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- JANUS 2007 -



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Novos movimentos católicos

Alfredo Teixeira *

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O cristianismo, na sua génese, está marcado por uma forte aliança entre os dinamismos de solidariedade comunitária – a “igreja” é a comunidade reunida – e as exigências de adesão pessoal. Rompendo com os modelos de religiosidade assentes nos substratos de ancestralidade familiar, a integração na “igreja” implicava uma resposta pessoal. De modos diversos, os contextos de adaptação criativa das Igrejas aos processos de modernização social voltam a confrontar-se com o problema da gestão eclesial das formas de comunalização das identidades crentes. A emergência de uma cultura de forte afirmação de valores individualizantes e personalizantes e a alteração dos regimes de socialidade nos contextos sociais pós-industriais exigiu a criação de formas diversificadas de integração das diversas trajectórias crentes – nesse sentido, a caracterização da identidade católica passou a exigir a distinção entre os que estão integrados num determinado dinamismo associativo dentro do campo religioso e os que gerem a sua pertença católica de outro modo (cf. Classes de posição religiosa na população portuguesa).

 

Comunidades emocionais e orientações terapêuticas

A dinâmica das origens dos carismáticos católicos, no contexto norte-americano, nos anos 60, apresenta muitas similitudes com os novos movimentos protestantes pentecostais, especialmente, na vontade de difusão da sua mensagem por meios rápidos e de grande público – rádio e televisão. Nos anos 70, o carismatismo católico expandiu--se para a América Latina e para a Europa, estabelecendo contactos com a hierarquia católica. As acções de difusão têm a marca da informalidade, lógica de acção que corresponde a uma cultura religiosa caracterizada pelo valor da espontaneidade que não se deixa limitar pela rigidez das determinações territoriais do poder pastoral instituído. Ariel Colonomos classificou esta característica moderna da geoestratégia carismática de “cultura da disseminação” (cf. 2000: 205).

É importante sublinhar que, no interior das grandes famílias eclesiais, durante o século XX, se desenvolveram grupos revivalistas ( revivals , renouveaux ) que sobrevalorizam as orientações terapêuticas no quadro da experiência cristã, quadro contextual que não deve ser esquecido na compreensão do carismatismo católico. Deve sublinhar--se que a própria ideia de “conversão”, no quadro de tais trajectórias cristãs, surge frequentemente ligada à linguagem da cura – denotativa ou conotativamente. Nas diversas concretizações do carismatismo cristão o carácter espectacular da liturgia da cura e dos rituais do exorcismo, enquanto fenómenos extraordinários, desempenham um papel fundamental na sua configuração enquanto “comunidades emocionais”. A celebração comunitária, a oração comum tornam-se lugares privilegiados de expressão das emoções: o canto, a glossolalia, a verbalização dos sentimentos, a linguagem desarticulada, traduzem a superabundância dos dons carismáticos (Teixeira: 2005, 141-144).

Os anos 80 foram marcados pela explosão carismática na América Latina. Os novos pentecostalismos protestantes começaram a ocupar um lugar cada vez mais importante nas trajectórias de identificação religiosa. Alguns sectores da hierarquia católica viram na Renovação Carismática uma reserva importante nesse combate ao avanço da vaga pentecostal evangélica. A International Catholic Renewal Organization acentuará a sua dimensão católica através da promoção de grandes acontecimentos internacionais, de dimensão regional ou mundial. O uso do grande acontecimento ou do acontecimento extraordinário como forma de socialização religiosa é um traço comum aos “carismatismos” das diversas Igrejas.

 

Valores religiosos e profissionais num contexto de internacionalização

Nos universos protestante e católico romano podem encontrar-se, em movimentos diversos, traços de um amplo investimento na valorização da intervenção profissional na sociedade. Organizações como o Opus Dei e a Comunione e Liberazione (CL), apesar das diferenças em muitas das dimensões que os descrevem, podem, nesse domínio, apresentar economias de valores que os aproximam. O Opus Dei e a CL podem aproximar-se, sob o ponto de vista da análise sociológica, na vontade estratégica de expansão que se joga na escala transnacional e global (cf. Abbruzzese, 1989: 161-204; Colonomos, 2000: 126-132). Por meio de capilaridades complexas, estes movimentos constituem redes informais particularmente atractivas para pessoas que pertencem a sectores sociais muito activos profissionalmente – traduzindo um perfil pragmático e voluntarista – e se encontram em trajectórias de re-identificação religiosa. Nesta região da eclesiosfera católica, descobre-se um espírito de conquista que se joga em dois eixos: por um lado, a aposta na responsabilidade profissional, por outro, o aprofundamento de um modo de identificação religiosa sob o paradigma da internacionalidade.

