Pesquisa Avançada | Regras de Pesquisa | ||||
Onde estou: | Janus 2007> Índice de artigos > Conjuntura internacional > [ Render da guarda na Palestina e em Israel ] | |||
|
Para já, a vitória do Hamas gerou uma situação de impasse, difícil de ultrapassar. Israel e o Quarteto (EUA, ONU, UE e Rússia) fizeram frente comum, estabelecendo as seguintes condições para o diálogo com o Hamas: 1. o reconhecimento de Israel; 2. a aceitação dos acordos israelo-palestinianos previamente assinados pela Autoridade Palestiniana (AP); 3. a cessação da violência. A recusa do Hamas em aceitar estes pressupostos, fez com que os EUA, UE e Israel accionassem o bloqueio da transferência de fundos e da ajuda internacional. A vitória do Hamas representa, sobretudo, uma derrota do legado do falecido Yasser Arafat e da incapacidade dos seus sucessores em irem ao encontro das aspirações do seu povo. Com a criação da Autoridade Palestiniana e a “entronização” de Arafat, a elite governativa secundarizou a administração dos territórios, da sua população e da satisfação das necessidades mais básicas desta (trabalho, saúde e educação), privilegiando a frente diplomática, o entendimento com o Estado de Israel e com as potências ocidentais. Por sua vez, o Hamas, desde 1994, foi progressivamente substituindo o Estado palestiniano e dotando as populações de bens e serviços sociais. Foi graças à demissão da Fatah/AP das suas funções de garante da sobrevivência do seu povo, que o Hamas se aproveitou para ocupar o “vazio” no funcionamento dos territórios ocupados. Além disso, com o passar dos anos e o impasse gerado no conflito, a Fatah passou a ser vista pela população como crescentemente submetida aos interesses “sionistas-ocidentais”. Com a sua ideologia islamista e o seu ideal de libertação revolucionário, o Hamas manteve as suas credenciais intactas enquanto instrumento da libertação da “Palestina histórica” e de enaltecimento do Islão.
Um ano de viragem O ano 2005 marca um ponto de viragem fundamental para o Hamas: a 12 de Março, declarou que participaria em eleições para o Conselho Legislativo Palestiniano (abandonando a política de abster-se de participar nas instituições da AP pós-Oslo); a 17 de Março, juntamente com outros grupos, comprometeu-se a respeitar uma trégua até ao final do ano (Declaração do Cairo); acordou em iniciar negociações para se integrar na OLP, a “única representante” (nas suas palavras) dos Palestinianos dentro e fora dos territórios ocupados; em Abril, o seu líder, Mahmoud al-Zahar, anunciou que se o Hamas fizesse parte da AP, aceitaria negociar com Israel (Estado que o Hamas se recusa oficialmente a reconhecer. [Usher, 2006]). O Hamas também beneficiou da política de Ariel Sharon. Sharon disse que, na ausência de um “parceiro” e de um processo de paz (o “Roteiro para a Paz” de 2003 está em banho-maria ), iria em frente com um plano de retirada unilateral das tropas israelitas da Faixa de Gaza e de quatro colonatos da Margem Ocidental. A retirada dos colonos israelitas de Gaza, em Setembro de 2005, foi explorada pelo movimento como o fruto da sua resistência tenaz face a Israel. O Hamas entendeu que tinha chegado a altura para traduzir em dividendos políticos a popularidade de que o movimento gozava nas ruas. As declarações dos líderes do Hamas pareciam entrever o abandono da doutrina oficial e a aceitação de uma solução de compromisso: a criação de um Estado palestiniano após a retirada israelita de Gaza, da Margem Ocidental e de Jerusalém Oriental (territórios na posse dos palestinianos até à guerra de 1967). Em declarações no período pré-eleitoral, os líderes do Hamas não puseram de parte a hipótese de alterar a sua Carta (tal como o fez a OLP após a assinatura dos Acordos de Oslo. [ICG, 2006]). A possibilidade de o Hamas negociar com Israel foi abertamente admitida. O mesmo al-Zahar, conhecido pela sua linha dura, afirmou que, se a organização se tornasse “parte do governo, participaria em negociações com Israel” (Usher, 2006). Existiam portanto indícios de uma diluição do seu maximalismo ideológico no pragmatismo político. O que esta evolução sugere é que o Hamas poderá estar preparado para aceitar a solução de dois Estados na “Palestina histórica”, embora impondo condições mais exigentes a Israel do que a OLP.
