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Onde estou: | Janus 2007> Índice de artigos > Religiões e política mundial > Movimentos religiosos contemporâneos > [ Sionismo político e sionismo religioso no Estado de Israel ] | |||
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A obstinação e a capacidade de sobrevivência judaica é, sem dúvida alguma, de origem religiosa e a centralidade da Terra de Israel foi sempre o elemento chave do culto e da consciência judaica. Foi este laço espiritual, mas também físico – dado que houve sempre uma presença judaica na Palestina – que impediu o povo judeu de se tornar uma seita religiosa entre outras e a prazo de desaparecer como grupo. Arthur Koestler sublinhou esta realidade, dizendo que “não há nenhum exemplo na História de um povo que tenha sido tão perseguido em todo o lado, que tenha sobrevivido dois mil anos à morte como nação e que, entre os autos-de-fé e as câmaras de gás, tenha continuado a brindar a ‘Para o ano que vem em Jerusalém', com a mesma incansável confiança no sobrenatural” (2). Em todas as épocas e em todas as comunidades, a nostalgia da pátria perdida colocou os judeus no caminho do retorno. É a aliya , “a subida” para a Terra Prometida, considerada pelos rabinos como o primeiro dos mandamentos divinos. A vaga de emigração dos judeus espanhóis e portugueses depois dos decretos de expulsão, em finais do séc. XV, é um exemplo entre tantos outros ao longo da história, revelador do imenso fascínio que a Terra Santa exercia sobre a diáspora judaica que se considerava no exílio em todo o lado. “O meu coração está no Oriente, o meu corpo no Ocidente”, lamenta-se o grande poeta da “Idade de Ouro” do judaísmo espanhol, Judah Halévi. Assim na época em que o sionismo político envia para a Palestina as primeiras vagas de imigração, já lá existem, nunca deixaram de existir, comunidades judaicas nas quatro “cidades santas”: Jerusalém, Tiberíades, Safed, Hébron, testemunhas da continuidade da presença judaica na Palestina. No entanto, dois mil anos de vida comunitária intensa e de fervor religioso, de perseguições e de esperança de Retorno, de presença física na Palestina e de vagas de entusiasmo messiânico foram impotentes para transformar a aspiração em vontade política e a oração em realidade. Foi a Europa moderna, burguesa e liberal que forneceu os instrumentos capazes de tornar o sonho messiânico em realidade: a emancipação judaica, o nacionalismo e o anti-semitismo moderno. A emancipação – consequência da Luzes e da Revolução Francesa – tornaram os judeus concorrentes perigosos e demasiado visíveis, alvo ideal para todos os ressentimentos e acusações – da propagação do vírus revolucionário por parte da direita, da acumulação do grande capital por parte da esquerda. Sobretudo na segunda metade do século XIX em que o liberalismo cede à regressão conservadora e reaccionária, o judeu torna a ser o eterno Outro , o estrangeiro, traidor em potência, cujo símbolo máximo é a figura trágica de Alfred Dreyfus, capitão do exército francês, injustamente acusado e condenado por traição a favor da Alemanha. É nesta segunda metade do séc. XIX que se vai desenvolver a ideologia nacionalista e racista, o anti-semitismo, que levará de novo o judeu “cosmopolita” à exclusão e mais tarde ao genocídio nazi. Que tenha sido a emancipação judaica um dos factores decisivos no surgimento do anti-semitismo moderno é algo que não deixa de nos interrogar.
