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Ambiguidades sobre o terrorismo O terrorismo sempre existiu, e as ambiguidades sobre a caracterização do mesmo também. Embora seja uma tarefa sempre difícil e controversa, podemos definir terrorismo como o uso da violência, ou ameaça do uso da violência, de forma premeditada, nomeadamente contra não-combatentes na tentativa de, através do terror, influenciar, coagir, mobilizar ou intimidar audiências, grupos sociais, sociedades, poderes instituídos, governos e Estados a fim de atingir fins políticos e também religiosos, étnicos, económicos, ideológicos ou outros. O terrorismo tem sido situado e discutido em diferentes contextos, como o crime, a política, a guerra, a revolução, a propaganda e a religião. Se a « guerra é a continuação da política por outros meios », o terrorismo também o é, muitas vezes. Frequentemente, o terrorismo é a arma do “fraco” contra o “forte”; porém, normalmente visa os mais indefesos. Em certas ocasiões, o terrorismo é uma táctica numa estratégia; noutras, uma estratégia numa guerra. « O propósito do terrorismo é o de produzir o terror », disse Lenine, líder da Revolução Russa e responsável pelo “terror vermelho”, imitando a experiência dos jacobinos na sequência da Revolução Francesa. A violência revolucionária serviu, de facto, para inspirar terror (às forças do statu quo ) e esperança (para quem anseia alterações profundas). Na realidade, o terrorismo foi utilizado, consoante as circunstâncias, em nome de quase todas as ideologias políticas, e integrado nas mais diversas formas de luta. Por outro lado, o terrorismo não pode ser entendido apenas em termos de violência, mas também numa perspectiva de propaganda pelo terror , procurando efeitos políticos e psicológicos nas populações e nos governos. Ao longo de toda a História, são inúmeros os exemplos de recurso ao terrorismo, por parte de todo o tipo de actores, em nome das mais diversas causas e visando os mais diversos objectivos. Muitas justificações têm acompanhado os actos terroristas: a pobreza e exclusão social; a instrução manipulada; situações de injustiça e humilhação histórica; a luta contra os ocupantes e invasores; a luta pela justiça e liberdade; a libertação de um povo ou de uma região; o direito à autodeterminação; etc. Este tipo de razões tendem a “desculpar” e “compreender”, quando não mesmo legitimar, as actividades terroristas. O terrorismo tem, em muitos casos, também uma racionalização religiosa, assente numa lógica de “sacrifício” e “martírio”, em que o “fiel” ou verdadeiro crente abraça uma “guerra santa” contra os “infiéis”, pelo que os actos terroristas nunca são ilegais ou imorais, uma vez que ocorrem “em nome de Deus” e decorrem de uma lei divina, sempre superior à dos homens. A verdade é que sempre existiram causas e fins a servir de pretexto para o terrorismo, por vezes, até com o apoio de Estados. Essas “razões” fizeram com que o “terrorista” para uns fosse o “combatente libertador” ou o “mártir” de outros, pois os juízos dependem da perspectiva arbitrária de quem o define, onde e face a quê ou a quem, bem como da altura e do contexto em que o faz. Isto, fundamentalmente, tem impedido uma definição universal de terrorismo. No entanto, tal não impede que, actualmente, as justificações para as actividades terroristas sejam tendencialmente todas consideradas ilegítimas, reduzindo assim a margem de manobra do «terrorismo em todas as suas formas e manifestações». Estratégia global contra o terrorismo Neste contexto pós-11 de Setembro e perante a emergência do “terrorismo de novo tipo”, a comunidade internacional tem procurado dotar-se de uma estratégia global contra o terrorismo, em particular no âmbito das Nações Unidas. Essa estratégia baseia-se, hoje, em cinco pilares ( five “ Ds ”): ( dissuading ) dissuadir as populações de recorrerem ao terrorismo ou de o apoiarem; ( denying ) negar aos terroristas o acesso aos meios para levar a cabo