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- JANUS 2007 -



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Direito à educação como garante da integração social

Fernando Silva *

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A organização de um Estado não pode dispensar a concretização de uma política de educação. Não é possível integrar membros numa comunidade se esta não estiver preparada e organizada, de modo a inserir as crianças num plano de formação e educação que permita assegurar a transmissão de valores, de regras, de princípios e de ensinamentos. Mas o sentido desta necessidade de educação é mais abrangente do que uma transmissão de ensinamentos, ou do que o assegurar a herança cultural, ou científica da comunidade. A educação deve ser proporcionada de forma a garantir a integração do indivíduo na sociedade, habilitando-o para os valores, proporcionando-lhe acesso a instrumentos essenciais para um desenvolvimento harmonioso.

 

O direito à educação e a função educativa

A criação de um plano educacional para todos constitui um direito individual dos membros da comunidade, mas é também um interesse da própria comunidade e do Estado. Reúnem-se nesta exigência interesses individuais e comunitários.

O sistema educativo deve ser encarado de uma forma global e abrangente, sendo o resultado de um esforço colectivo a envolver uma tripla realidade, centrada em torno da criança, como elemento central da educação:

Parafraseando Maria Ferraz Festas, (“O papel da família e da Escola na prevenção da delinquência”. In Cadernos Malhoa , n.º 3, 2002, p. 92), “é possível criar um mundo melhor, gerando ambientes educativos favoráveis ao desenvolvimento harmonioso do sujeito. Primeiro na família, através de uma educação de pais que os leve a adoptar atitudes educativas que ajudem os seus filhos a crescer saudavelmente. E se muitos estudos nos indicam que não é fácil actuar ao nível da família, a escola oferece-se como espaço privilegiado de actuação e abre-nos as portas a uma renovada esperança”.

O Estado é responsável pelos cidadãos que forma. A criação de um sistema educativo que proporcione a todos o acesso a uma rede educacional estruturada representa um pilar fundamental de uma política de integração. O sistema deve apresentar-se de forma complexa e recíproca; assim, em primeiro lugar, é o Estado a assumir a sua função, proporcionando ao sujeito, enquanto criança e, portanto, no seu primeiro estádio de desenvolvimento, as bases culturais, cívicas e científicas para seu completo crescimento e para estruturação da sua personalidade. E deve fazê-lo de modo a proporcionar a todos, em igualdade de circunstâncias, o livre acesso à educação que o sistema tem para lhe oferecer.

Numa segunda fase, o Estado irá recolher os frutos do sistema que tenha criado, podendo exigir que aqueles que receberam a educação retribuam ao Estado, à comunidade, à família a generosidade reflectida no seu comportamento e contributo para a manutenção do sistema.

A criação de um sistema educativo cuidado, que seja assumido como prioritário, constitui uma exigência global, formulada a todos e requerida e exigida por todos. A educação da criança e do sujeito não pode deixar de ser entendida como um benefício da sociedade, a qual nela se reflecte, de forma a propiciar o normal e desejado equilíbrio comunitário, tanto a nível estadual como supra-estadual.

O caminho para a integração social é trilhado pela implementação de um modelo valorativo no sistema educacional; neste contexto, a criança, enquanto destinatário principal dos instrumentos e meios educacionais, tem conhecido um amplo enquadramento, marcado por uma preocupação das estruturas supra-estaduais. Os Estados e as organizações internacionais esforçam-se por fazer sobrepor uma política de promoção dos valores educativos, nomeadamente em sede de educação para a cidadania. Numa perspectiva que encara a criança de forma universal, como cidadão do mundo, a merecer idênticos quadros axiológicos, direccionados para os valores da humanidade, temos assitido à extensão universal da consagração do direito à educação como prioritário nas políticas sociais.

 

A consagração do direito à educação

A concretização da função educativa, resumida no número anterior, influenciou directamente os Estados a assumirem o compromisso de velarem pela criação de condições para proporcionar efectivamente este “direito à educação”.

