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- JANUS 2007 -



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O armamento nuclear no mundo

Luís Moita *

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Quatro tendências parecem assinalar a presente situação mundial no domínio do armamento nuclear: primeira, verifica-se uma redução significativa do número dessas armas; segunda, a posse das mesmas é detida por um crescente número de países; terceira, o maior risco de proliferação situa-se no continente asiático; quarta, persiste uma forte incerteza quanto aos critérios políticos para a possível utilização do armamento nuclear em cenário de crise ou de guerra.

 

Redução quantitativa

A primeira verificação é comprovada por todos os estudos, como também se pode ver no quadro que resume o número de armas, primeiro atómicas e depois termonucleares, detidas pelas cinco potências “oficialmente” nucleares: os Estados Unidos, a Rússia, a França, o Reino Unido e a China, aqueles que, na prática, não são abrangidos pela proibição dessas armas imposta pelo Tratado de Não Proliferação (assinado a partir de 1968, em vigor desde 1970, prorrogado indefinidamente em 1995, o TNP é considerado o mais universal dos tratados internacionais, dado que só quatro países do mundo não o assinaram: Índia, Paquistão, Israel e Cuba). No quadro em referência vê-se a cronologia do acesso ao armamento nuclear (EUA em 1945, a URSS em 1949, o Reino Unido em 1953, a França e a China em 1964). Por aí também se faz uma ideia de quais foram os níveis dificilmente imagináveis atingidos pela corrida armamentista, com o clímax em 1986, ano em que o número de ogivas nucleares ultrapassou as 70.000. De então para cá, como consequência normal do termo da Guerra-Fria, esses níveis não pararam de baixar, até atingirem actualmente um patamar próximo das 27.000, que baixaria para 16.000 se descontássemos as ogivas que estão em reserva, mais ou menos desactivadas ou em vias de desmantelamento.

Esta redução quantitativa, sendo seguramente positiva ao assinalar de algum modo o fim da era do “equilíbrio do terror”, não pode ocultar a realidade de se manter uma escalada na sofisticação e na miniaturização dos armamentos, qualitativamente mais perigosos, além de que uma boa parte da diminuição em causa poderá reflectir apenas o desmantelamento de armas tecnologicamente obsoletas. Simultaneamente, constata-se uma forte diminuição dos ensaios nucleares (ver caixa), sobretudo os efectuados na atmosfera, como consequência lógica do TICE – Tratado de Interdição Completa de Ensaios Nucleares, assinado na Conferência do Desarmamento, em Nova Iorque, no ano de 1996.

 

Proliferação horizontal

Em contraposição com estes dados de sinal positivo, é crescente o número de países detentores da arma nuclear. No momento em que baixa o risco de proliferação vertical (multiplicação em espiral do armamento dos mesmos países), aumenta o perigo da proliferação horizontal (cresce o número de sócios do clube atómico). Israel de há muito é membro “clandestino”, nunca assumido, deste clube. Desde 1998, a Índia e o Paquistão detêm “oficiosamente” a bomba nuclear. Em 2003, a Coreia do Norte desvincula-se do Tratado de Não Proliferação. São conhecidas as ambições do Irão (ver outras páginas deste Anuário). O Japão e a Coreia do Sul, na Ásia, e mesmo o Brasil na América do Sul, parecem hesitar e não afastam a opção pelo nuclear (não apenas civil, mas se necessário, militar).

