Pesquisar

  Janus OnLine - Página inicial
  Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa 
 
 
Onde estou: Janus 2007> Índice de artigos > As mudanças de uma década > [Dez anos de mudanças nas relações económicas]  
- JANUS 2007 -



Descarregar textoDescarregar (download) texto Imprimir versão amigável Imprimir versão amigável

ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS seta CLIQUE AQUI! seta

Dez anos de mudanças nas relações económicas

Henrique Morais *

separador

Na esfera das relações económicas internacionais, analisar os últimos 10 anos, entendidos como o período entre 1997 e 2006, é um desafio que se aproxima do explorador de ouro que, filão após filão, tenta separar aquilo que é absolutamente importante do acessório.

Arriscamo-nos a avançar pelo menos quatro acontecimentos/desenvolvimentos que, pela sua magnitude e esfera de incidência, marcaram inexoravelmente o mundo. Em primeiro lugar, o reforço da globalização, económica mas também social e cultural, que induziu uma reorganização do ranking das potências económicas e mesmo dos equilíbrios intercontinentais, privilegiando países da Ásia emergente em detrimento da velha Europa e do hemisfério ocidental e, tese mais arriscada que os próximos anos se encarregarão de confirmar (ou não), fazendo rodar o centro do mundo económico e financeiro do Atlântico para o Pacífico. A globalização trouxe ainda ao mundo uma outra novidade, i.e., a desinflação, gerando um período muito prolongado em que as taxas de inflação desceram globalmente e se situaram em níveis sem paralelo desde o início dos anos 60.

Em segundo lugar, num fenómeno aliás muito relacionado com a globalização, destacou-se o surgimento de novas potências económicas mundiais, de que os exemplos mais flagrantes e já amplamente ilustrados noutras edições do Janus são provavelmente a China e a Índia, países em ascensão meteórica nos mais variados segmentos da esfera económica e financeira.

Em terceiro lugar, o aparecimento da moeda única europeia, o euro, visto durante décadas como apenas uma miragem, mas que se prepara para atingir oito anos de relativo sucesso, tanto como moeda de troca internacional, como enquanto moeda de investimento/reserva. Mais do que uma moeda comum a um vasto e diferenciado conjunto de países, o euro corresponde provavelmente à primeira tentativa sólida de construção de um projecto europeu que, a outros níveis, designadamente o político, tem dado provas de grande hesitação.

Finalmente, o fortíssimo aumento do preço do petróleo a que se assiste desde 1998, e que se intensificou a partir de 2004, o qual alterou profundamente a lógica deflacionista em que a globalização parecia ir colocar a economia mundial e serviu de catalisador a uma discussão sobre alternativas energéticas, provinda muitas vezes dos mais insuspeitos actores – referimo-nos, por exemplo, aos Estados Unidos e ao presidente Bush.

Este texto centrar-se-á de seguida na análise da conjuntura económica internacional, a que se seguem algumas linhas sobre o euro e a maior eficácia da política monetária e, por último, debate-se resumidamente a problemática do aumento dos custos energéticos e da evolução dos indicadores de preços no consumidor.


Conjuntura económica internacional

As próximas linhas tentarão ser apenas uma radiografia do mundo económico tal como ele se apresentava em 1997 e como o vemos hoje.
Comecemos pela macroeconomia e pelo seu indicador principal, i.e., o produto interno bruto, doravante PIB. Em 1997, o PIB mundial cresceu 4,3%, naquele que foi o ano de maior dinamismo da actividade económica na década de 90 e que viria posteriormente a ter paralelo em 2000 e no período recente de 2003-2006. Ora, para 2007, o Fundo Monetário Internacional projecta um crescimento do produto na ordem de 4,7%. Parecerá, à primeira vista e erroneamente, que pouco mudou neste aspecto nos últimos 10 anos. Na verdade, a diferença substancial está no(s) motor(es) do crescimento: em 1997, as economias avançadas eram ainda o motor principal do crescimento mundial, tendo o PIB deste agregado aumentado 3,4%, suportado pelo comportamento dos EUA, mas também por uma vasta série de economias europeias (Irlanda, Finlândia, Noruega, entre outras), pela Coreia e por Hong Kong. Passados 10 anos, as projecções do FMI suportam o crescimento mundial muito mais nos mercados emergentes (6,6%, em 2007, que compara com os 5,4% observados em 1997), com destaque naturalmente para a China e a Índia (previsão de crescimento de 9% e 7%, respectivamente).