os seus ataques; ( deterring ) impedir os Estados de apoiarem os terroristas; ( developing ) desenvolver a capacidade dos Estados para derrotar o terrorismo; e ( defending ) defender os direitos humanos. Ora, analisando os documentos das Nações Unidas produzidos nos últimos anos sobre terrorismo e anti terrorismo, destacam-se alguns elementos que poderão ser decisivos para o tal declínio do terrorismo: 1. O reconhecimento de que o terrorismo, em todas as suas formas e manifestações, «constitui uma das principais ameaças à paz e segurança internacional», «um desafio a todos os Estados e a toda a Humanidade»; «uma grave violação dos princípios e valores universais»; um «grave atentado contra os direitos humanos»; e que «o financiamento, o planeamento e o incitamento de actos terroristas são igualmente contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas». 2. A «inequívoca condenação de todos os actos, métodos e práticas de terrorismo como criminosos e injustificáveis, quaisquer que sejam as suas motivações, em todas as suas formas e manifestações, cometidos em qualquer lugar e sob qualquer forma»; a assunção de que «o terrorismo é inaceitável. Quaisquer que sejam as causas que pretendam defender, quaisquer que sejam as injustiças a que afirmem responder, o terrorismo nunca pode justificar-se (...) nenhuma causa, por mais justa que seja, pode ser desculpa para o terrorismo. Isso inclui a luta legítima dos povos pela autodeterminação». 3. A obrigação dos Estados, de todos os Estados, lutarem contra o terrorismo, «abstendo-se de prestar qualquer tipo de apoio, activo ou passivo, a entidades ou pessoas envolvidas em actos terroristas», incluindo «negando santuários àqueles que financiam, planeiam, apoiam ou cometam actos terroristas». Os Estados deverão ainda criar e implementar as medidas necessárias para prevenir a ocorrência de actos terroristas e eliminar o terrorismo, sendo que «Os países que careçam de capacidade para isto devem trabalhar com a comunidade internacional para desenvolver essa capacidade e fomentar uma situação real de Estado de Direito». 4. A disponibilidade da comunidade internacional actuar, sob todas as formas, contra aqueles actores, incluindo Estados, que apoiem o terrorismo: «O Conselho de Segurança deve actuar prontamente para adoptar as decisões necessárias, incluindo medidas – tomadas em função de cada caso concreto – sob o Capítulo VII da Carta contra os Estados ou seus nacionais que incitem ou contribuam para a realização de actos de terrorismo».
Apenas o início Associando estes quatro elementos que emergiram recentemente no quadro das Nações Unidas, constata-se que poderemos estar a viver um momento de ruptura histórica na forma de encarar o terrorismo. Pela primeira vez, na Declaração Final da Cimeira Mundial da ONU, em Setembro 2005, os líderes mundiais assumiram que «Condenamos energicamente o terrorismo em todas as suas formas e manifestações, independentemente de quem o cometa e onde e com que propósitos». Significa isto que estamos a assistir ao declínio do terrorismo? Talvez. Com toda a certeza, o terrorismo nunca deixará de existir, nem de fazer vítimas, de ter “alvos” e de ter “recrutas” para os seus ataques, porque, simplesmente, haverá sempre quem conceba justificações para o uso da violência premeditada contra inocentes e o recurso ao terror. Por outro lado, valores universais como a paz e os direitos humanos mostram, com toda a evidência, que a consagração de princípios, por si só, não resolve os problemas. Contudo, deslegitimando todas as suas formas, manifestações e justificações, o terrorismo perderá poder de reivindicação política e poder de sedução, perderá sentido como meio de luta, estratégia de combate, processo revolucionário, instrumento “de Deus” ou mecanismo de propaganda. É esse o objectivo último da comunidade internacional e é nessa direcção que aponta a estratégia global contra o terrorismo – reduzir o atractivo que o terrorismo