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- JANUS 2007 -



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Os modelos do modelo social europeu na UE alargada

Paulo Pedroso *

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Sob o impacte político da queda do muro de Berlim, a mais pesada tendência europeia do final do século XX foi a da reunificação. No processo, de que o alargamento da União Europeia é uma das linhas fortes, redescobriram--se afinidades não destruídas pela separação de regimes e construíram-se diferenças nos modos de gerir, do ponto de vista social, a transição para a democracia.

Independentemente das opções políticas subjacentes, um modelo social para ser sustentável precisa de ser demograficamente viável, garantindo a substituição equilibrada de gerações, aproveitando as potencialidades de toda a população, o pleno emprego às pessoas em idade activa, a promoção da igualdade socio económica, erradicando a pobreza e contendo a desigualdade em patamares baixos) e custos financeiros contidos para a sociedade.

Todos os modelos pelos quais a Europa tenta aproximar-se deste modelo social ideal falham em algum dos ângulos de abordagem, embora haja afinidades entre eles no modo como tal acontece e nas dificuldades que cada país enfrenta. Essas afinidades seguem tendências geográficas e socio políticas e é possível identificar os países que se aproximam mais de um ou outro modelo. Em última análise, trata-se do modo como cada modelo procura resolver o trilema da transição para as economias pós-industriais (consolidação orçamental, crescimento económico e emprego, equidade na distribuição de rendimentos) (1).

 

A pressão fiscal

A protecção social é uma rubrica pesada dos orçamentos dos Estados europeus. Na UE25, na última década, gastou-se com ela em média, em cada ano, 28% do PIB.

Num período de contenção e reequilíbrio orçamental, dadas as regras e os objectivos do Pacto de Estabilidade e Crescimento, o tema da pressão fiscal sentida pela generalidade das economias avançadas da Europa ganhou grande centralidade no espaço público, embora, ao contrário do que previam os arautos recorrentes da crise, o peso da rubrica tenha parado de crescer na última década nas economias europeias avançadas.

Sublinhe-se contudo que o peso económico da protecção social pode ser abordado de várias maneiras: i) como um custo que onera os orçamentos e diminui a agilidade económica; ii) como um factor produtivo, pelo efeito de estímulo da economia e do emprego; iii) e ainda como um poderoso instrumento contracíclico, uma vez que as transferências sociais têm significado nos orçamentos familiares.

Olhando para os países, o Estado social é particularmente caro nos países escandinavos, mas também nos países continentais, sobretudo na França e na Alemanha.

A excepção à regra reside na Irlanda e nos países bálticos, seguidos a alguma distância por alguns dos países do Sul e outros do Leste.

Com os alargamentos, a Europa integrou economias com níveis díspares de desenvolvimento e as mais atrasadas estão a convergir com as mais avançadas. Consequentemente, a Europa está a tornar-se economicamente mais coesa por via do crescimento das periferias, ao mesmo tempo que tem os seus motores algo arrefecidos pelos fracos índices de crescimento do centro.

Dentro deste padrão, os países dotados de sistemas de protecção social menos pesados financeiramente mostram mais dinamismo económico, sendo a Irlanda e os países bálticos os casos paradigmáticos desta tendência. Ou seja, na Europa está a viver-se um processo em que o progresso de redução das assimetrias económicas territoriais ocorre pelo crescimento mais acelerado dos países com redes de protecção social mais fracas e, se não à custa da coesão social interna dos países centrais, pelo menos por efeito da expansão dos países com mais fracos mecanismos de coesão social interna.

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Os serviços às famílias e os problemas de emprego

Como se referiu anteriormente, o peso do Estado social não é necessariamente contraditório com os níveis de emprego. Tem sido sublinhado o carácter distintivo do modelo social nórdico enquanto factor produtivo. Basicamente, neste modelo, a par da tradicional protecção do rendimento dos trabalhadores e das suas famílias, desenvolveu-se uma vasta gama de serviços às famílias e às comunidades que, tendo custos elevados em despesa pública, gera directamente empregos nos serviços e impulsiona a entrada no mercado de trabalho de contingentes de mão-de-obra que estariam “presos” a funções familiares não remuneradas. Esta terá sido a chave usada para combater a “doença do emprego” que de uma maneira ou de outra afecta quase todos os restantes parceiros europeus e em particular aqueles que viveram transições económicas mais pesadas.

Essas transições têm nos países que saíram da esfera soviética um impacte substancialmente superior ao dos restantes, dada a desarticulação dos segmentos obsoletos da economia. Mas as economias centrais e o Sul partilham com o Leste problemas sérios ao nível do emprego, o que obriga a olhar para os resultados comparativamente bons dos países escandinavos pensando nas especificidades destes últimos.

Uma forma expedita de verificar a ligação entre o modelo social e os níveis de emprego consiste na análise do gap de participação feminina no mercado de trabalho em relação à masculina. Se os serviços às pessoas e às famílias têm impacto duplamente positivo no emprego, onde eles existam os gaps de participação feminina no mercado de trabalho tenderão a ser menores.