Uma nova correlação de forças Com a retumbante vitória do Hamas para o Conselho Legislativo Palestiniano, uma questão crucial é o relacionamento entre a Presidência da AP (dominada pela Fatah de Abu Mazen) e o Parlamento Palestiniano (dominado pelo Hamas). Neste novo cenário político, a Fatah deixa de possuir o monopólio do poder: embora o Hamas tenha insistido, a Fatah recusou-se a ter qualquer tipo de participação no novo governo. O Hamas gostaria de não ter assumido o governo sozinho dada a sua falta de experiência política e porque uma coligação com a Fatah permitir-lhe--ia dividir responsabilidades, especialmente por eventuais falhanços na governação. O conflito institucional entre a Presidência e o Parlamento poderia, no pior dos cenários, degenerar numa guerra civil, o fim do processo de paz e o reinício das hostilidades com Israel. Antecipando futuros conflitos com o governo do Hamas, a Fatah e Mahmoud Abbas optaram, no período que antecedeu a formação do governo, por limitar os poderes do novo executivo. Os deputados da Fatah decidiram mudar as regras do jogo dando ao presidente da AP o direito de veto sobre as decisões do Conselho Legislativo Palestiniano, onde o Hamas dispõe de confortável maioria. Abbas assumiu controlo directo dos três serviços de segurança criados por Arafat e da rádio e TV. A criação de um regime superpresidencialista visa assim limitar a margem de manobra do governo do Hamas. De facto, algum do optimismo inicial dos analistas relativamente a uma possível mudança do Hamas tem vindo a dissipar-se com a passagem do tempo e os sinais de inflexibilidade. O Hamas permanece formalmente comprometido com a destruição de Israel, cuja legitimidade rejeita. Em rigor, a base fundadora do Hamas reside no não-reconhecimento de Israel e na luta armada contra “os que usurparam a terra sagrada do Islão”. Internamente, o Hamas está dividido em diversas facções, algumas das quais não renunciam à continuação da luta armada. Aliás, o novo governo saído das eleições confirma esta realidade, dado que é composto por pragmáticos (Ismail Haniyeh, primeiro-ministro) e radicais (Mahmoud al-Zahar, ministro dos Negócios Estrangeiros, e Said Seyam, ministro do Interior). Contudo, o Hamas, embora não satisfazendo à risca as exigências impostas pela comunidade internacional, poderá de alguma forma ir ao encontro do espírito das mesmas, mantendo a trégua e colocando Abbas a negociar: por outras palavras, o Hamas não dialogará directamente com Israel, mas poderá permitir que o presidente da AP o faça. Mahmoud Abbas tem sublinhado a sua frustração pelo facto de o Hamas não ter aceite as condições estabelecidas pelo Quarteto. Em Abril, ameaçou dissolver o governo. A principal preocupação do presidente da AP é que a política anti- Em inícios de Junho, o presidente da AP fez um ultimato ao governo do Hamas: a convocação de um referendo sobre o Estado palestiniano a criar se o Hamas não aceitar um plano negociado entre o governo e a presidência. A aceitação do plano por parte do Hamas significaria, na prática, o reconhecimento da existência de Israel. O Hamas opõe-se ao referendo, o qual poderia ser um voto de censura para o movimento, ao mostrar que a população palestiniana não partilha do seu radicalismo. Forçar a moderação Após as eleições municipais de 2004-2005, os EUA e a UE deram instruções claras no sentido de diminuir os apoios financeiros às edilidades geridas pelo Hamas. A União Europeia decidiu canalizar a ajuda por outros meios, designadamente pelas ONGs, o que tem permitido, apesar de tudo, a chegada de alguma ajuda à população. Os EUA reduziram drasticamente a assistência