtos de grande consumo e às estratégias de branding, podem ser transpostos com propriedade técnica, para aplicação ao campo da condução da política económica dos países. Não obstante a bibliografia da disciplina sobre estas matérias, a começar pelos compêndios do clássico Philip Kotler, muitos economistas, como Paul Krugman, respondem que não.

Mas sejam quais forem as objecções académicas, a verdade é que não podemos deixar de reconhecer a relevância prática destas questões, por razões como as seguintes:
• de forma deliberada ou não, um país acaba sempre por ter uma imagem junto dos seus parceiros comerciais ou económicos, muitas vezes distorcida em relação à realidade ou àquilo que os governos definem como os objectivos da sua política económica;
• estudos de mercado revelam como uma imagem nacional deficiente do país de origem pode prejudicar as exportações desse país, em especial quando o país não é reconhecido por uma tradição histórica industrial e não obstante a qualidade objectiva dos seus produtos, face aos que são originários de outros países com uma imagem genérica superior;
• muitos governos conduzem de facto políticas proactivas de imagem dos seus países, com objectivos explícitos de reforço da sua competitividade nos mercados externos e aliás com uma autêntica filosofia de marketing.

Sirva de exemplo a campanha de rebranding do Reino Unido, lançada pelo novo governo de Tony Blair em 1997, para culminar com as comemorações do novo milénio.

Os recursos, por assim dizer naturais, em termos de um património mediático construído ao longo do tempo, nos quais se fundamenta a imagem que cada país projecta no exterior, podem ser classificados nas seguintes grandes categorias de factores de mediatização internacional ou mesmo universal, que se transformam em ícones omnipresentes num mundo de comunicações cada vez mais extensas e intensas:

a) Herança de património histórico e cultural:
• Monumentos que são atracções turísticas por si próprios e que se convertem em símbolos nacionais, como as pirâmides do Egipto ou em especial as torres como a Torre Eiffel, a torre inclinada de Pisa, o Big Ben ou até as torres do 9-11 em Nova Iorque.
• Personagens míticas como Ulisses, Robin Hood ou Dom Quixote.
b) Celebridades contemporâneas, da cultura, do desporto ou do espectáculo (Picasso ou Dali, Beckham ou “Schumi”, os Beatles ou as estrelas de cinema).
c) Eventos periódicos ou excepcionais, culturais (Expos ou os festivais musicais de Salzburgo, Bayreuth ou Florença), desportivos (Jogos Olímpicos e America Cup, ou Wimbledon, Augusta ou Mónaco), ou até mesmo originalmente apenas comerciais (como as semanas semestrais de moda em Paris, Milão, Londres ou Nova Iorque).
d) Marcas de produtos comerciais.

Quanto a esta última categoria de recursos, é de sublinhar antes do mais que há naturalmente uma relação virtuosa entre as boas marcas comerciais e a imagem do seu país de origem. Discutir o nexo da eventual causalidade entre os dois é aliás um problema do tipo “a galinha ou o ovo”. Atente-se no entanto no exemplo de duas grandes potências industriais, como são a Alemanha e o Japão:

• que efeito não teve na imagem da Alemanha como um dos melhores produtores de automóveis do mundo, o contraste dos actuais BMW com os antigos DKW;
• a Sony é uma bandeira do Japão como líder da electrónica de consumo, mas recordemo-nos da imagem dos primeiros transístores exportados por esse país (aliás com o mérito de ter inovado no mercado com os frutos de uma invenção técnica originária dos EUA).

Também vale a pena analisar o caso de um dos nossos concorrentes mais próximos, a Espanha, onde encontramos, além de outros já referidos acima, muitos recursos fortes em todas as categorias fundamentais para a construção de uma imagem bem diferenciada:

a) uma herança muito rica de património histórico e cultural, sejam monumentos (cidades inteiras como Salamanca, Sevilha ou Córdoba) ou criações em todos os domínios (Cervantes, Velásquez ou Falla), para além de uma das principais línguas actuais de cultura em vários continentes;
b) celebridades, em especial dos espectáculos (Júlio Iglésias ou Almodôvar) e dos desportos, a última das quais Fernando Alonso.
c) eventos como a Semana Santa e a Feira de Abril em Sevilha ou os Encerros de Pamplona.
d) até mesmo uma marca entre as primeiras do mundo, como a Zara.