Realmente, a diferença entre os sistemas de prestação de serviços públicos às famílias e aqueles em que estas são encorajadas a assumir no seu seio as tarefas da reprodução social é notória: os países escandinavos têm uma participação praticamente igualitária de homens e mulheres no mercado de trabalho enquanto os países do centro europeu, apesar da extensão e diversidade dos apoios financeiros às famílias estão, a este respeito, num patamar inferior e os países do Sul ainda em pior situação.

Os baixos níveis de emprego – quer gerais, quer femininos – têm consequências sociais de longo prazo: representam um desperdício de potencial humano; dada a vinculação da protecção social ao emprego, provocam precarização social; geram desigualdades e dependências dentro das famílias.

Pode contra-argumentar-se defendendo a divisão tradicional de papéis que se expressa na entrega tendencial aos homens da esfera da produção (o homem ganha-pão) e às mulheres da esfera da reprodução, caso homens e sobretudo mulheres estejam dispostos a aceitar tal divisão inigualitária. Os sistemas mais conservadores (e mais antigos) de protecção social desenvolveram--se, aliás, naquela base.

Pode ainda, em alternativa, argumentar-se com a “mercantilização” das tarefas familiares, admitindo que as famílias decidem racionalmente se adquirem serviços no mercado ou se preferem renunciar à parte dos rendimentos que poderiam obter se todos os seus membros adultos entrassem no mercado de trabalho.

No nosso tempo tais alternativas não parecem ser eficientes, se atendermos ao comportamento reprodutivo da geração fértil.

Em primeiro lugar olhemos as constatações mais nítidas. Os países nórdicos acumulam, no quadro europeu, taxas de emprego mais elevadas, gaps de participação feminina mais baixos e taxas de fertilidade mais elevadas (embora sejam também os que mais peso exercem sobre a despesa pública).

Os países do Sul e do centro-leste europeu, com Estados sociais menos desenvolvidos e mais familiaristas que os restantes, têm o quadro oposto: taxas de emprego mais baixas, gaps de participação feminina mais altos e taxas de fertilidade mais baixas.

Há, no entanto, casos de um ajustamento diferente, em que se verifica uma feminização de esforço do emprego, como nos países bálticos e em Portugal. Nestes casos, os gaps entre emprego feminino e masculino são mais baixos mas há uma adaptação demográfica particularmente intensa que se repercute em níveis muito baixos de fertilidade.

Os países escandinavos são, entre os europeus, os que simultaneamente aproveitam melhor o seu potencial humano e garantem melhores condições de substituição geracional, diferenciando-se dos países que, tendo serviços sociais menos desenvolvidos, pagam um preço elevado, seja nos baixos níveis de emprego, nos baixos índices de fertilidade ou em ambos.

 

A desigualdade e a pobreza

As prestações de protecção social têm natureza redistributiva. No entanto, a eficácia redistributiva das prestações sociais não é uniforme. Pelo contrário, se medirmos o impacto das transferências sociais na redução da pobreza na UE25 encontramos, de novo, padrões fáceis de identificar. Só nos países escandinavos as transferências sociais cortam a pobreza em mais de metade da sua incidência. Os países continentais, ainda que eficazes, têm um desempenho menor. Os países que tradicionalmente direccionam as transferências sociais para as famílias mais pobres, por via da imposição de condição de recursos em parte significativa das prestações – como o Reino Unido e a Irlanda – atingem um desempenho próximo e a mais baixo custo. No Sul da Europa o impacto da redistribuição na contenção da pobreza é bastante diminuto, dada a associação entre o carácter marcadamente estatutário das prestações sociais, que promove tendencialmente a redistribuição geracional de recursos dentro dos mesmos grupos sociais e o menor desenvolvimento das prestações a carenciados.

Consequentemente, a vulnerabilidade à pobreza e à desigualdade é muito diferenciada. Os países escandinavos têm a menor desigualdade da Europa. No extremo oposto, os países do Sul (com Portugal a ser o país mais desigual da UE) são acompanhados da parte dos países de Leste, que se dotaram de sistemas de protecção social consumidores de recursos financeiros menos vultuosos. Os países continentais e as economias adjacentes destes a leste encontram-se numa posição intermédia.

A diferenciação entre países europeus quanto aos desempenhos sociais e demográficos é elevada. Como se procurou mostrar pela análise deste grupo restrito de indicadores, ela nem é casuística nem está ligada exclusivamente aos níveis de desenvolvimento económico. Pelo contrário, associa-se a padrões que configuram diferentes modelos do modelo social europeu.