e fizeram pressão sobre os bancos internacionais (a imposição de sanções devido ao facto de o Hamas estar classificado como grupo terrorista), o que tem impedido a chegada dos finaciamentos dos países árabes. A União Europeia esforçou-se por criar um mecanismo para canalizar a ajuda internacional aos palestinianos, sem passar pelo governo do Hamas. A UE pretendia evitar a catástrofe humanitária iminente causada pela suspensão das remessas financeiras para o governo palestiniano. A criação do mecanismo foi determinada a 9 de Maio pelo Quarteto encarregado das negociações com as partes do conflito israelo-palestiniano. O mesmo visa canalizar directamente para os palestinianos a ajuda internacional que deveria ser transferida através da AP e destina-se a cobrir as necessidades mais urgentes, como a saúde e a educação, podendo incluir ainda o pagamento de alguns funcionários. O novo primeiro-ministro de Israel, Ehud Olmert, mostrou-se determinado a avançar com o plano de retiradas unilaterais, de forma a criar um Estado hebraico homogéneo do ponto de vista populacional (para evitar “um Estado judeu com uma minoria judaica”). O problema essencial no seu plano reside no facto de as fronteiras de Israel não coincidirem com as fronteiras do Estado pré-1967. Olmert pretende que os maiores blocos de colonatos da Margem Ocidental fiquem sob soberania israelita. Afirmou que quer continuar a controlar os blocos de colonatos de Ariel, Gush Etzion e Ma'aleh Adumin e a cidade de Jerusalém, assim como o vale do Jordão – aspecto que não estava previsto no programa do seu partido, o Kadima, e que colide com as pretensões dos palestinianos. Olmert admite que muitos colonos vão ter de abandonar os territórios onde se concentra a maior parte da população palestiniana que vive na Margem Ocidental.
Entre o realismo e o radicalismo: o diálogo forçado Entretanto, o cenário israelo-palestiniano sofreu uma mudança radical: a 25 de Junho, combatentes palestinianos raptaram o cabo israelita Gilad Shalit, de 19 anos. O rapto foi reivindicado pelo braço militar do Hamas, os Comités de Resistência Popular e o desconhecido Exército do Islão. Na sequência desse acontecimento, Israel cercou e fechou o território, lançando uma operação militar com ataques aéreos diários a alvos como centrais eléctricas e aos gabinetes de elementos do governo do Hamas, incluindo o do próprio primeiro- ministro Ismail Haniyeh. Israel também deteve membros do Hamas na Cisjordânia, inclusive três membros do governo da AP e vários deputados. A campanha militar tinha dois objectivos declarados: fazer pressão sobre os palestinianos e o Hamas para a libertação do refém; impedir os disparos de rockets em território israelita. Haniyeh terá sido apanhado de surpresa pelo rapto e não controla os combatentes que têm Shalit como refém. Possivelmente o rapto foi o resultado de uma luta pelo poder entre a direcção do interior, mais realista, e a do exterior, mais radical, representada por Khaled Meshaal que vive em Damasco. O rapto poderia igualmente ter sido uma sabotagem do acordo Fatah-Hamas em negociação quanto ao referendo. O governo palestiniano, já em dificuldades por falta de financiamento, ficou paralisado: as acções militares israelitas vieram demonstrar o perigo em que poderiam incorrer os membros do governo. Olmert recusou o ultimato dos raptores que exigiam a libertação de mil prisioneiros palestinianos para devolver o refém. Entretanto, Israel abriu uma nova frente de guerra com o Libano, na sequência, a 12 de Julho, do raide do Hezbollah na fronteira libanesa que causou a morte de oito soldados israelitas e a captura de