“A Espanha é diferente”: esta afirmação – com grandes credenciais históricas, veja-se o caso dos românticos europeus do século XIX, a sua paixão por Cármen, etc. – serviu de assinatura para uma das primeiras grandes campanhas de imagem que a Espanha começou a realizar nos anos 80, para consolidar a sua competitividade como um dos principais destinos de turismo no mundo. O êxito deste sector constituiria por si só factor de afirmação mediática desse país e suscitaria o benchmarking de um possível concorrente como Portugal.

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Informação Complementar

O CASO DA MARCA PORTUGAL

Em 1992 foi adoptado oficialmente um novo sistema de identidade gráfica e conceptual para a promoção da oferta de Portugal no sector do Turismo, com base num símbolo visual da autoria do pintor José de Guimarães. Com essa decisão das autoridades centrais da administração pública portuguesa, inaugurava-se uma nova era de desenvolvimento de uma verdadeira marca-país para Portugal, dada a crescente importância económica de um dos sectores empresariais de maior potencial competitivo e cada vez com maior peso nas transacções internacionais, sendo aliás, pela natureza própria das suas actividades, um sector marcante para a projecção de uma imagem nacional no exterior.

Para trás ficava o Portugal tradicionalista do “Galo de Barcelos”, da tristeza, do fado e da saudade, “um país onde o negro era côr”, como então era usual apreender a sua caracterização de identidade diferenciadora.

A partir daquela data, podemos descrever retrospectivamente o processo de desenvolvimento da Marca Portugal em três grandes fases.

De 1992 a 1998, na esteira do que a Espanha, o nosso vizinho e um dos nossos maiores concorrentes directos no Turismo, vinha fazendo com base no seu símbolo criado por Joan Miró, a promoção internacional da oferta portuguesa passou a ser feita com uma estratégia de comunicação sistematizada e referenciada de forma consistente por meio da nova imagem de marca diferenciadora: tratou-se daquilo a que, no jargão da disciplina, podemos designar como o Branding do Turismo de Portugal.

Nesse período, um dos instrumentos mais poderosos de execução da estratégia foram as campanhas de publicidade sectorial «Portugal: The Thrill of Discovery», dirigidas a todos os principais mercados-alvo, emissores de turistas para o nosso país, com o objectivo de reposicionar uma oferta nacional não tão bem conhecida e valorizada como o merecia ser, pela sua diversidade e qualidade.

Numa segunda fase, de 1999 a 2004, foi ponderado capitalizar os resultados conseguidos no sector do Turismo, em benefício de outros sectores exportadores ou da economia nacional como um todo. De facto, a promoção internacional do Turismo de Portugal já era reconhecida pelos especialistas como um caso de sucesso de estratégia de Branding em termos de marca-país.

Nesta fase, ao procurar-se envolver múltiplos sectores da economia, não podia no entanto deixar de emergir com a maior acuidade o problema de encontrar uma definição consensual - para todos os intervenientes e interessados, públicos ou privados - da identidade nacional de que a marca-país constitua a adequada projecção exterior. Resolver o problema da definição da identidade à escala de um país, de forma pragmática, mesmo sem querer penetrar as especulações filosóficas de Antero do Quental, de Teixeira de Pascoaes ou de Fernando Pessoa, será bem mais complexo do que quando se trata apenas de um produto ou da identidade corporativa de uma empresa.

