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- JANUS 2007 -



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Eat or be eaten!

Henrique Morais *

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O ano de 2006 talvez venha a ser aquele em que, pelo menos nas últimas décadas, o título apresentado mais se ajuste à tentativa de resumir e tipificar o comportamento das empresas, não só em Portugal, como a nível internacional. Ao longo das próximas linhas, e após um breve enquadramento sobre a situação das empresas a nível mundial, enunciaremos o fenómeno das fusões e aquisições, iremos descrevê-lo pormenorizadamente e apontar as suas causas mais próximas para, por último, indicar exaustivamente os exemplos recentes mais marcantes, a nível internacional mas também em Portugal.

 

Enquadramento empresarial a nível mundial

Nos finais dos anos 90/princípios do novo século, as empresas europeias e norte-americanas confrontavam-se com um significativo desafio: a economia mundial caminhava a passos largos rumo a uma globalização de contornos ainda pouco claros mas que parecia catapultar freneticamente alguns países para a ribalta, indiciando que apenas as empresas que entrassem decididamente numa espécie de competição “frenética” poderiam sobreviver. Para agravar ainda mais o cenário, a economia mundial, com mais evidência a partir de 2001, dava sinais de enfraquecimento acelerado.

Perante este enquadramento, a reacção das empresas, primeiro nos Estados Unidos, mais tarde na Europa, foi inevitável: havia que reduzir custos, o que se fez, numa fase inicial, através de cortes na mão-de-obra, depois realizando um esforço notável em matéria de desenvolvimento de tecnologias de produção mais avançadas e, finalmente, reduzindo as margens de venda.

Resolvido que aparentava estar um dos problemas, ou melhor, o conjunto de problemas que a globalização colocava, faltava responder à questão final: como poderiam as empresas continuar a crescer, ou melhor, como poderiam elas ganhar dimensão suficiente para se tornarem, por um lado, suficientemente fortes para resistir ao ímpeto competitivo dos mercados e, por outro, imunes ao grande movimento que começava a despoletar: o processo de fusões e aquisições.

 

O processo das fusões e aquisições

Em si mesmo o processo é fácil de enunciar: a empresa A, eventualmente com sede no país X, resolve fazer uma oferta tendente à aquisição da empresa B, cuja sede poderá localizar-se no mesmo ou num outro país. Trata-se, muitas vezes, de um processo não amigável, isto é, a empresa B não está forçosamente de acordo com a operação e, portanto, resistirá a que ela se concretize – resistência obviamente limitada, uma vez que, tratando-se em geral de sociedades anónimas cotadas em bolsa de valores, em última instância cabe aos respectivos accionistas decidirem a favor ou contra a concretização da operação. Alternativamente, o negócio pode revestir uma forma mais amigável, através de uma negociação prévia que leve à fusão entre as empresas e não à aquisição formal da empresa B pela empresa A.

Na génese do fenómeno das fusões e aquisições (F&A) encontramos, em regra, uma causa relativamente consensual: a criação de valor para a empresa resultante da fusão ou para aquela que adquire outrem, pelas sinergias que a operação gera, pelo acesso a novos mercados e a uma clientela alargada, entre outros factores relevantes. Paradoxalmente, as cotações em bolsa da empresa adquirente têm tendência a diminuir, expressando a convicção do mercado de que o esforço financeiro necessário à concretização da operação penaliza, ainda que somente a curto/médio prazo, a empresa compradora.

Simplesmente, estas operações encontram muitas vezes barreiras de difícil ultrapassagem, para além daquelas que resultam da natural resistência da empresa alvo da operação de aquisição, quando esta é hostil. Em primeiro lugar, nalguns países, mesmo de zonas económicas em que existe uma certa coordenação económica/monetária (de que é exemplo flagrante a União Europeia, ou até a área do euro), permanece latente uma tentação, possível aliás de validação empírica, por parte das autoridades oficiais, de tratar de forma algo diferenciada as operações que envolvem empresas nacionais e aquelas em que o eventual comprador é uma empresa estrangeira. O argumento utilizado corresponde frequentemente à protecção de sectores económicos vitais, às questões da concorrência, entre outras, que apenas servem para disfarçar a sua causa mais remota: o pouco interesse em que empresas de alguma dimensão nacional e, sobretudo, em sectores vitais para a economia, “caiam” em mãos estrangeiras. Embora o que se vai afirmar possa ser “politicamente incorrecto”, a evidência empírica tende a apontar alguns países em que esta tendência é flagrante, como por exemplo a nossa vizinha Espanha que, curiosamente e em contraponto, fomentou a construção de autênticos impérios em áreas tão diversas como os sectores automóvel, do vestuário e calçado ou financeiro.

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Um segundo obstáculo às fusões e aquisições resulta dos regulamentos nacionais em matéria de concorrência. Por norma, estas operações geram empresas de dimensão substancial, que muitas vezes irão ter posições dominantes em áreas importantes da actividade económica, o que é normalmente incompatível com a defesa dos interesses dos consumidores e da economia de um país, provocando a reacção das autoridades que zelam pelo cumprimento dos princípios elementares da concorrência saudável.

