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Janus 2006



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Nova diplomacia: paradigma, actores, espaços

Luís Moita *

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Por analogia com a expressão consagrada de “revolução nos assuntos militares” (o impacto das inovações tecnológicas na maneira de conceber e fazer a guerra), alguns analistas têm falado de “revolução nos assuntos diplomáticos”. Não é fácil saber se esta revolução está em curso ou se apenas corresponde a uma prevista e desejável mudança. Seja como for, começamos a afastar-nos do que, no texto anterior, designámos por “diplomacia clássica” e são visíveis diversas tendências no sentido da sua superação, tal como atrás apontámos.

Antes de mais, que sentido exacto damos ao termo “diplomacia”? Será ele sinónimo de política externa? Em boa verdade, não existe essa equivalência. A política externa é o conjunto de opções de um país no que toca à sua colocação no mundo e às suas relações com os outros países, enquanto a diplomacia é uma actividade através da qual se aplica a política externa. A diplomacia é instrumental face à política externa. Designamos então “diplomacia” aquele conjunto de pessoas, de instituições e de práticas pelas quais se materializam as escolhas no domínio das relações internacionais, incluindo portanto o corpo de diplomatas, as delegações em países estrangeiros e em organizações intergovernamentais, e a rede de embaixadas, consulados e outros organismos de representação do Estado no exterior.

Poderá falar-se de “nova diplomacia”?

É provável que sim. Mesmo que a realidade actual ainda esteja prisioneira do peso da diplomacia tradicional, as políticas externas e as representações exteriores dos países têm de enfrentar uma evolução acelerada das transições internacionais, a caminho de uma “nova diplomacia”. Porquê nova? Porque se está a passar para um novo paradigma, porque surgiram novos actores, porque os processos estão enraizados em novos espaços, porque há uma nova agenda na vida internacional e porque se impõem novos métodos de intervenção. Vale a pena analisarmos, ponto a ponto, esta sequência de novidades.

 

Novo paradigma

Antes de mais, um novo paradigma. Por um lado, os governos perderam o tradicional monopólio da acção política externa, deixaram de ser os únicos actores em presença e as relações internacionais estão longe de se esgotar no domínio do interestatal. Justamente, tanto ou mais importante do que a dimensão interestal, surge a dimensão transnacional, ou seja, o conjunto de processos de interacção entre as sociedades nas suas diversas facetas. Por outro lado, a cena internacional deixou de poder ser considerada como um palco centrado no choque de interesses entre Estados soberanos, para se tornar, obrigatoriamente, um espaço de cooperação e mesmo de soberanias partilhadas. Se os antagonismos persistem, a colaboração sobrepõe-se, por vezes a própria integração faz o seu caminho. Isto é particularmente verdade no caso europeu, onde o tradicional antagonismo das potências, causa prolongada de guerras, parece agora suplantado pelas dinâmicas de negociação e de concertação. Em consequência, a diplomacia deixa de ser apenas a gestão cautelosa e negociada dos conflitos, para se tornar também o lugar da convergência de interesses e o instrumento do diálogo cooperativo.

A evolução impõe assim uma nova cultura diplomática, já distante da visão “realista” da anarquia internacional, da incompatibilidade dos interesses nacionais e da hostilidade de todos contra todos. As estratégias de competição são desvalorizadas a favor das condutas cooperativas, na base da estratégia de negociação visando o benefício mútuo.

Uma outra dimensão crucial do novo paradigma da política internacional é a emergência da globalidade, ou seja, a percepção de que, crescentemente, muitas das questões políticas já não têm solução à escala do Estado-Nação, mas são problemas de natureza literalmente global, dizendo respeito à humanidade no seu conjunto e à totalidade do ecossistema que é o planeta Terra. A mundialização dos processos obriga à mundialização das maneiras de pensar e de agir, o que aponta, também aqui, para uma nova cultura.

Esta nova cultura diplomática será o pano de fundo em que se movimentam os outros elementos de novidade: novos actores, novos espaços, nova agenda, novos métodos, novos desafios. Vejamos por partes.

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Novos actores

Demos por adquirido que, em contraste com a diplomacia clássica, o relacionamento bilateral perdeu o anterior monopólio e vem hoje a par da diplomacia multilateral. As políticas externas têm um importante campo de intervenção que é o das plataformas internacionais, a começar pelo vasto e multiforme sistema das Nações Unidas, até essa numerosa constelação de espaços em que são tomadas decisões que respeitam ao futuro colectivo, da OMC ao G8, de Davos a Porto Alegre. A viragem do bilateral ao multilateral obriga a uma reconversão das concepções e das práticas diplomáticas.