O sionismo político O sionismo, como projecto político, nasce precisamente do despertar brutal da doce ilusão emancipadora. O incremento do anti--semitismo na Europa Central e Ocidental, onde surgem partidos com programas anti-semitas, na Alemanha, na Áustria e na Hungria, a multiplicação de jornais como La France Juive , em 1886, e La Libre Parole , em França; a explosão dos pogroms sangrentos no Leste, complementados com uma série de leis de excepção, acusações de assassínios rituais e de deportações, tais são as circunstâncias que levam à emergência do projecto sionista, cuja essência é a necessidade de um lar, de uma pátria própria, como condição da “normalização” e até da sobrevivência do povo judeu. É Theodor Herzl, judeu húngaro de língua alemã, que transformará o sionismo num claro programa político de estabelecimento de um Estado judaico na Palestina. A publicação em 1896, do seu livro O Estado Judaico, ensaio de uma solução moderna do problema judaico , escrito sob o choque da humilhante degradação em Paris do capitão Dreyfus, e no ano seguinte, a realização do primeiro Congresso Sionista em Basileia, forneceram o impulso decisivo para a constituição de um poderoso movimento sionista a nível mundial. O congresso formulou claramente o objectivo final do movimento: “O sionismo procura estabelecer um lar para o povo judeu, na Palestina, reconhecido publicamente e garantido juridicamente” e decidiu dotar-se dos instrumentos necessários: a Organização Sionista Mundial, um banco, e uma imprensa em várias línguas. Cinquenta anos e poucos meses depois, nascia o Estado de Israel.
O sionismo religioso O mundo judaico ortodoxo começou por repudiar veementemente o sionismo político cuja doutrina pretendia substituir-se ao Redentor, antecipando a intervenção divina de retorno a Sion e colocando-se como um poder secular. Houve no entanto, uma corrente religiosa sionista, logo em finais do séc. XIX, que propunha uma concepção nova do processo messiânico, centrada sobre a acção autónoma do homem judeu. Esta corrente defendia que os judeus se deviam dotar de instrumentos racionais autónomos para apressar o processo messiânico, inaugurando assim uma época nova, a de um messianismo judaico voluntarista. Esses rabinos fundaram a ala religiosa do movimento sionista, Mizrahi (Oriente) integrando, em 1902, a Organização Sionista Mundial e emigraram para a Palestina. No entanto, só a partir de 1918 será organizado na Palestina um grupo pioneiro religioso que inicia a criação de kibutzim religiosos – o primeiro foi fundado em 1937. O seu objectivo era mostrar uma imagem da tradição judaica diferente da que era dada pelas comunidades ultra-ortodoxas das cidades, nomeadamente Jerusalém, onde para além de estudar os textos religiosos, os jovens não aprendiam nenhuma profissão. A palavra de ordem dos sionistas religiosos era “Torá e Trabalho”. Um homem que teve uma importância primordial na abertura do mundo judaico ortodoxo ao sionismo político foi o rabino Abraham Kook, que emigrou para a Palestina em 1904 e foi nomeado, em 1921, Grão Rabino da Palestina, para o rito asquenaze. Diferentemente dos outros rabinos ortodoxos, Kook reconhecia o sionismo como um movimento político de libertação nacional do povo judeu, embora considerasse que este apenas poderia cumprir a sua missão se a sua alma fosse habitada pelos ensinamentos e mandamentos espirituais. O judaísmo religioso foi no seu conjunto, como vimos, hostil ao sionismo – movimento laico, modernista e emancipador. Nunca foi, no entanto, homogéneo: desde o início existiram diversas correntes no judaísmo ortodoxo, cuja influência se faz sentir até ao momento actual: a corrente ultra-ortodoxa, hoje muito minoritária, que mantém a sua recusa em reconhecer o Estado de Israel; uma outra corrente mais pragmática que participa na vida política e colabora no parlamento com os partidos laicos, assumindo-se como guardiã da ortodoxia; uma terceira corrente, mais modernista que procura conciliar o nacionalismo judaico moderno com os imperativos da Torá.