No que diz respeito aos indicadores de preços, conforme foi anteriormente referido, assistiu-se a um significativo abrandamento da inflação mundial, que se situava, em 1997, em 5,9% (1), sendo agora previsto que venha a atingir em 2007 apenas 3,5%. Este dado é particularmente relevante, na medida em que coincide com um momento em que as principais economias continuam a revelar uma solidez apreciável, sem que tal se reflicta nos indicadores de preços no consumidor. Uma das explicações para o fenómeno está relacionada com a capacidade das empresas das economias mais avançadas em acomodar nas respectivas margens de lucro o aumento de alguns custos de produção (designadamente a nível das matérias-primas), o que parece ser aliás uma das condições para essas empresas conseguirem “suportar” o impacto da globalização – que tem sido fortemente propiciadora do movimento de desaceleração do crescimento dos preços. Tal como foi referido a propósito da evolução do PIB mundial, também no que diz respeito aos indicadores de preços tem sido determinante a evolução das economias emergentes: em média, a inflação rondava os 11,3%, em 1997; para 2007 o FMI prevê que se situe em 4,8%.

O comércio internacional cresce actualmente, em volume, a níveis inferiores mas próximos dos observados em 1997, isto é, em torno dos 8% (2). Mais uma vez a diferença substancial ocorre a nível dos respectivos actores principais e do seu posicionamento relativo: em 1997, as economias avançadas ainda conseguiam, no seu conjunto, apresentar um excedente da balança corrente de 0,3% do PIB (apesar do já significativo défice norte-americano) mas, em 2007, deverão registar um défice recorde de 1,7% do respectivo PIB. Ao invés, as economias emergentes passaram de um défice de 1,3% do PIB para um excedente estimado, em 2007, em 3,6%.

Topo Seta de topo

Pode ainda ser identificado um conjunto de outros indicadores de natureza macroeconómica relevantes para a caracterização das alterações que ocorreram nos últimos dez anos, mas cujos dados agregados se esgotam nas economias avançadas. Por exemplo, o desemprego desceu 1 ponto percentual neste período, devendo atingir 5,8% em 2006/07, quiçá muito “à custa” de Estados cada vez mais despesistas, como é comprovado pelo aumento do défice orçamental das economias avançadas, de 1,9% para 3% do PIB.
Um segundo grupo de indicadores com interesse pode ser encontrado a nível do mercado financeiro, com destaque para o segmento accionista e para as taxas de juro da dívida pública.

As acções encontravam-se, em 1997, em plena “bolha especulativa”, que havia começado no início da década e que perduraria até 2000, muito impulsionada pelas novas empresas nas áreas das tecnologias. Os mercados encetaram posteriormente um período de acentuada correcção que, nos EUA e na Europa, se prolongou até finais de 2002. Desde então, assistiu-se a uma forte recuperação das bolsas de valores, num contexto em que se verificou um crescimento económico sólido, acompanhado pela manutenção de taxas de juro relativamente baixas. Em conclusão, um investidor que tivesse colocado as suas poupanças em 1997 no mercado norte-americano ou na Europa, poderia com alguma tranquilidade ter retirado uma taxa de rendibilidade anual próxima de 6% (3).

Quanto ao mercado das obrigações de dívida pública, que como se sabe é um dos destinos favoritos para a aplicação de capitais, sobretudo pelos investidores com baixos/médios níveis de apetência ao risco, os dados são inequívocos: de 1997 até aos nossos dias, as taxas médias de rendibilidade em aplicações deste tipo desceram, em média, entre 3 pontos percentuais, na área do euro, e 1,3 pontos percentuais, no Japão, nos títulos de maturidade mais longa (4); nos títulos “mais curtos”, isto é, com prazo para o reembolso inferior a 1 ano, as diferenças são marginais nos EUA (com as taxas a manterem--se próximo de 5%, escondendo todavia uma ampla volatilidade ao longo destes 10 anos) e no Japão, embora, na área do euro se tenha assistido a uma descida de aproximadamente 1 ponto percentual no prazo dos 3 meses (5).