Como se não bastasse a multiplicação de países “nucleares”, tem-se hoje como certa a existência de redes clandestinas e de agentes para-estatais a actuarem neste domínio. O caso mais célebre foi protagonizado por Abdul Qadeer Khan, o “pai” da bomba paquistanesa, que desde os anos 1960 dirigiu o programa de pesquisa nuclear e que em 2004 “confessou” ter vendido tecnologia ao Irão, à Coreia do Norte e à Líbia, tendo o cuidado de salientar que o fez por conta própria, sem qualquer autorização do seu governo (o que não é fácil de acreditar, dada a sua proximidade aos meios militares e o controlo oficial dos programas e instalações nucleares). Para a Agência Internacional da Energia Atómica este caso continua por esclarecer e a confissão de Khan é apenas a ponta do iceberg, num vasto mundo de redes ilícitas de comércio clandestino onde se negoceiam elementos como o urânio enriquecido, as centrifugadoras, ou os planos das armas. Estima-se que esta “rede” teria ramificações em países tão diferentes como a Alemanha, o Dubai, a Malásia, a África do Sul, a Holanda e o Sri Lanka.

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O risco asiático

Como vimos, a proliferação horizontal parece especialmente perigosa na Ásia, desde Israel à Coreia do Norte, passando pelo Paquistão e pela Índia. A posse por esses países da arma nuclear torna particular-

mente sensíveis as zonas de tensão no Médio Oriente, em Caxemira e na península da Coreia, ao mesmo tempo que induz outros países da região a considerarem a opção nuclear como justificada. Segundo já referimos, as tentações do Irão, por um lado, e do Japão, de Taiwan e da Coreia do Sul, por outro, devem ser lidas neste contexto.

O caso de Israel representa uma situação limite de secretismo. Mas já em 1986 o Sunday Times dava eco às revelações do Sr. Vanunu, técnico da central nuclear de Dimona, no deserto do Neguev, acerca da extensão do programa nuclear israelita. Desde então, estima-se que o arsenal de Israel se aproxima do francês e do inglês, passado que foi o período de intensa colaboração com os sul-africanos, ainda na vigência do apartheid . Alguns analistas consideram que haveria hoje uma espécie de eixo EUA / Israel / Índia no domínio do nuclear (a expressão é do conselheiro de segurança do primeiro-ministro indiano). Entre a Índia e Israel há certamente formas de cooperação, quanto mais não seja porque ambos os Estados receiam o poderio do Paquistão, detentor da “bomba islâmica”. E em 2 de Março de 2006, em plena efervescência pela crise do nuclear iraniano, o presidente norte-americano foi à Índia assinar um acordo de cooperação nuclear (logicamente civil…), no que diversos comentadores consideraram como a subida da Índia, pela mão dos EUA, à “primeira divisão” do clube atómico.

Segundo um investigador francês, “hoje o problema nuclear não se situa na região do mundo que vai de Vancouver a Vladivostok” (em referência aos pontos extremos da geografia do mundo bipolar), “mas na região que vai de Tamanrasset a Tóquio; as outras regiões do mundo estão hoje, do ponto de vista dos equilíbrios estratégicos, pacificadas ou desnuclearizadas” (Bruno Tertrais, em armees.com ). Entenda-se: existindo em Tamanrasset, no deserto da Sara argelino, um centro de investigação nuclear, a linha imaginária que vai da Argélia ao Japão, percorrendo todo o sul da Ásia, simbolizaria o traçado de risco da possível proliferação nuclear.

 

Incerteza das doutrinas militares

A legitimação clássica do armamento nuclear assentava, como é sabido, no conceito de dissuasão. A bomba atómica e depois termonuclear justificar-se-ia como elemento de prestígio, de poderio simbólico, de capacidade de chantagem, de ameaça susceptível de desencorajar qualquer agressão, mas em rigor não era uma arma para ser usada, embora as “doutrinas militares” consagrassem os critérios da sua eventual utilização. E como se pode ver na caixa respectiva, num certo número de situações essa utilização foi seriamente ponderada pelos responsáveis políticos.