O investimento da CL na sua internacionalização não estava imediatamente inscrito na sua génese. Mas através de contactos com o meio estudantil, a CL conheceu uma primeira fase de expansão na América Latina, a partir de 1964 – recorde-se que o fundador, Luigi Giussani, teve uma forte experiência de inserção no meio estudantil, enquanto professor de religião na escola pública, contexto em que criou em Milão, em 1954, a Gioventú Studentesca , que em 1969 tomará o nome de Comunione e Liberazione . Mas a experiência de internacionalização aprofundou-se na história recente do movimento. Tal como noutros casos, os encontros internacionais tornaram-se meios fortes de socialização – nestes contextos de identificação católica, as experiências de internacionalidade são um recurso simbólico de distinção social. Quanto à sua difusão mundial, o Opus Dei seguiu vias diversas. A partir de 1946, o Opus Dei de José Maria Escrivà de Balaguer conhecerá uma internacionalização progressiva na América do Norte e do Sul, na Europa e, depois, no Japão e no Quénia. As escolas agrícolas e de saberes domésticos erigidas na América Latina dão testemunho de uma ética do trabalho que não visa atingir apenas os meios decisores, mas se dirige também aos grupos mais desfavorecidos. Nas declarações recentes das figuras mais representativas do staff romano do Opus Dei , descobre-se uma lógica da acção duplamente universalista: geográfica e socialmente (cf. Estruch, 1995:158; Colonomos, 2000:133).

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Fraternidade evangélica, re-identificação comunitária e utopia transnacional

O “Movimento dos Focolares” (ou “Obra de Maria”), que se desenvolveu na Itália do pós-guerra, sob o impulso de uma mulher, Chiara Lubich, é um dos testemunhos mais exemplares dos dinamismos interiores ao catolicismo contemporâneo que visam a reconstrução de modelos de re-identificação comunitária. O ano de 1944 é recordado como o do nascimento do primeiro focolare (literalmente “fogo do lar”, ou seja, “lareira”): um grupo de jovens mulheres, sob a evocação da “Família de Nazaré”, constituiu com ela uma comunidade, em Trento. Em 1948, o movimento focolarino, a partir da adesão de um homem casado, Igino Giordano, apostou progressivamente numa estratégia de diversificação das pertenças. Assim, o Movimento dos Focolares pode ser apresentado como um exemplo das chamadas “novas comunidades”, uma vez que as formas de comunalização vão desenvolver-se no sentido de uma diversificação de modalidades de pertença e de condições eclesiais (são comunidades plurivocacionais): do residente permanente no “focolare” (cultivando a agregação de outras formas de lealdade crente) ao que circula em torno das iniciativas focolarinas sem uma forte implicação institucional. Tal como noutras “novas comunidades”, abandona-se a figura católica clássica do padre “assistente” ou do “capelão” para se constituir, dentro do regime comunitário modular, um corpo de presbíteros que pretendem viver, nessa condição, o carisma focolarino. O mesmo se diga das “famílias novas”, dos voluntários da “humanidade nova”, do “movimento paroquial”, do “movimento Gen” ( generazione nuova ) para o universo dos adolescentes e jovens, ou dos consagrados que vivem uma forma de inscrição profissional no mundo.

O “Caminho Neocatecumenal” pode ser, também, descrito como movimento de re-identificação comunitária, mas caracteriza-se por viver de uma forma simbiótica no sistema paroquial católico. Segundo a narrativa oficial, o “Caminho Neocatecumenal” teve início em 1964, quando Francisco (“Kiko”) Argüello, num percurso de conversão, se instalou entre os pobres de Palomeras Altas, em Madrid. Uma jovem freira missionária, Carmen Hernández, juntou-se a ele neste percurso inicial que foi favorecido pelo apoio do então arcebispo de Madrid, D. Casimiro Morcillo. A partir da sua inscrição no centro do mundo católico, em 1968, o Caminho Neocatecumenal espalhou-se por diversas dioceses do mundo. Deve notar-se que os “neocatecumenais” recusam a designação de “movimento”, justificando que não se constituem como um grupo demarcado dos dinamismos próprios da Igreja local – preferem apresentar-se como um itinerário, um instrumento catequético. Apoiando-se no discurso sobre a nova evangelização e legitimando-se no movimento litúrgico de restauro do catecumenato, o Caminho Neocatecumenal implementou um modelo iniciático de identificação religiosa. Só que as etapas de iniciação não estão reservadas a não baptizados, como acontecia no cristianismo antigo; são antes apresentadas como modelo de reconversão para os já baptizados. A trajectória-tipo do crente que entrará neste dinamismo catequético pode descrever-se pela categoria de “re-começo”. Trata-se de uma proposta que visa a reconstrução de um cristianismo de virtuosos (no sentido weberiano), em oposição ao cristianismo de massas.