Não obstante todos estes obstáculos enunciados, a história das empresas continua a ser marcada pelos fenómenos da concentração, daquelas que compram e das que são compradas. Acresce ainda que o critério de sobrevivência não parece estar exclusivamente relacionado com a capacidade das empresas gerarem lucros acima da média do mercado, mas antes com uma visão estratégica que ultrapassa em larga medida a criação de valor para o accionista. Estudos recentes mostraram que, nos EUA, apenas dezoito das cem maiores empresas actuais já o eram no início do século XX e que, dessas dezoito, apenas duas (a General Electric e a Kodak) conseguiram ter resultados acima da média do mercado. Tomado em conjunto, o grupo das “sobreviventes” registou resultados médios cerca de 20% abaixo da média do mercado.

 

As operações efectuadas em 2006

Os dados da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) permitem retirar três conclusões principais: por um lado, verificou-se um aumento substancial das operações cross-border entre 1990 e 2000, ano em que se realizaram negócios que totalizaram cerca de 1144 mil milhões de dólares norte-americanos, isto é, quase oito vezes mais do que o valor das operações efectuadas em 1990; em segundo lugar, os anos subsequentes foram marcados por algum recuo nos montantes associados às fusões e aquisições, que parecem ter estabilizado mais recentemente em valores próximos de 300 a 380 mil milhões de dólares; finalmente, o peso das operações efectuadas nas economias avançadas é da ordem dos 90%, o que confirma, em traços gerais, a noção de que as economias em desenvolvimento e em transição têm um peso algo residual nos fenómenos que envolvem o investimento internacional e a lógica de agrupamento das empresas a esse nível.

Também porque se pretende ter uma ideia mais alargada do que se passou recentemente a nível das fusões e aquisições de empresas no mundo, tanto mais que tudo indica que o corrente ano de 2006 seja absolutamente ímpar, face às inúmeras operações já anunciadas, optou-se igualmente por trabalhar um conjunto de informações retiradas das agências noticiosas.

Deste modo, até ao início de Junho de 2006, foram anunciadas cerca de 12700 operações de fusão/aquisição de empresas, correspondentes a 1770 mil milhões de dólares, quando no ano de 2005 se realizaram cerca de 24400 operações, totalizando 2665 mil milhões de dólares. Confirmando-se a tendência habitual para um acréscimo das operações no 2º semestre, tudo indica que o ano de 2006 seja aquele em que mais operações se irão efectuar, a que provavelmente corresponderá também um volume mais elevado.

Esta projecção torna-se mais clara quando se analisam períodos homólogos, neste caso confrontando os dados referentes ao 1º trimestre de cada um dos últimos sete anos. Estes dados confirmam a dinâmica do fenómeno em 2006, bem como o peso esmagador das operações efectuadas nas economias avançadas e, em especial, nos EUA. Para além disso, reflectem ainda a preponderância dos sectores das comunicações, das utilities e financeiro que, em conjunto, representam 56% do total das fusões e aquisições.

 

E Portugal?

Em Portugal, o ano de 2006 está a ser, sem margem para qualquer dúvida, aquele em que, pelo menos nas últimas décadas, o fenómeno das Ofertas Públicas de Aquisição (OPA) de empresas mais relevância tem assumido.

Tudo começou, em 6 de Fevereiro de 2006, com o anúncio pela Sonaecom de que pretendia adquirir a Portugal Telecom, oferecendo aos respectivos accionistas um preço de 9,50€ e o pagamento do dividendo referente ao exercício de 2005 (1). Trata-se de um negócio que, aos valores originais, representaria cerca de 10,6 mil milhões de euros (2) e será, a concretizar-se, a maior operação envolvendo empresas portuguesas.

Para se ter uma ideia da importância da operação, basta acrescentar que a Portugal Telecom é a empresa portuguesa com maior capitalização bolsista (3) (cerca de 19% do índice das 20 empresas portuguesas com maior capitalização bolsista, designado de Portuguese Stock Index – PSI 20) e, no primeiro trimestre de 2006, esta operação posicionava-se, em volume, na sexta posição do ranking , em termos internacionais.

O segundo episódio de maior relevância foi protagonizado por dois dos principais bancos portugueses: o Banco Comercial Português e o Banco Português de Investimentos. Em 13 de Março, o BCP lançou uma OPA sobre o BPI, tendo oferecido 5,70 € por acção, bem como o respectivo dividendo de 12 cêntimos.

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1 - No momento em que a Sonaecom anunciou a OPA, o dividendo proposto pela Portugal Telecom era de 38 cêntimos por acção. Posteriormente, a PT deliberou aumentar o respectivo dividendo para 47,5 cêntimos por acção, valor que veio efectivamente a ser pago e deu origem a ampla especulação em torno da reacção da Sonaecom, i.e., se a empresa de Paulo de Azevedo deveria ou não diminuir o valor oferecido pela PT.

2 - Considerando também a PT Multimédia, alvo igualmente da OPA, o valor ascenderia a 14,5 mil milhões de euros.

3 - A capitalização bolsista corresponde ao produto do número de acções admitidas à cotação pelo respectivo preço.

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* Henrique Morais

Licenciado em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Gestão. Mestre em Economia Internacional pelo ISEG. Docente na Universidade Autónoma de Lisboa e na Universidade do Algarve. Assessor do Banco de Portugal. Membro do Conselho Directivo do Observatório das Relações Exteriores da UAL.

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