Se anteriormente o ministro dos Negócios Estrangeiros ocupava praticamente sozinho o papel de comandar a representação externa do Estado, ele hoje tem a seu lado nessas funções diversos outros ministros (Defesa, Ambiente, Finanças...), bem como outros órgãos do Estado, com relevo crescente para os parlamentos. Com razão alguns falam de diplomacia parlamentar, significando a prática de envolvimento dos parlamentos nacionais nas relações exteriores, seja pelo controlo democrático das decisões em política externa, seja pela participação em assembleias parlamentares multilaterais, seja ainda pelas missões de deputados ao estrangeiro.

Além dos órgãos do Estado, muitos outros actores não estatais intervêm na actualidade como agentes de pleno direito das relações internacionais. São frequentes as análises em que se identificam esses novos sujeitos das políticas externas, tais como as firmas multinacionais, os grupos de comunicação mediática, as comunidades religiosas, o movimento associativo, as organizações não governamentais, enfim, um sem número de entidades da sociedade civil. Empresários, artistas, religiosos, jornalistas, atletas, cientistas, agentes humanitários... são de algum modo embaixadores ao serviço da projecção dos países para o exterior, modelam a imagem externa das sociedades e lideram causas transnacionais.

Tornou-se banal sublinhar o papel determinante dos agentes económicos, designadamente no domínio financeiro, como sejam as sociedades de investimento, os fundos de pensões, os operadores no mercado de câmbios, os gestores de fundos especulativos. Mas ao lado desses figuram outros actores que tendem a desempenhar papel crescente. Basta referir dois casos: o das sociedades de advogados e os think-tanks . As primeiras têm vindo a aumentar a sua influência pela função que exercem na elaboração dos contratos internacionais, nos acordos relativos aos grandes negócios e no correspondente factor de regulamentação da rede de interesses que se conjugam além fronteiras. Os think-tanks , pelo seu lado, têm um pendor mais académico, são por vezes ligados a poderosas fundações e têm adquirido peso crescente na concepção e mesmo na execução das políticas externas. O caso dos neoconservadores norte-americanos é porventura o caso mais evidente dessa influência.

A acção diplomática dos países recorre ainda com frequência a uma figura que se consolidou nos EUA e que também se manifesta, mais timidamente, nos corredores das instituições europeias: os lobbies . Há lobbies que existem de maneira inorgânica, no sentido em que não são propriamente institucionalizados, como será o caso se falarmos do lobby judaico nos Estados Unidos, ou do lobby das companhias petrolíferas no Ocidente, ou o dos exilados cubanos em Miami. Mas os lobbies são também grupos privados que actuam por encomenda e a soldo dos poderes estabelecidos. São uma espécie de outsourcing da política externa, uma privatização ou uma transferência de funções do Estado e dos grandes grupos económicos para agentes profissionalizados nesses tarefas. São grupos de pressão que actuam junto dos decisores – governos, parlamentos, organismos intergovernamentais... – para fazer valer os interesses nacionais ou empresariais.

Finalmente pode destacar-se o papel da participação popular nos assuntos internacionais, correspondendo a uma verdadeira diplomacia de cidadania. Independentemente da influência das opiniões públicas, os processos de mobilização de base interferem com eficácia nas decisões internacionais. Os 40.000 manifestantes que, em Novembro de 1999, bloquearam a reunião do G8 em Seattle a propósito da OMC ficaram como um símbolo deste potencial; já nos anos anteriores, o AMI – Acordo Multilateral sobre o Investimento – ficou sem efeito por força da contestação dos movimentos associativos; também em 1999, a mobilização das ruas em Portugal constituiu um autêntico acto de diplomacia militante relativa à independência de Timor Leste. Ao organizar em Londres e em Filadélfia os concertos Live Aid em 1985 e, vinte anos depois, o Live 8 em Edimburgo e numa série de outras cidades, Bob Geldof personificou este novo tipo de actores internacionais, no quadro de uma diplomacia de cidadania. Por sua vez, as manifestações multitudinárias contra a guerra no Iraque, em 15 de Fevereiro de 2003, dado o seu carácter global, têm sido consideradas como um esboço da sociedade civil mundial.

 

Novos espaços

Como vimos, a diplomacia clássica actuava em espaços homogéneos e circunscritos: os territórios nacionais, que interagiam no quadro de relações essencialmente bilaterais. Mas os novos actores que acabámos de considerar, além de serem múltiplos, também se enraízam numa significativa diversidade de espaços, condicionando em consequência a própria prática diplomática.

Novas unidades territoriais emergiram, actuando como intervenientes nas relações internacionais. Justamente porque são realidades novas, nem sempre está fixado o vocabulário para as designar, embora o termo “região” acabe por ser utilizado repor-
tando-se a entidades de diferentes escalas.