Uma marca-país tem que corresponder a uma identidade nacional concreta, mas difícil de compreender, que não poderá ser manipulada de forma arbitrária e que, isso sim, invoca todo um passado histórico e cultural, bem como uma visão para o seu desenvolvimento desejado no futuro. O facto de Portugal ser um país relativamente pouco conhecido, pode ser encarado como uma vantagem para estes fins, mas as dificuldades e os custos de construção de uma imagem diferenciadora positiva nos mercados internacionais não podem ser ignorados. Pensemos, por exemplo, quanto nos custa diferenciar a Letónia da Lituânia, ou a Sérvia da Croácia. Ou como beneficiam de imagens nítidas e diferenciadoras países como a Espanha, como vimos na secção 2.

Como em relação à construção da marca de um produto, em termos mais analíticos, o problema consiste em identificar os componentes da identidade, nas três categorias seguintes:
• valores: um núcleo essencial de valores permanentes, o “código genético” do produto, susceptíveis de constituirem as motivações imutáveis e substantivas para a transacção;
• estilo: atributos da personalidade interior do “produto / país”, congruentes com a auto-imagem dos interessados na transacção;
• temas de comunicação: atributos exteriores, que transmitem os objectivos de posicionamento perante os concorrentes.

Como no caso de um país os objectivos finais do Branding também são económicos, aqueles componentes da identidade subjacente à marca têm que transmitir vantagens propriamente económicas, naquelas mesmas três categorias (por ordem inversa):
• atributos de imagem intangíveis, relacionados com a qualidade da publicidade, a reputação, a credibilidade, etc;
• atributos de mercado tangíveis, como sejam a oferta laboral, as infraestruturas educativas, tecnológicas e de comunicações, o clima de negócios, a qualidade de vida, etc;
• valores económicos fundamentais, designadamente os custos empresariais e os incentivos oferecidos.

Se nesta fase não foi possível encontrar uma solução definitiva no quadro restrito de uma estratégia de Branding , assinale-se a importância que passou a ser dada ao conceito de Diplomacia Económica, para tentar reforçar a projecção de Portugal no mundo da economia globalizada em todas as modalidades institucionais de responsabilidade pública, nomeadamente pela conjunção de esforços de áreas e estruturas diversas do Estado, como sejam as da tutela dos Ministérios da Economia e dos Negócios Estrangeiros.

No âmbito mais restrito da promoção comercial, foi ainda nesta fase que se iniciou um programa para a certificação de marcas de empresas exportadoras, com objectivos promocionais, para além dos meros objectivos de protecção legal da alçada do Instituto Nacional da Propriedade Industrial.

Entretanto, a promoção sectorial do Turismo prosseguiu a consolidação da marca, tanto em termos internacionais, como aliás nacionais, o que veio a ser complementado com a projecção excepcional de eventos de grande potencial mediático, com o auge do Euro 2oo4.

A promoção no mercado interno resulta da necessidade de coerência entre a imagem que os nacionais têm do seu próprio país e a que pretendem que projectar no estrangeiro. Face ao ranking de competitividade do World Economic Forum publicado em 2005, foi comentado que a avaliação externa de Portugal era mais favorável que a auto-avaliação dos portugueses.

Chegámos assim ao início da terceira e última fase do processo de desenvolvimento da Marca Portugal, quando em Setembro de 2005, foi decidido oficialmente adoptar a imagem do Turismo para marca única de todos os sectores económicos do país.

Esta fase, com todas as suas implicações no campo das estratégias e dos programas de acção, está em curso e afigura-se como o epílogo lógico, porventura finalmente bem sucedido, de um processo complexo no contexto da evolução da economia portuguesa e de um dos sectores de actividade cruciais para o seu futuro.

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Nota: Existe uma vasta bibliografia sobre o assunto. Para uma primeira abordagem consulte-se: CLIFTON, Rita; SIMMONS, John – O Mundo das Marcas . Actual Editora, 2005. Ou visite o sítio na internet disponível no endereço http://www.brandchannel.com

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* Rui Azevedo de Avelar

Licenciado em Finanças (ISEG-Económicas). MBA na Universidade Nova de Lisboa. Director do ICEP. Foi Director de Marketing do ICEP, responsável pela realização das primeiras campanhas institucionais do Turismo de Portugal, tanto nos mercados externos como nos internos, nos anos 90.

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