Do euro à maior eficácia da política monetária

O período em análise ficou marcado pelo aparecimento do euro, primeiro apenas na forma escritural, em 1 de Janeiro de 1999 e, mais tarde, também em papel-moeda. Muito se discutiu, antes e depois daquela data, sobre as vantagens e inconvenientes de um grupo de países adoptarem uma moeda comum. Em traços gerais, o euro trouxe uma maior estabilidade cambial, sobretudo a países como Portugal que, sendo pequenas economias abertas, utilizavam frequentemente a variável cambial como instrumento de política económica (6); facilitou o comércio internacional na área em que surgiu, o que no nosso país significou que a esmagadora maioria das trocas externas deixaram de ter risco/custos cambiais; facilitou o intercâmbio turístico/negocial entre os Estados membros da área do euro e, por último mas não menos importante, o euro representa, talvez pela primeira vez desde o final da II Guerra Mundial, uma alternativa credível ao dólar enquanto moeda hegemónica do sistema monetário internacional.

Como é compreensível, todas estas vantagens tiveram também o seu contraponto.
Desde logo, e provavelmente no topo das desvantagens, o aparecimento do euro representou, simbolicamente e na prática, o fim da autonomia da política monetária dos países que o adoptaram. Embora se possa argumentar que, sobretudo um pequeno país como Portugal, tem provavelmente uma maior capacidade de influenciar as decisões de política monetária com o euro do que antes dele (7), a verdade é que, desde 1999, sucederam-se episódios em que o interesse da maioria não foi necessariamente o interesse de todos. A título exemplificativo, quando em Maio de 2001 o Banco Central Europeu (BCE) iniciou um ciclo de descidas das taxas de juro oficiais, que levariam a taxa directora de 4,75% para 2% (em Junho de 2003), fê-lo com base em duas condições irrefutáveis do ponto de vista da área do euro: crescimento económico anémico e inflação estabilizada (e controlada).
Acontece que no interior da área do euro conviviam duas situações antagónicas: a de países, como a Alemanha e a Holanda, que de facto necessitavam de um choque monetário para animar a actividade económica, e a de outros Estados, especialmente a Irlanda, mas também a Grécia e a Espanha, em que os níveis de crescimento económico estavam acima do respectivo potencial e onde, sobretudo, havia pressões inflacionistas que desaconselhavam de todo um expansionismo monetário.

Mais recentemente, quando em Dezembro de 2005 o BCE aumentou as taxas de juro para 2,25%, iniciando um ciclo de subida que deverá ainda prolongar-se (8), agiu de acordo com uma conjuntura de preços que é agora mais “nociva”, num contexto em que a economia europeia também evidencia, no seu conjunto, alguma recuperação.

Mas existe ainda uma segunda potencial desvantagem não negligenciável associada à moeda única e que, paradoxalmente, se prende com o seu próprio sucesso enquanto moeda de reserva de valor internacional. Ultrapassados que foram os receios iniciais quanto à sustentabilidade do processo, o euro começou progressivamente a ser encarado como uma boa alternativa ao dólar enquanto moeda de aplicação de activos, designadamente por parte das autoridades monetárias dos países com reservas externas vultuosas – China, Japão e, em geral, os países do Médio Oriente. Este fenómeno acabou por se reflectir numa “força de pressão” para a apreciação do euro, o que contribuiu largamente para uma deterioração das contas externas da área do euro.