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Informação Complementar

As dinâmicas sociais do alargamento e Portugal

A teoria estabeleceu modelos de Estado de bem-estar a partir dos traços predominantes encontrados num conjunto de economias avançadas, as quais classificou como social-democratas nos países escandinavos, liberais nos anglo-saxónicos e conservadores na Europa continental. A discussão sobre se no Sul da Europa há um modelo específico ou uma variante pobre do modelo continental continua e a leste, das cinzas das economias planificadas, surgiram tendências que se aproximam mais de um ou outro modelo consoante a engenharia adoptada para a instauração do capitalismo democrático.

Aqui vamos procurar analisar os padrões geográficos emergentes com recurso a uma “análise de clusters ” em que se incluíram as dimensões: (a) custo financeiro da protecção social; (b) emprego; (c) fertilidade; (d) pobreza e desigualdade. Os grupos obtidos empiricamente seguem largamente o que a teoria propõe. Quer os países escandinavos, quer os do Sul constituem grupos próprios. Portugal é excepção e afasta-se do seu grupo geográfico para se unir àquele em que se encontram os países anglo-saxónicos, o nordeste e a ponta leste (Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, Eslováquia) e Chipre. Ao centro da Europa, por sua vez, agregam-se os países adjacentes a leste (República Checa, Hungria e Eslovénia).

Os países escandinavos continuam a enfrentar o problema social-democrata: têm mais emprego, maior igualdade de género no emprego, melhor índice de fertilidade, menor desigualdade social e menor pobreza que todos os outros, mas a protecção social absorve uma proporção elevada da riqueza gerada.

Os países vizinhos dos escandinavos para leste – quer os bálticos, quer a Polónia – seguem o padrão liberal: têm sistemas de protecção social pouco dispendiosos, mas registam índices elevados de desigualdade e pobreza, a que se junta o baixo dinamismo demográfico. Mas, ao contrário dos escandinavos, têm registado elevado crescimento económico.

Também os países continentais continuam a enfrentar o dilema que os aflige desde os anos setenta: o sistema de emprego não consegue adaptar-se às novas realidades socio económicas, penalizando fortemente as mulheres e os jovens, com reflexos na recessão demográfica, apesar dos recursos vultuosos alocados às transferências familiares.

Os países limítrofes dos que têm o modelo continental, por sua vez, tendem a ter um desempenho social do mesmo tipo, apesar dos diferentes níveis de desenvolvimento económico, podendo falar-se de uma extensão a leste do modelo conservador.

Os países do Sul da Europa continuam a ter um desempenho social distinto dos restantes: são ineficazes no combate à pobreza e não geram níveis aceitáveis de emprego, ao mesmo tempo que são dispendiosos e penalizadores para as mulheres e os jovens e registam baixos índices de fertilidade.

Os países anglo-saxónicos, por sua vez, eram vistos como a excepção no quadro europeu de ocorrência de um modelo social que florescia além-Atlântico. O seu problema de desempenho reside na pobreza, na desigualdade e nos fenómenos disruptivos que lhe estão associados. Mas o alargamento da UE rompeu com esse quadro de excepção.

Em termos gerais, o efeito do alargamento nos modelos sociais, na última década, materializou-se na expansão a leste do modelo franco--germânico e na transformação do modelo liberal de uma excepção anglo-saxónica num arco periférico no qual se juntam o Reino Unido e à Irlanda, a leste, os países bálticos, a Polónia e a República eslovaca e a oeste, Portugal.

Se o modelo escandinavo tender a manter o seu fechamento geográfico, então a história da próxima década no modelo social europeu será a da tensão entre a expansão do modelo franco-alemão e a convergência para o centro do arco liberal periférico.

Portugal, depois de se ter afastado do padrão dos países do Sul por ter, simultaneamente, mais altos níveis de emprego, melhores indicadores de participação feminina no mercado de trabalho e melhor índice de fertilidade compensados por ainda maiores índices de desigualdade e pobreza, encontra-se numa situação intermédia e enfrenta uma questão séria de opção na Europa alargada: se seguir a via “liberal”, o sistema de protecção social terá que ser aliviado do seu peso, induzindo ainda maior desigualdade e pobreza; se for pela via conservadora, a melhoria da coesão social implica um aumento significativo do desemprego; se escolher a via “escandinava” terá que redesenhar de alto a baixo o Estado social para aumentar o seu potencial redistributivo e que enfrentar custos mais elevados.

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1 - A informação estatística sobre a UE-25, desde 1995, que serviu de base a este texto está acessível em: http://www.janusonline.pt — Janus OnLine.

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* Paulo Pedroso

Professor Auxiliar Convidado do Departamento de Sociologia do ISCTE. Coordenador da equipa de assistência técnica ao Ministério do Trabalho, Solidariedade Social e Família da Roménia na concepção e implementação da política de emprego (2005-2006). Ministro do Trabalho e da Solidariedade (2001-
-2002). Presidente da Comissão Nacional do Rendimento Mínimo Garantido (1996-
-1997) e coordenador do grupo técnico que preparou o lançamento da medida (1995-1996).

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Dados adicionais
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