A Convenção sobre os Direitos das Crianças determina, no art.º 28.º, o compromisso do reconhecimento do direito à educação a todas as crianças, impondo que o mesmo seja assegurado de forma a garantir o efectivo exercício desse direito e em igualdade de oportunidades. Com o intuito de concretizar este direito, os Estados partes assumem um duplo plano de intervenção:

a) O âmbito interno, onde se vinculam a: tornar o ensino primário obrigatório e gratuito para todos; encorajar a organização de diferentes sistemas de ensino secundário, com carácter público e acessível a todas as crianças; tornar o ensino superior acessível a todos; tornar a informação e a orientação escolar acessível a todas as crianças; tomar medidas para encorajar a frequência escolar regular, assumindo igualmente a gestão do sistema de ensino.

b) O plano externo , onde se pretende promover a encorajar a cooperação internacional no domínio da educação, numa tentativa de encorajar a globalização da igualdade de oportunidades e de acesso à formação e aos conhecimentos científicos, técnicos e tecnológicos.

O reconhecimento do direito à educação, em sede da convenção, está em perfeita harmonia e consonância com a postura dos vários Estados, os quais assumem o direito à educação como um direito de ordem social, fundamental e inalienável. A maioria dos textos constitucionais impõe como obrigação do Estado proporcionar o efectivo acesso à educação.

Embora este direito não seja assumido em todos os ordenamentos de modo igual, verificando-se algumas diferenças na forma e no conteúdo concreto das obrigações do Estado e da família nesta matéria, podemos encontrar alguns traços comuns a marcarem a forma como o direito à educação se vai concretizando e adquirindo relevância.

A grande maioria dos Estados acaba por assumir a educação como uma função sua, mas também da família. Em regra, impõe-se ao primeiro a obrigação da criação de condições para assegurar o efectivo acesso à educação, em que muitos Estados se comprometem, inclusive, a assegurar a gratuitidade da mesma, sob a matriz de um Estado intervencionista, que chama a si o protagonismo de impulsionar a criação de uma rede de infra-estruturas que permitam oferecer garantias de resposta para as necessidades educacionais e ainda de proporcionar a todos o acesso a esse sistema. Quanto aos pais, ou à família, é-lhes imposto o dever de proporcionarem aos filhos o acesso à educação, sem que tal seja sempre efectuado pela via da obrigatoriedade de frequência da escola, mas que seja inserido num quadro axiológico adequado aos fins educacionais.

As Constituições repartem entre o Estado e os pais a obrigação da criação de meios que garantam o acesso efectivo à educação e que permitam às crianças a possibilidade de aceder a esses meios.

Neste capítulo, dois textos constitucionais merecem particular referência, o de Espanha e o do Peru, em que se faz menção expressa ao objectivo da educação assegurar o pleno desenvolvimento da pessoa humana. Aliás, é sob esse fito que todos os ordenamentos acabam por reconhecer esse direito e impor ao Estado o dever de promover um sistema educacional adequado.

Neste contexto, verifica-se ainda uma tendência generalizada para considerar que a impossibilidade, o impedimento, ou, simplesmente, o não proporcionar a alguma criança esta possibilidade é entendido como factor de risco, justificando a intervenção das entidades públicas com competência em matéria de protecção de crianças, sejam elas estruturas de natureza estadual ou privada.

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A universalidade da educação

Nos tempos modernos, em matéria de educação das crianças, é pressuposto essencial o princípio de que o desenvolvimento humano e equilibrado assenta na globalização da educação. Conferindo a esta actividade um sentido universal, sem que tal signifique a perda de identidade e cultura própria de cada Estado, mas sim que cada Estado entenda e aceite que ninguém deve ser privado do acesso a tal direito e que o mesmo constitui um pilar fundamental na formação da humanidade.