A questão energética

O gráfico apresentado é ilustrativo do forte aumento do preço do petróleo a que se assistiu nos últimos anos e, por outro lado, desmistifica também algumas das teses mais dramáticas a propósito dos valores absolutos atingidos pelo barril de crude, na medida em que demonstra que, apesar de tudo, o preço está ainda, em termos constantes, relativamente próximo dos valores observados em 1984, longe portanto dos máximos atingidos, por exemplo, aquando do conflito Irão/Iraque.
O dado interessante neste processo tem a ver com o facto de não se ter tratado, como era hábito em anteriores situações similares, de apenas um “choque de oferta”. Embora se possa argumentar que existiram vários factores do lado da oferta a pressionar os preços em alta (furacões de intensidade anormal no golfo do México, perturbações nos fornecimentos de petróleo nigeriano, venezuelano e iraquiano, no âmbito de um clima de tensão geopolítica em pontos estratégicos, acidentes em pipelines, etc.), a verdade é que desta vez a procura teve também um papel preponderante, na medida em que se assistiu a um incremento acentuado, sobretudo na Ásia emergente e, em especial, na China. Deste modo, segundo dados da International Energy Agency, a procura mundial de petróleo terá aumentado de 76,1 milhões de barris/dia, em 2001, para 84,9 milhões de barris/dia em 2006, revelando um crescimento significativo num mercado em que, como é sabido, os recursos são limitados. Curiosamente, no mesmo período a procura chinesa passou de 4,9 para 7,0 milhões de barris/dia, i.e., revelando uma taxa de crescimento média anual de 7,4%.

Por último, algumas notas sobre a evolução dos indicadores de preço no consumidor. Em 2003, numa altura em que o preço do barril de dated brent rondava os 28 USD/barril, os preços no consumidor davam, nalgumas economias importantes, sinais preocupantes: na Alemanha a inflação média anual estava em 1,1%, no Reino Unido em 1,4%, na Suíça em 0,6% e o Japão continuava alegremente na senda da deflação.

Não fosse o movimento posterior dos preços das matérias-primas e da energia, e talvez estas linhas tivessem maioritariamente sido dedicadas ao que poderia ter sido o acontecimento económico mais marcante dos dez anos de Janus: a chegada da deflação às economias avançadas!

Topo Seta de topo


separador

1 - Nível então absolutamente extraordinário, tendo em conta que parecia o culminar de um processo de desinflação, desde os 36% registados em 1992!
2 - Em 1997, o comércio internacional aumentou 10,3%.
3 - Cálculos efectuados a partir da valorização, entre Janeiro de 1997 e Agosto de 2006, dos índices de acções Dow Jones Industrial (EUA) e Eurostoxx (área do euro).
4 - As obrigações a 30 anos na área do euro passaram de uma taxa de rendibilidade de 7,1%, em inícios de Janeiro de 1997, para 4,1%, em finais de Agosto de 2006. Títulos de maturidade idêntica nos EUA, viram as respectivas rendibilidades passarem de 6,6% para 4,9%, enquanto no Japão, as taxas de rendibilidade dos JGB a 20 anos caíram de 3,4% para 2,1%.
5 - Note-se que para a área do euro se consideraram os títulos representativos em 1997 (uma vez que então ainda não existia uma moeda única): Libor, nos 3 meses, e títulos do tesouro alemão e francês nos 30 anos.
6 - Por exemplo, através da utilização do crawling-peg, isto é, desvalorizações progressivas da moeda como forma de intensificar a capacidade competitiva do sector exportador.
7 - O argumento é simples e linear: enquanto actualmente o governador de um banco central da área do euro pode transpor, em igualdade de circunstâncias com todos os outros, as suas opiniões e propostas de cariz monetário para o Conselho de Governadores do Banco Central Europeu, sendo portanto as decisões tomadas por maioria, antes do euro uma pequena economia aberta estava muito mais exposta a uma decisão de política monetária de uma das grandes economias da Europa (tendo provavelmente que a seguir).
8 - Situando-nos em 1 de Setembro de 2006, a taxa repo está actualmente em 3%, existindo expectativas de que possa atingir 3,5% até ao final do ano.


separador

* Henrique Morais
Licenciado em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Gestão. Mestre em Economia Internacional pelo ISEG. Docente na Universidade Autónoma de Lisboa e na Universidade do Algarve. Assessor do Banco de Portugal. Membro do Conselho Directivo do Observatório das Relações Exteriores da UAL.


separador

Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Evolução cambial e contas externas

Link em nova janela Índices de taxas de câmbio efectivas do euro

Link em nova janela Evolução do preço do petróleo dated brent

Topo Seta de topo


- Arquivo -

Clique na edição que quer consultar
(anos 1997 a 2006)
_____________

2006

2005

2004

2003

2002

2001

1999-2000

1998

1998 Supl. Forças Armadas

1997

 
  Programa Operacional Sociedade de Informação Público Universidade Autónoma de Lisboa União Europeia/FEDER Portugal Digital Patrocionadores