Actualmente vigora uma margem de incerteza quanto ao entendimento do uso da arma nuclear. A convicção de que uma eventual guerra desse nível poderá não ter vencedores nem vencidos bloqueia as hipóteses de utilização militar. A previsão de custos humanos e ecológicos literalmente insuportáveis impede qualquer legitimação aos olhos das opiniões públicas. Subsiste a dúvida quanto à utilização de armas de pequeno potencial, em pleno teatro de operações, cujos efeitos se poderiam virar contra o agressor. A bomba nuclear pode ser lançada como “primeiro tiro”, ou apenas como resposta a iniciativa do adversário? Mas haverá tempo para o fazer?

Este nível de incerteza torna mais surpreendente a declaração do Presidente francês Jacques Chirac, em 19 de Janeiro de 2006, ao ameaçar com armas não convencionais (logo, nucleares) “os países cujos dirigentes recorressem a meios terroristas ou que encarassem a utilização de armas de destruição massiva”. Interpretada como dirigida ao Irão, esta ameaça parece recuperar a tão criticada “guerra preventiva” (bastando, pelos vistos, que seja “encarada” a utilização... para que o ataque se justifique) e deixa em aberto se a force de frappe francesa poderá ser usada como “primeiro tiro” numa situação de crise.

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Informação Complementar

Iniciativas de contra proliferação

Em oposição à lógica da escalada contínua, um certo número de situações permite comprovar a viabilidade da lógica de recusa do nuclear.

Em 1967, na Cidade do México, é assinado o Tratado de Tlatetolco (antiga cidade azteca do Vale do México) que declara toda a América Latina livre de armas nucleares. Em 1985, é assinado o Tratado de Rarotonga, com o mesmo fim para todo o Pacífico Sul, envolvendo a Austrália, a Nova Zelândia, a Nova Guiné-Papua e diversos arquipélagos do Pacífico, entre eles as Ilhas Cook (cuja capital é justamente Rarotonga). Em 1996, é assinado no Cairo um acordo para a desnuclearização da África, o Tratado de Pelindaba (do nome da localidade próxima de Pretória onde se situavam as instalações nucleares sul-africanas).

Além destas iniciativas multilaterais, outras de carácter unilateral se verificam. Em 1991, a Ucrânia, a Bielorrússia e o Cazaquistão, territórios da antiga URSS onde existiam instalações nucleares, prescindem voluntariamente desse armamento, restituindo-o à Rússia. Em 1993, a África do Sul, que possuiria sete ogivas nucleares desde os anos 80, decide desmantelá-las. Por sua vez, em 1994 é a vez do Brasil e da Argentina renunciarem aos seus programas nucleares, não obstante possuírem ou estarem em vias de possuir a necessária tecnologia, no que são imitados pela Líbia em 2003 (na sequência de negociações secretas com norte-americanos e europeus).

Não propriamente segundo uma lógica idêntica a estas inicativas, já anteriormente os britânicos tinham desmantelado a sua base de ensaios nucleares na Austrália, tal como os franceses fizeram nas suas instalações do tempo da ocupação colonial em Tamanrasset, no sul do Sara argelino.

 

Ameaças de utilização do nuclear após 1945

A utilização de armamento atómico e termonuclear foi seriamente encarada em diversas circunstâncias ao longo dos anos que se sucederam à tragédia de Hiroxima e Nagasaki. Contrariando a ideia de que essas armas não existem para ser utilizadas, limitando-as a um papel dissuasor, a verdade é que em momentos de tensão crítica o seu uso foi ponderado e mesmo autorizado. Pode estabelecer-se um inventário incompleto dos principais momentos de ameaça nas primeiras décadas do pós-guerra, recorrendo a dados compilados pelo Institut pour la Recherche sur l'Énergie et l'Environement e por outras fontes dispersas.

1946 – O presidente Truman ameaçou largar a superbomba sobre Moscovo se os soviéticos não retirassem das regiões Norte do Irão ocupadas durante a guerra.

1950 – O mesmo presidente, quando os marines americanos ficaram cercados por tropas chinesas no reservatório de Chosin, na Coreia, anunciou que encarava a utilização de armas nucleares.

