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Janus 2006



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A negociação internacional nas multilaterais financeiras

José Moreno *

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Na sua missão de combater a pobreza e promover o crescimento económico e o desenvolvimento sustentável, os Bancos Multilaterais de Desenvolvimento (BMD) realizam operações em todos os continentes e em todos os países em desenvolvimento e em transição. Actuam em todos os sectores de actividade, com especial ênfase nos sectores sociais (educação e saúde), na agricultura e desenvolvimento rural, na governação e infra-estruturas (água e transportes). Desempenham um papel de primeira linha na formulação de teorias, políticas e estratégias relacionadas com as grandes temáticas da agenda do desenvolvimento: alívio da dívida, eficácia da ajuda, modalidades de financiamento, promoção do sector privado, entre outras. Partilham um vasto conhecimento a partir da produção de milhares de documentos (relatórios, estudos, outlooks , etc.) sobre o sector financeiro, governação, desenvolvimentos macroeconómicos, clima de investimentos e muitos outros assuntos. Privilegiam a aplicação de princípios estruturantes dos esforços da comunidade internacional para imprimir mais eficácia na ajuda, como os da apropriação, do alinhamento, da harmonização e da gestão para os resultados. Finalmente, utilizam um conjunto muito diversificado de instrumentos financeiros (empréstimos, doações, garantias) e não financeiros (serviços de assistência técnica e assessoria) envolvendo enormes quantidades de recursos: 35 a 40 mil milhões de dólares americanos, por ano, só em empréstimos e doações, entre 2002 e 2004, dos quais cerca de metade à responsabilidade do Banco Mundial.

A actividade destas instituições financeiras traduz-se em avultados investimentos que causam importantes impactos no desenvolvimento dos países beneficiários. Mas não só nestes. Os países doadores retiram também vantagens directas dos recursos dos BMD, por via dos contratos que as empresas fornecedoras de bens e serviços ganham no âmbito de programas e projectos lançados a concurso pelos países beneficiários ( procurement ). O valor global destes contratos atingiu, em 2004, cerca de 12 mil milhões de dólares, dos quais mais de metade corresponde a financiamentos do Banco Mundial. A parcela maior deste montante dirige-se obviamente para empresas e consultores dos países doadores, dada a sua maior vantagem competitiva neste mercado mundial.

Os países doadores, ao participarem, enquanto membros accionistas, na actividade destes bancos, actuam em palcos internacionais onde é permanente a simbiose de objectivos de natureza política (solidariedade, visibilidade, influência, segurança, etc.) com objectivos de natureza económica (internacionalização de empresas, aumento de exportações, alargamento de mercados).

Por outro lado, convém não esquecer que essa participação é uma forma de os doadores aumentarem os fluxos destinados à Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD), contribuindo para se aproximarem de compromissos internacionalmente assumidos. De acordo com a OCDE, as contribuições multilaterais globais, em 2003, corresponderam a mais de 40% do total da APD de sete países (entre os quais se encontra Portugal). É pertinente não esquecer também que as oportunidades de negócios proporcionadas pelos contratos de financiamento estabelecidos pelos BMD com os países beneficiários permitem aos doadores alcançar parte substancial do almejado retorno dos fundos orçamentais afectos à APD.

 

Contextos e níveis de negociação

Os países doadores têm pois “boas razões” para procurarem influenciar as decisões nestas instituições financeiras, recorrendo a estratégias, técnicas e tácticas de negociação, tendo em vista a prossecução dos seus objectivos e prioridades.

Vejamos, em primeiro lugar, os contextos e níveis de decisão e/ou de poder característicos destas instituições, que se apresentam como mais relevantes para a negociação.

Reuniões de Reconstituição de Recursos (RRR) – A definição das políticas de desenvolvimento dos BMD's para um período determinado, ocorre fundamentalmente nas RRR dos fundos concessionais. Nestas reuniões, os doadores estabelecem linhas de orientação sobre políticas, estratégias e prioridades operacionais, sobre termos de financiamento e elegibilidade de países, bem como sobre sistemas de alocação e afectação de recursos. É nestas RRR que se decide, por exemplo, se os sectores da agricultura e da educação devem ter prioridade sobre os da saúde ou da governação; se na educação devem ser privilegiados os programas relacionados com o ensino primário ou com a formação vocacional e profissional; se na alocação de recursos as maiores ponderações devem ser atribuídas ao valor do PNB, ao factor governação, a índices de desempenho na aplicação de recursos ou à capacidade creditícia do país.