A religião no Estado de Israel A Declaração de Independência do Estado de Israel, proclamada por David Ben Gurion a 14 de Maio de 1948, é reveladora das duas raízes essenciais do Estado: de um lado, os ideais europeus do séc. XIX que impregnaram o sionismo político – o socialismo, liberalismo, liberdades públicas – que iriam forjar uma democracia à maneira ocidental; do outro, a longa memória histórica expressa em primeiro lugar pelos partidos religiosos, mas também por toda a opinião judaica mundial e em Israel. Assim, a Declaração afirma tirar a sua legitimidade da história e da tradição judaicas, mas também do consentimento das nações, tal como foi expresso pelo voto das Nações Unidas de partilha da Palestina; do “laço histórico e tradicional” dos judeus com a Terra Santa, mas também do direito “natural” do povo a ser “como todas as nações, dono do seu destino no solo do seu próprio Estado soberano” . Assenta a sua exigência de “liberdade, de justiça e de paz” no “ideal dos profetas de Israel”, mas no essencial os seus princípios são os de uma democracia liberal ocidental: “O Estado de Israel (...) assegurará a mais completa igualdade social e política a todos os seus habitantes sem distinção de religião, de raça ou de sexo; garantirá a liberdade de culto, de consciência, de língua, de educação e de cultura; assegurará a protecção dos Lugares Santos de todas as religiões e será fiel aos princípios da Carta das Nações Unidas.” O judaísmo, como se pode verificar nesta Declaração, não é religião de Estado em Israel – aos olhos da Lei, todas as religiões são iguais. E na sua essência, o direito israelita não é um direito religioso. Todas as referências ao direito religioso têm de ser adoptadas pelo poder legislativo “laico”, ou seja o parlamento – que conta, aliás, com representantes árabes (muçulmanos, druzos e cristãos). Apesar disto, a linha de demarcação não é clara, em primeiro lugar pela própria característica do judaísmo, sistema total onde nação e religião se confundem. Desde o início, o Estado dos judeus afirmou-se como um Estado judaico, o que é visível nos seus próprios símbolos: o azul e branco da bandeira nacional com a estrela de David, o candelabro de sete braços, a menorah , que se tornou o símbolo do Estado, o número simbólico dos 120 deputados (3) ao Knesset , o parlamento de Israel, na decisão de decretar o Shabat e as festas judaicas, dias feriados; mas sobretudo no estatuto das instituições religiosas na legislação, nomeadamente, na exclusiva competência dos tribunais rabínicos para casar ou divorciar os judeus, em função do direito religioso, a Halahá . Os transportes públicos estão paralisados ao Sábado, os telegramas não são encaminhados, as fábricas param e nas instituições públicas são cumpridas as regras de pureza alimentar. Todas as questões de ordem religiosa são da responsabilidade do Grão Rabinato, co-presidido por dois grão-rabinos, sefardita e asquenaze, reconhecidos como “única autoridade em matéria de Lei Judaica”. Esta ausência de separação clara entre a religião e o Estado é compreensível à luz da história do povo judeu e da vontade de preservar a sua identidade e unidade em Israel e na Diáspora. Mas o judaísmo ortodoxo soube explorar até ao limite esta ambiguidade original, nomeadamente organizando-se em partidos cuja influência política sempre foi muito maior do que o seu peso eleitoral, devido a alianças muitas vezes contra natura, mas que lhe rendiam concessões exorbitantes, no campo religioso, social e educacional. Apesar de tudo, até à Guerra dos Seis Dias e à Guerra do Yom Kipur , a relação manteve-se estável e o statu quo equilibrado, sem que os partidos religiosos interferissem demasiado na vida política.