Esta universalidade pode justificar-se:

• Porque os Estados partem do reconhecimento de que todas as crianças devem ter os mesmos direitos, independentemente do país em que estão integradas;

• Porque desta forma se garante, ou, pelo menos, se contribui para minimizar a eventualidade de exclusão social, promovendo a integração de cada um, com as vantagens evidentes que tal proporciona;

• Porque o acesso de todos à ciência, à tecnologia, à informação permite assegurar a sua continuidade e desenvolvimento;

• Porque a educação e formação adequadas para cada criança, constituem um importante contributo para a construção de uma sociedade mais justa e equilibrada.

A garantia efectiva do direito à educação significa, em primeiro lugar, a concretização da sua universalização, em que o principal objectivo consiste em garantir que todos os cidadãos, na sua infância, vejam assegurado o acesso à educação, independentemente, do enquadramento cultural, religioso ou social em que se insiram. Os Estados estão envolvidos na obrigação de afirmar este direito, mantido sob um sentimento colectivo de reciprocidade, semelhante a uma relação de “dar e receber”. Pois a educação universalizada pode ser o caminho para a integração, com a vantagem e benefícios que tal acarreta para o seu titular, mas também para a comunidade. Um Estado que proporcione uma plena integração social, beneficia com a tendencial pacificação que essa situação pode garantir.

Este reconhecimento corresponde à ideia de que apenas se consegue a obtenção do desiderato visado se for possível adoptar uma visão global, não discriminatória, em que o valor da educação seja concebido como universal e a sua implementação seja construída à escala mundial, de modo a garantir que ninguém seja privado de um direito essencial, sob pena da criação de desequilíbrios sociais e culturais, que muitas vezes estão na base de conflitos interestaduais.

Assim, pretende-se reconhecer que a educação deve destinar-se a todos, em igualdade de oportunidades.

O conceito de educação é naturalmente encarado de forma mais abrangente do que simplesmente a de ensino, sem negar que este se integra como principal instrumento para assegurar a educação. Para utilizar uma expressão de Reis Monteiro, hoje registamos um “novo direito à educação”, marcado pela sua integração no plano do direito internacional e pela elevação da educação ao estatuto normativo de direito humano. Como assinala Katarina Tomasevksky, o direito à educação deve ser encarado como uma ética, inscrita na ética do ser humano, a qual se revela obrigatória para toda a educação e em toda a parte, devendo mesmo prevalecer sobre outros valores e tradições. É esta projecção da educação no plano dos direitos humanos que marca um novo paradigma, assente numa nova concepção acerca da própria educação. Neste contexto tem plena actualidade o conceito de educação emitido no Congresso da Liga Internacional para a Educação Nova (Nice – 1932) que a definiu assim: “ Educação consiste em favorecer o desenvolvimento tão completo quanto possível das aptidões de cada pessoa, ao mesmo tempo como individuo e como membro de uma sociedade regida pela solidariedade ”.

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Informação Complementar

A evolução histórica da consagração do Direito à Educação

A consagração internacional do direito à educação conheceu um percurso que antecedeu a sua consagração em sede da Convenção sobre os Direitos das Crianças. Tal consagração conheceu alguns marcos históricos relevantes.

A Declaração de Genebra (1924) fazia já uma primeira referência à obrigação dos pais de colocar a criança em condições de desenvolver-se de modo normal, material e espiritualmente , e de ganhar a sua vida. Impondo ainda o dever de educação da criança de forma a desenvolver as suas melhores qualidades e a colocá-las ao serviço dos seus irmãos . Ainda que de forma pouco concisa, verifica-se já uma primeira forma de consagração do direito à educação, ou, pelo menos, de reconhecimento dessa necessidade.