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Conselhos de Administração (CA) – A responsabilidade pela condução das operações gerais dos bancos compete aos CA. Estes órgãos analisam as propostas de empréstimos, doações e garantias e tomam decisões sobre as mesmas. Embora o foco da sua actividade incida nas políticas operativas, desempenham também um papel muito importante na formulação de estratégias e políticas mais gerais das instituições. A actividade do CA é largamente apoiada no trabalho preparatório desenvolvido nos Grupos de Voto ( constituencies ). Os Administradores realizam visitas periódicas aos países beneficiários, com o objectivo de examinarem a evolução dos projectos de assistência, estabelecendo para o efeito contactos com representantes de organizações governamentais e da sociedade civil.

Comités Permanentes (CP) – Estes órgãos têm por missão analisar em profundidade as políticas e as práticas das respectivas instituições e submeter esses estudos à consideração dos CA. Particularmente importantes são (i) os Comités de Política e Avaliação, que elaboram recomendações sobre políticas, estratégias, operações e instrumentos de implementação; (ii) os Comités de Programação, que analisam e dão pareceres sobre o desenvolvimento das operações e sobre o pipeline de projectos de assistência financeira e não-financeira, em países e regiões; (iii) os Comités de Pessoal ou de Recursos Humanos, que elaboram recomendações sobre a organização e a estrutura dos bancos, bem como sobre políticas de recrutamento de pessoal.

Escritórios Locais (EL) – Trata-se de estruturas que desempenham um papel decisivo de apoio aos países beneficiários e às agências implementadoras, na gestão, monitorização e supervisão dos projectos. Correspondem ao “rosto” dos bancos no diálogo com as autoridades nacionais, tendo em vista uma melhor compreensão das realidades e necessidades locais e a adequação dos portfólios de projectos a mudanças nas condições macroeconómicas dos países. Em algumas instituições, estes escritórios têm um peso considerável na estrutura e no desenvolvimento das operações. No caso do BM, três quartos dos empréstimos são geridos pelos “directores de país” e 30% do seu pessoal está localizado neste tipo de escritórios.

Todos os órgãos e estruturas atrás referenciados, considerados nos respectivos níveis organizacionais de decisão, são de primordial importância nos processos de negociação. O trabalho que desenvolvem a nível global, de região ou de país cruza-se, inevitavelmente, de forma directa ou indirecta, com a actividade dos doadores, pelo que estes procuram que desse encontro resultem complementaridades e sinergias políticas e/ou económicas com os seus próprios objectivos, prioridades e interesses.

 

Factores condicionantes da negociação

Podem identificar-se múltiplos factores facilitadores ou obstaculizadores dos processos negociais nos BMD. Evidências empíricas parecem demonstrar que existe uma forte relação directa entre capacidade negocial dos países e factores, como (i) o planeamento e a preparação da participação do país nos BMD, designadamente a clarificação estratégica de objectivos e prioridades; (ii) a adequação do dispositivo organizativo montado, bem como do modelo de concertação dos agentes públicos e privados envolvidos; (iii) o poder de voto do país na instituição; finalmente, (iv) a presença, em número e qualidade, de quadros nacionais nas estruturas da instituição.

Por razões metodológicas, iremos falar um pouco mais dos dois últimos factores enunciados.

Poder de voto – Este poder está relacionado com a quantidade de capital que cada país subscreve. Essa quantidade traduz-se num determinado número de acções a que corresponde aproximadamente o mesmo número de votos. O poder de voto é fundamental para avaliar o “peso” de cada país na instituição e a capacidade que à partida terá para persuadir a direcção do banco, o management, o staff ou os outros países membros a acolher os seus pontos de vista. Da análise do ranking dos doadores com os cinco maiores poderes de voto nos BMD, facilmente se conclui da maior capacidade que os países do G8 evidenciam. A intromissão nessa lista da Espanha, no que se refere ao BID e ao BERD e da Austrália, no que se refere ao BAsD, é esclarecedora dos interesses estratégicos específicos que também estes países têm nessas regiões do globo.