Ascensão do nacionalismo religioso Esta situação começou a mudar na década de 70. Uma nova geração formada nas academias rabínicas, nos movimentos de juventude religiosos e em particular nos campos de batalha das duas últimas guerras, substituiu a velha elite dirigente dos partidos religiosos ou fundou outros, menos politiqueiros e mais radicais. Nessa geração ganhou vigor uma mistura explosiva de fundamentalismo religioso e de nacionalismo agressivo, nomeadamente, com a criação depois da Guerra do Yom Kipur do Goush Emounim (Bloco da Fé) que se bateu pela anexação da Judeia e Samaria (Cisjordânia ocupada). Com a chegada ao poder do partido de Menahem Begin em 1977, os grandes partidos religiosos, nomeadamente o Partido Nacional Religioso abandonam a aliança histórica com os trabalhistas para se coligarem com a direita, assistindo-se a uma verdadeira ofensiva ortodoxa em Israel. Não é possível, no entanto, analisar o reforço do integrismo judaico em Israel, separado do problema palestiniano e do recrudescimento religioso e fundamentalista no mundo nas últimas décadas. Com efeito, no seguimento da ocupação por Israel da Cisjordânia, em consequência de uma guerra que lhe foi imposta, defrontaram-se duas visões: a primeira encarava a ocupação sobretudo como uma forma de pressão para as negociações de paz – “Paz em troca de territórios”; a segunda defendia a sua manutenção e, eventualmente a anexação, por razões histórico-místicas de defesa do Grande Israel. Neste campo, verifica-se pela primeira vez na história de Israel uma convergência de interesses entre o fundamentalismo nacionalista laico e o integrismo messiânico, defensor do Israel bíblico, convergência que durará praticamente até à retirada de Gaza, em 2005, por Ariel Sharon. A recusa intransigente de qualquer tipo de negociação por parte do mundo árabe e palestiniano – “Não ao reconhecimento do Estado de Israel, Não às negociações e não à Paz” – veio reforçar consideravelmente o campo dos que se opunham à retirada dos territórios. A Guerra do Yom Kipur , em 1973, em que Israel foi apanhado de surpresa, fez o resto e a partir daí implantações selvagens ou legalizadas e incentivadas pelos sucessivos governos instalaram-se nos territórios ocupados. No início, muitas destas implantações tinham um carácter político-estratégico, mas com a vitória do Likud , em 1977, e sob o impulso do Goush Emounim , a política cede ao imperativo ideológico do renascimento do Grande Israel do Mediterrâneo ao Jordão. O fracasso das negociações de Oslo e mais tarde de Camp David, no ano 2000, o assassinato de Itzhak Rabin, em 1995, o desencadeamento das Intifadas palestinianas e sobretudo a longa série de atentados terroristas, inaugurados pela Organização de Libertação da Palestina desde a sua criação em 1964, tais são os factores determinantes do endurecimento israelita e do reforço da aliança do nacionalismo e do integrismo religioso. Nos anos 90 o terrorismo revolucionário cede o lugar ao terrorismo de tipo islâmico--nacionalista, ou puramente islamista, com métodos, slogans , objectivos e representações diferentes. O ano de 1994 é o ano de viragem com os primeiros atentados suicidas reivindicados pelo Hamas e pela Jihad islâmica, cujo objectivo é o caos e aniquilamento dos judeus e não apenas da “entidade sionista”. De político, o terrorismo anti-israelita torna-se religioso e apocalíptico, à imagem do que se passa no resto do mundo. Com efeito, o ressurgimento religioso e fundamentalista no mundo, nas últimas décadas, o alastramento dos actos terroristas, em particular, em Nova Iorque, Madrid e Londres, a guerra do Iraque e do Afeganistão, tudo isto não deixa de se repercutir no conflito israelo-palestiniano, exacerbando e radicalizando as forças em presença. A retirada de Gaza marca o fim da aliança entre nacionalistas laicos e fundamentalistas religiosos. O cansaço da violência, a preocupação com a segurança e a urgência da questão demográfica determinam a renúncia ao sonho do Grande Israel e a aceitação de um Estado palestiniano. Acima do sonho do Israel bíblico, está a fidelidade aos princípios fundadores: um Estado judaico e democrático. Temporariamente derrotado mas não vencido, é provável que o integrismo judaico adopte uma política mais hábil, nomeadamente procurando aumentar a sua influência numa sociedade que considera pecaminosa, mas que quer conquistar por dentro, em particular, participando no exército e noutros ramos, tais como a educação. Também tem uma arma de peso que é a taxa de fecundidade de 7,8, muito acima dos 2,4 do conjunto das mulheres judias em Israel. Mas se é verdade que isso representa um perigo, também é provável que essa participação mais activa acabe por “israelizar” as suas próprias fileiras. Minoritário entre a população israelita – o judaísmo ortodoxo e ultra-ortodoxo representa cerca de 15% do eleitorado – o risco maior é a sua monopolização da religião judaica em Israel. Nesse sentido, cabe às instâncias judaicas retomar a tradição do sionismo religioso tolerante e aberto, pilar essencial da edificação do Estado judaico e democrático. 1 - Oração repetida anualmente por ocasião da Páscoa judaica.
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