Na Declaração dos Direitos da Criança (1959) reitera-se a consagração do princípio relativo à necessidade de assegurar o direito à educação, o que está contemplado em vários princípios da Declaração, merecendo destaque a afirmação de que a criança tem direito a uma educação que deve ser gratuita e obrigatória . Declara ainda que a educação deve ser ministrada de forma a fazer a criança beneficiar de uma educação que contribua para a sua cultura geral e lhe permita, em condições de igualdade de oportunidades, desenvolver as suas faculdades , determinando que a orientação daqueles que têm a responsabilidade pela educação e orientação da criança se guiem pelo seu interesse superior.

Os trabalhos e projectos que antecederam a Convenção sobre os Direitos das Crianças foram, progressivamente, reiterando e intensificando a necessidade de se acolher o direito à educação, na tentativa de assegurar que todos os Estados se reveriam nesta necessidade e assumiriam esta obrigação. As principais dúvidas foram incidindo sobre os direitos dos pais, a gratuitidade escolar e a identidade cultural. A versão final, consagrada no Art.º 28.º da Convenção, acabou por não ser tão veemente na consagração destes princípios como os projectos que a antecederam, revelando-se mais como indicações e tendências de postura a adoptar do que enquanto obrigações impostas ao Estado. Constante tem sido o trabalho do Comité dos Direitos da Criança, que, no acompanhamento feito aos Estados, sobre a forma como vão cumprindo as disposições da Convenção, tem manifestado preocupação em que a educação seja orientada para o desenvolvimento harmonioso da criança , sempre presidida pelo interesse superior desta.

 

O Direito à Educação nas Constituições europeias

Os Estados europeus destacam-se entre os que, de forma mais intensa, têm assegurado o direito à educação, facto para o qual tem contribuído a acção da União Europeia, cada vez mais actuante sobre as políticas sociais. Muitos são os que garantem, de forma desenvolvida, o direito à educação, fazendo derivar para o Estado a incumbência de promover o acesso e respeito por este direito.

Assinalamos as Constituições europeias que de forma mais arrojada estipulam este direito:

Espanha: art.º 27, da Constituição do Reino de Espanha – “1. Todos têm o direito à educação. É reconhecida a liberdade de ensino. 2. A educação terá como objectivo o pleno desenvolvimento da personalidade humana, com o respeito pelos princípios democráticos de convivência e pelos direitos e liberdades fundamentais…5. Os poderes públicos garantem o direito que os pais têm de propiciar aos seus filhos formação religiosa e moral em conformidade com as suas próprias convicções.”

Irlanda: art.º 42º, da Constituição da República da Irlanda – “1. O Estado reconhece que o primeiro e natural educador da criança é a família e promete respeitar o direito e o dever inalienáveis dos pais de assegurarem, segundo as suas possibilidades, a educação religiosa e moral, intelectual, física e social dos seus filhos…4. O Estado assegura uma educação primária gratuita e procura completar e ajudar, de alguma forma, as iniciativas de educação, sejam elas de carácter privado ou comunitário. Se o bem público o exigir, criará possibilidades de instrução, respeitando, no entanto, o direito dos pais, especialmente em matéria de formação religiosa e moral.”

Itália: art.º 30º da Constituição da República Italiana – Os pais têm o dever e o direito de manter, instruir e educar os seus filhos, mesmo que estes tenham nascido fora do casamento…

Holanda: art.º 23º da Constituição do Reino dos Países Baixos – “1. O governo zela de forma constante pelo ensino. 2. O ensino pode ser livremente exercido, sob reserva de inspecção dos poderes públicos e, no que diz respeito às formas de ensino especificadas pela lei, pelo exame à competência e à moralidade dos docentes, conforme se disponha na lei.”

Portugal: Art.º 73 da Constituição da República Portuguesa – “1. Todos têm direito à educação e à cultura. 2. O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância , de compreensão mútua e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida colectiva.”

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* Fernando Silva

Licenciado em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa. Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa. Doutor em Direito pela UAL. Professor no Departamento de Direito da UAL e advogado. Presidente da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em perigo de Caldas da Rainha. Autor de várias publicações na área do Direito Penal e do Direito das Crianças.

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