possa ter. Alguns grupos, aliás, integrados no campo dos “terrorismos tradicionais”, começaram, entretanto, a abandonar as actividades terroristas e a reconverter-se em movimentos/partidos políticos. Se não for apenas retórica, estamos no caminho certo, ainda que apenas no início.Informação Complementar Unidos contra o terrorismo: recomendações para uma estratégia global contra o terrorismo Relatório do secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, 27 de Abril 2006 (excertos).II. Dissuadir as populações de recorrerem ao terrorismo ou de o apoiarem A. O Terrorismo é inaceitável 9. As Nações Unidas devem projectar uma mensagem clara e imutável baseada no princípio de que o terrorismo é inaceitável. Jamais deve permitir-se aos terroristas criar um pretexto para os seus actos. Quaisquer que sejam as causas que pretendam defender, quaisquer que sejam as injustiças a que afirmem responder, o terrorismo nunca pode justificar-se. As Nações Unidas devem manter a sua superioridade moral nesta matéria. 10. Os grupos que recorrem a tácticas terroristas fazem-no porque crêem que essas tácticas são eficazes e contarão com a aprovação de muitos, ou pelo menos daqueles em cujo nome pretendem actuar. A nossa tarefa-chave é, portanto, reduzir o atractivo que o terrorismo possa ter para os seus possíveis partidários. Para limitar o número dos que podem recorrer ao terrorismo, devemos assumir claramente que nenhuma causa, por mais justa que seja, pode ser desculpa para o terrorismo. Isso inclui a luta legítima dos povos pela autodeterminação. Nem sequer esse direito fundamental definido na Carta das Nações Unidas justifica o assassinato e a mutilação deliberados de civis e não-combatentes. (...) B. Devemos encarar as condições que podem ser aproveitadas pelos terroristas 21. As Nações Unidas e a comunidade internacional devem encarar as seguintes condições que podem ser aproveitadas pelos terroristas: 1. As ideologias extremistas e a desumanização das vítimas (...) 2. Os conflitos violentos (...) 3. A má governação, a falta de direitos civis e os abusos dos direitos humanos (...) 4. Descriminação por motivos religiosos e étnicos, exclusão política e marginalização socioeconómica (...) III. Negar aos terroristas o acesso aos meios para levar a cabo os seus ataques (...) IV. Fazer com que os Estados desistam de prestar apoio aos grupos terroristas (...) 71. Todos os Estados devem impedir que os grupos terroristas mantenham centros de treino no seu território, onde potenciais recrutas estão expostos a ideologias perigosas e a conhecimentos e técnicas ainda mais perigosos. Os países que careçam de capacidade para isto devem trabalhar com a comunidade internacional para desenvolver essa capacidade e fomentar uma situação real de Estado de Direito. (...) 73. Em algumas ocasiões, foi solicitado à Nações Unidas que investigassem actos de terrorismo, especialmente quando se suspeita da possibilidade de implicação de terceiros. Se, no futuro, Estados solicitarem essas investigações, os Estados-Membros deverão considerar devidamente os melhores mecanismos para apoiar essas actividades e dotá-los de recursos. O Conselho de Segurança deve actuar prontamente para adoptar as decisões necessárias, incluindo – em função de cada caso concreto – medidas sob o Capítulo VII da Carta contra os Estados ou seus nacionais que incitem ou contribuam para a realização de actos de terrorismo. V. Desenvolver a capacidade dos Estados para prevenir o terrorismo (...) VI. Defender os direitos humanos no contexto do terrorismo e da luta contra o terrorismo (...) 111. (...) Nenhum fim justifica os ataques intencionais contra civis e não--combatentes. Os actos terroristas são uma violação do direito à vida, a liberdade, a segurança e o bem-estar e o direito a viver sem medo. Por conseguinte, os Estados também têm a obrigação, na perspectiva dos direitos humanos, de adoptar e implementar medidas eficazes para combater o terrorismo. (...)