A análise do ranking dos poderes de voto dos países desenvolvidos membros dos BMD, em 2004, revela que Portugal ocupa as seguintes posições: 19 a , em 22, no BM; 17 a , em 17, no BAfD; 15 a , em 17, no BID; 19 a , em 22, no BERD. Só no caso do BAsD, fruto de circunstâncias do recente processo de adesão, Portugal ocupa uma posição superior: 11 a , em 20.

Colocação de quadros – De acordo com os Relatórios Anuais de 2004, trabalham nos BMD cerca de 17 mil profissionais (10 mil dos quais no BM).

Nas estruturas de nível estratégico trabalham altos quadros cujo processo de colocação deriva, na prática, de uma nomeação. Trata-se de Administradores, Vice-Presidentes, Conselheiros ou Assistentes que, não obstante terem um vínculo contratual com a instituição, em alguma medida dependem politica e institucionalmente das respectivas “capitais”.

Nas estruturas intermédias e operacionais (departamentos, unidades, escritórios locais), a colocação obedece a um processo de selecção e recrutamento conduzido pelo próprio banco. Todos os anos, os BMD anunciam centenas de vagas para determinadas posições, a que concorrem dezenas de milhares de candidatos em todo o mundo. Em tese, são recrutados os melhores, de acordo com os critérios anunciados. Na prática, por vezes, é mais forte a necessidade de garantir certos equilíbrios (regionais, de país, de género, etc.) ou satisfazer as pretensões de lóbis de países.

Os doadores que mais sucesso obtêm nesta actividade são os que definem uma política de colocação de quadros no plano internacional; que montam uma rede de lóbi institucional dirigida para esse fim; que constituem uma bolsa de contactos e recursos, envolvendo não só candidatos de qualidade motivados por uma carreira em instituições financeiras internacionais, mas também departamentos e gabinetes de recursos humanos ou de saídas profissionais de instituições públicas e privadas.

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Informação Complementar

RESULTADOS DA PARTICIPAÇÃO DE PORTUGAL NOS BMD

O processo de adesão de Portugal aos principais BMD teve o seu início em 1960, com o BM (na altura como país beneficiário). Prosseguiu com o BID, em 1980; com o BAfD, em 1983; com o BERD, em 1991, tendo culminado com o BAsD, em 2002. A gestão das participações nestas instituições é assegurada pelo Ministério das Finanças, através da Direcção Geral dos Assuntos Europeus e Relações Internacionais , no quadro mais vasto dos princípios, objectivos e prioridades da política externa portuguesa.

Na qualidade de membro accionista, Portugal desembolsa todos os anos contribuições para os BMD e respectivos fundos concessionais. Entre 2000 e 2004, esses desembolsos totalizaram 113 milhões de euros, com o valor mais elevado (37 milhões) a verificar-se no ano da adesão ao Banco Asiático.

Uma interrogação que se coloca é a de saber em que medida Portugal beneficia, do ponto de vista político e económico, com a sua participação no sistema multilateral mundial, no qual se incluem, além dos BMD, as agências das Nações Unidas e o Fundo Europeu de Desenvolvimento. Trata-se de uma avaliação complexa, visto que muitos resultados não são facilmente mensuráveis.

Como contributo para essa análise no referente aos BMD, apresentam-se dois indicadores de resultados: (i) rácio do retorno para a economia portuguesa (valor dos contratos ganhos por empresas portuguesas/desembolsos) e (ii) número de quadros portugueses colocados nas referidas instituições.

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* José Moreno

Subdirector Geral dos Assuntos Europeus e Relações Internacionais , do Ministério das Finanças.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Contextos e níveis de negociação em BMD's

Link em nova janela Ranking dos países doadores com maior poder de voto, em 2004

Link em nova janela Rácios de reorno da participação de Portugal nos BMD

Link em nova janela Quadros portugueses nos BMD, em 2004

Link em nova janela Empréstimos e doações dos BMD, entre 2002 e 2004 (milhões USD)

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