No interior dos países, existem as regiões. Com frequência elas assumem directamente certos papéis no relacionamento internacional, com autonomia face ao poder central, tanto mais quanto essa autonomia se apresenta como próxima da “nacionalidade”:
é o caso das Comunidades Autonómicas de Espanha (com relevo para a Catalunha e o País Basco, mas também a Galiza ou o País Valenciano), as quais têm os seus próprios canais e iniciativas nos contactos com o exterior. Em graus diferentes, exemplos como este manifestam-se em numerosas situações, sobretudo no continente europeu, graças também ao objectivo da Europa das Regiões e ao incentivo da UE à constituição e autonomia de níveis intermédios de centros de decisão política, entre o local e o nacional. Igualmente as cidades tendem a afirmar-se como agentes de relacionamento internacional, criando os seus próprios circuitos e as suas redes de cooperação, para já não falar das novas Cidades-Estado da actualidade, como Hong Kong ou Singapura, que agem como “potências” na cena económica mundial.

A palavra “região” serve também para designar o agrupamento de países que se organiza em estruturas intergovernamentais. Essas organizações de escala regional não só se multiplicaram, como se constituíram como verdadeiros sujeitos e destinatários de acção diplomática. Delimitam assim novos espaços de relacionamento, com peso crescente na constelação da vida internacional. As siglas que as designam tornaram-se familiares no nosso quotidiano: UE, NAFTA, OSCE, SADC, Mercosul, ASEAN... e tantas outras, que apontam para dimensões obrigatórias da nova diplomacia.

Neste panorama, porém, algumas realidades se têm afirmado, configurando novos espaços não institucionalizados das relações internacionais. Por vezes são identificadas como macrorregiões, mas esta terminologia não está consagrada. Caracterizam-se por não se subordinarem às fronteiras estabelecidas, antes moldando entidades de tipo transfronteiriço, cuja coesão deriva da intensidade de interacções económicas (ver caixa).

Estas novas realidades espaciais, quase sempre determinadas pela geoeconomia, obrigam a rever os critérios tradicionais da representação externa dos Estados e da consequente prática dos agentes diplomáticos. O embaixador do futuro não pode ficar preso à dimensão territorial dos Estados convencionais, mas tem de se abrir a estes novos espaços, fluidos, dinâmicos, atractivos, sejam as regiões e nacionalidades no interior dos países, sejam as macrorregiões transfronteiriças.

Falta ver, de seguida, as outras dimensões da “nova diplomacia”: a nova agenda, os novos métodos e os novos desafios.

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Informação Complementar

NOVAS UNIDADES TERRITORIAIS: AS MACRORREGIÕES

A cidade francesa de Toulouse tem sido apontada como “capital” de uma futura euro-região, dividida/unida pela fronteira franco-espanhola dos Pirinéus, abrangendo uma área que vai de Midi--Pirénées e do Languedoc à Catalunha (ou mesmo um plano mais vasto que abrangeria ainda a Aquitânia e o País Basco). Este é um dos muitos exemplos do processo de formação de unidades territoriais transfronteiriças, ligando zonas de diferentes países, ultrapassando as fronteiras que convencionalmente os separam.

Podemos designá-las como macrorregiões. A sua coesão deriva da densidade das interdependências que se estabelece no seu interior: facilidade de transportes, intensidade de trocas comerciais, envolvimento em projectos industriais comuns, interacções culturais...

Se as euro-regiões são as mais conhecidas, diversas outras macrorregiões se podem identificar nas Américas (por exemplo, a que liga Seattle nos EUA a Vancouver no Canadá, ou a faixa que vai de São Paulo a Buenos Aires), bem como na Ásia (entre outras, Tóquio/Yokohama/Seul).

Processos desta natureza foram estudados pelo autor japonês Kenichi Ohmae, num livro já da década de 1990 ( O fim do Estado Nação – a ascensão das economias regionais ). Adopta mesmo a designação de Estados-Regiões e enumera grande diversidade deles, particularmente os asiáticos, seja na própria China (em torno de Hong Kong e do delta do Rio das Pérolas, por exemplo), seja aquele a que chama o “Triângulo de Maior Crescimento”, ligando Penang, na Malásia, Medan, cidade indonésia de Samatra, e Phuket, na Tailândia.

Para alguns analistas, as principais características destas macrorregiões, enquanto espaços de grande dinamismo económico, serão a atractividade e a conectividade: são atractivas para o investimento, para o comércio, para o turismo... e estão conectadas por bons sistemas de comunicações – transportes e telecomunicações.

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* Luís Moita

Vice-reitor da UAL.

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