dois. O Hezbollah ripostou com o lançamento de centenas de rockets sobre as cidades do norte de Israel, em especial Haifa, a terceira cidade israelita. O rapto dos soldados israelitas colocou o Hamas a reboque do Hezbollah, que passou a marcar a agenda do conflito, traduzindo a vontade de alargar a ofensiva anti-sionista, com o apoio implícito ou explícito do Irão e da Síria, os dois protectores do Hezbollah. Com o fim do conflito, o primeiro-ministro israelita, Olmert, e o presidente da AP, Mahmoud Abbas, chegaram a acordo em princípio para reatar o diálogo interrompido durante os 34 dias de guerra no Líbano. Em Setembro, os israelitas anunciaram a libertação de 21 responsáveis do Hamas que fazem parte de um grupo de 30 membros do movimento detidos após a captura do soldado israelita em Gaza. Hamas e a AP sentaram-se à mesa das negociações para elaborar um acordo para a criação de um governo de unidade nacional. Abbas e Haniyeh concordaram em que os dois partidos deveriam constituir uma equipa susceptível de abrandar as sanções internacionais que estão a penalizar gravemente a população. O novo executivo palestiniano deverá manter o primeiro-ministro do Hamas juntando-se-lhe outros elementos da Fatah e alguns tecnocratas. Mas o Hamas veio sublinhar que mesmo que o governo reconheça implicitamente a existência de um Estado ao lado do palestiniano, o movimento não vai alterar a sua carta e reconhecer Israel. O Hamas deu indicações contraditórias sobre um eventual reconhecimento, ainda que indirecto, da existência de Israel, que estaria implícito no aceitar da iniciativa de paz da Liga Árabe, proposta em Beirute em 2002. Tudo parece indicar que o Hamas acabará por fazer poucas concessões em troca da criação do governo de unidade. Esta ambiguidade suscita em Israel e nos EUA o receio de que o governo seja reconhecido embora não cumpra os requisitos que o Quarteto definiu. Analistas adiantam que a União Europeia poderá levantar o embargo ao governo em vigor, tentando fazer recomeçar a ajuda através de ministérios não controlados pelo Hamas. Israel reagiu ao anúncio do governo de unidade com uma ofensiva internacional para que o executivo não seja reconhecido pela comunidade internacional a não ser que cumpra as três condições impostas pelo Quarteto. A situação na Faixa de Gaza é crítica. A ONU assinala que duas em cada três famílias vivem abaixo do limiar da pobreza. Os funcionários públicos não recebem salário há meio ano e o nível de desemprego ronda os 70 por cento.Informação Complementar Pontos-chave do plano de Mahmoud Abbas para o referendo de Julho de 2006 • um acordo negociado com Israel se este se retirar dos territórios ocupados desde 1967; • a capital do Estado palestiniano em Jerusalém; • resistência – através de meios pacíficos – nos territórios ocupados e não em Israel; • governo de unidade entre todas as facções, incluindo a Fatah e o Hamas; • garantia do direito de regresso de todos os refugiados palestinianos às suas casas em território israelita; • garantia da libertação de todos os prisioneiros; • aceleração dos esforços para incorporar o Hamas e a Jihad Islâmica na OLP.* Maria do Céu Pinto Licenciada em Relações Internacionais na Universidade do Minho. Mestre em Relações Internacionais no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Doutora pela Universidade de Durham, Reino Unido. Professora auxiliar com agregação do Departamento de Ciências Políticas e Relações Internacionais da Universidade do Minho. International Crisis Group, (2006) — “Enter Hamas: The Challenges of Political Integration”, Middle East Report, n.º 49, 18 de Janeiro de 2006.
|
| |||||||