1953 – O presidente Eisenhower ameaçou secretamente a utilização de armas nucleares durante a guerra da Coreia.

1954 – O secretário de Estado Foster Dulles propôs secretamente à França três armas nucleares tácticas Mark 21 contra as tropas vietnamitas que cercavam as forças francesas em Dien Bien Phu.

1958 – O presidente Eisenhower autorizou secretamente a utilização de armas nucleares contra a China, no caso de invasão da Ilha de Quemoy, então controlada pelas tropas de Chang Kai-Chek.

1962 – Crise dos mísseis em Cuba, com os dispositivos nucleares das duas superpotências em alerta máximo.

1969 – A União Soviética ameaça a China com um ataque nuclear, face à intensificação de conflitos fronteiriços.

Nos tempos mais recentes a ameaça nuclear tem pairado difusamente sobre os conflitos de envergadura, nomeadamente os do Médio Oriente. No início da guerra do Yom Kippur, em Outubro de 1973, na perspectiva de um ataque sírio-egípcio, Golda Meir e Moshe Dayan, primeira-ministra e ministro da Defesa de Israel, tomam a decisão secreta de activar 13 ogivas nucleares para serem lançadas contra esses dois países por mísseis Jericó I e por caças-bombardeiros. Em 19 de Janeiro de 2006, em plena crise em torno do programa nuclear do Irão, o presidente francês Chirac surpreendeu o mundo com a ameaça de usar armamento nuclear contra “os Estados que recorrerem a meios terroristas contra nós, ou que encararem a possibilidade de utilizar, de uma maneira ou de outra, armas de destruição massiva”.

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Balanço do poder nuclear

Em complemento do quadro relativo aos cinco Estados oficialmente nucleares, pode tentar-se um balanço sobre o poderio dos vários Estados detentores desse armamento, sabendo de antemão que é um domínio onde reina o secretismo e onde é de regra a disparidade de informações fornecidas pelas diversas fontes, mesmo as mais autorizadas. Tanto mais que uma “contabilidade” rigorosa das armas nucleares obriga a distinções entre domínios de fronteiras por vezes mal definidas, como é o caso das armas estratégicas (de longo alcance) e as tácticas (para utilização no “teatro de operações”). Além disso, muitas das armas inventariadas estão na situação de reserva mais ou menos inactiva, ou mesmo em fase de desmantelamento. Por outro lado, os dados quantitativos são frequentemente enganadores, porque a estatística das armas não dá conta das suas especificações técnicas, nem da capacidade dos vectores (meios de transporte das armas) e estes elementos poderão ser decisivos para a respectiva utilização militar.

Segundo o prestigiado SIPRI de Estocolmo, com dados relativos a 2006, o potencial nuclear estaria assim distribuído:

EUA : 5.521 ogivas, das quais 500 não-estratégicas; se somarmos as reservas atinge-se cerca de 10.400.

Rússia : 5.682 ogivas, das quais 2.330 não estratégicas; calcula-se que existam mais 10.000 armas em reserva ou em fase de desmantelamento.

França : 348 ogivas estratégicas, das quais 80% a partir de submarinos.

Reino Unido : 185 ogivas estratégicas.

China : 130 ogivas estratégicas, havendo dúvidas quanto à existência de armas tácticas.

Índia : aproximadamente 50 ogivas nucleares.

Paquistão : aproximadamente 60 ogivas nucleares.

Israel : entre 100 e 200 ogivas nucleares.

Segundo outras fontes, porém, como seja por exemplo a Federation of American Scientists , a China disporia de ogivas num número entre 402 e 410, tornando-se, ao ultrapassar a França, a terceira potência nuclear. Por último, permanece a incógnita quanto ao arsenal norte-coreano, a quem são habitualmente atribuídas duas armas nucleares já operacionais.

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* Luís Moita

Vice-reitor da Universidade Autónoma de Lisboa.

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