Resolução 1373 do CSNU, 28 Setembro 2001 « Actuando no âmbito do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, (...) 2. Decide também que todos os Estados devem: a) Abster-se de dar qualquer tipo de apoio, activo ou passivo, a entidades ou pessoas envolvidas em actos terroristas, incluindo através de supressão dos mecanismos de recrutamento dos grupos terroristas e eliminando os fornecimentos de armas aos terroristas; b) Tomar as medidas necessárias para prevenir a ocorrência de actos terroristas, incluindo pelo fornecimento de alerta precoce a outros Estados pela partilha de informações; c) Negar santuários àqueles que financiam, planeiam, apoiam ou cometam actos terroristas; d) Impedir que aqueles que financiam, planeiam, apoiam ou cometam actos de terrorismo usem os seus territórios para tais propósitos contra Estados ou seus cidadãos; e) Assegurar que qualquer pessoa que participe no financiamento, planeamento, preparação ou perpetração de actos terroristas ou no apoio a actos terroristas seja levado perante a justiça e assegurar que, independentemente de quaisquer outras medidas, tais actos terroristas são estabelecidos como graves ofensas criminais nas leis internas e regulações e que a pena aplicada reflecte a gravidade de tais actos terroristas. (...) 5. Declara que os actos, métodos e práticas de terrorismo são contrários aos princípios das Nações Unidas e que o financiamento, o planeamento e o incitamento de actos terroristas são igualmente contrários aos propósitos e princípios das Nações Unidas (...)». Resolução 1377 do CSNU, 12 Novembro 2001 « (...) Declara que os actos do terrorismo internacional constituem uma das mais sérias ameaças à paz e segurança internacional no Século XXI; Declara também que os actos do terrorismo internacional representam um desafio para todos os Estados e toda a Humanidade; Reafirma a sua inequívoca condenação de todos os actos, métodos e práticas de terrorismo como criminosos e injustificáveis, quaisquer que sejam as suas motivações, em todas as suas formas e manifestações, cometidos em qualquer lugar e sob qualquer forma; Entende que os actos do terrorismo internacional são contrários aos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas, e que os seus financiamento, planeamento e preparação, bem como qualquer outra forma de apoio para actos de terrorismo internacional são igualmente contrários aos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas; (...) Apela a todos os Estados para tomarem medidas urgentes a fim de implementarem a Resolução 1373 (2001), e que se apoiem uns aos outros nesse processo, e sublinha a obrigação dos Estados em negar apoio financeiro ou quaisquer outras formas de apoio e santuário aos terroristas e àqueles que apoiam o terrorismo (...)» Resolução 1540 do CSNU, 28 Abril 2004 « (...) Actuando em conformidade com o Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, 1. Decide que todos os Estados devem abster-se de fornecer qualquer tipo de apoio aos agentes não estatais que procurem desenvolver, adquirir, fabricar, possuir, transportar, transferir ou empregar armas nucleares, químicas ou biológicas e seus sistemas vectores; 2. Decide também que todos os Estados, em conformidade com os seus procedimentos nacionais, devem adoptar e aplicar leis apropriadas e eficazes que interditem a todos os agentes não estatais a fabricação, a aquisição, a posse, o desenvolvimento e transporte, a transferência ou o emprego de armas nucleares, químicas ou biológicas e seus sistemas vectores, em particular com fins de terrorismo, assim como as tentativas de realizar qualquer das actividades antes mencionadas, participar nelas na qualidade de cúmplices, prestar-lhes assistência ou financiá-las» .
Declaração final da Cimeira Mundial da ONU, Setembro de 2005 Terrorismo 81. Condenamos energicamente o terrorismo em todas as suas formas e manifestações, independentemente de quem o cometa e onde e com que propósitos, pois constitui uma das ameaças mais graves para a paz e a segurança internacionais. (...) 86. Reiteramos o nosso apelo aos Estados para que se abstenham de organizar, financiar, encorajar, capacitar ou apoiar de qualquer outra forma as actividades de terrorismo e para que adoptem as medidas apropriadas a fim de que os seus territórios não sejam utilizados para essas actividades.* Luis Tomé Licenciado em Relações Internacionais pela Universidade Autónoma de Lisboa. Mestre em Estratégia pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Doutorando em Relações Internacionais na Universidade de Coimbra. Professor na UAL e Professor convidado no Instituto de Altos Estudos Militares e no Instituto de Defesa Nacional. Investigador e Membro do Conselho Directivo do Observatório de Relações Exteriores da UAL.
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