De um modo diferenciado, o Movimento dos Focolares apresenta-se como um contexto dinâmico de projectos de vida comum diferenciados. A iniciativa, idealizada em 1949, de realizar grandes encontros, as Mariápolis (“cidade de Maria”), tornou-se progressivamente um emblema da unidade na diversidade que descreve o movimento. Numa estratégia de implicação dos planos local e transnacional, essas Mariápolis estivais representam o que se pretende com as “cidadelas” – a concretização dos valores da cidade evangélica. A primeira “cidadela” nasceu em Lupiano (Florença), em 1964, tornando-se um centro de peregrinação para todos os cristãos focolarinos (em Portugal, existe uma “cidadela” – a cidadela “Arco-Íris” – na Abrigada). O Brasil, a partir de 1958, foi uma aposta determinante no percurso de expansão para fora de Itália. Esse contexto de difusão teve uma particular importância no aprofundamento das preocupações desenvolvimentistas (cf. Colonomos, 2000: 240s). A “economia de comunhão”, enquanto lógica da acção, e a constituição de microempresas são meios que visam indicar a direcção de uma nova ordem económica. A mensagem tem uma natural pretensão à universalidade, que se traduz na reconstrução simbólica de uma imagem de mundo global segundo a ética da fraternidade cristã. Assim se constrói uma imagem do sistema-mundo em coordenadas ecuménicas e humanitárias, que se traduz, segundo o idioma próprio, em “acções para um mundo unido”.

Esta dominante de identificação religiosa que privilegia a recriação de uma imagem de “mundo” segundo a fraternidade cristã, pode descobrir-se também no caso da Comunidade de Sant'Egídio, associação laical que tem as suas origens em Roma, em 1968. Tem a sua sede na igreja romana de Sant'Egidio, da qual tomou o nome. O seu interesse pelo ecumenismo e diálogo inter-religioso tornou-se a sua face mais visível, actuando com frequência no terreno da mediação de conflitos. Praticando esse ecumenismo de influência, o seu ideário inscreve-se num dinamismo mais amplo que vê no diálogo entre as religiões uma condição para a construção da paz mundial. Os ideais de fraternidade cristã, combinados com a particular atenção dada à expressividade das linguagens orantes e rituais, têm uma repercussão assinalável em algumas franjas das culturas juvenis. Os encontros de Taizé constituem, neste domínio, um dos exemplos mais relevantes (cf. Hervieu-Léger, 1999: 98-108). Em Taizé, no Sul da Borgonha, em França, encontra-se uma comunidade ecuménica internacional fundada em 1940 pelo irmão Roger. Desde o fim dos anos 1950, milhares de jovens começaram a vir a Taizé para participar nos encontros de oração e de reflexão que aí têm lugar. Os irmãos de Taizé efectuam também visitas e animam em África, na América do Sul e do Norte, na Ásia e na Europa, pequenos e grandes encontros que fazem parte de uma “peregrinação de confiança na terra”. O sucesso desta comunidade como pólo de atracção para jovens peregrinos parece ter dependido da manutenção de pólos aparentemente contrários. Por um lado, os encontros aí organizados são enquadrados por uma mensagem planetária de recorte ético e por um apelo à experiência de comunhão na diversidade étnica, nacional, linguística, e espiritual; por outro lado, os encontros de Taizé desenvolvem-se também numa lógica de personalização, como o demonstram os testemunhos sobre a qualidade do acolhimento. Ao mesmo tempo que, é deixado um amplo espaço de liberdade, todo esse jogo se desenvolve tendo como referência algo de estável: a comunidade ecuménica dos irmãos de Taizé. Essa comunidade é para a multidão de jovens a referência extramundana, dir-se-ia, o horizonte que permite construir a identidade de um “nós” particularmente simbolizado na acção orante e ritual, onde a música, como linguagem capaz de romper as fronteiras imediatas da língua, tem um papel preponderante.

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Informação Complementar

A erosão do sistema paroquial

Os modos de comunalização e identificação religiosa na Europa e na América do Norte têm sido analisados sob a figura do “fim da civilização paroquial”, descobrindo-se aí indícios de fragmentação e disseminação dos universos crentes – universos já não protegidos pelas antigas “autoridades” que promoviam a coesão do “crer” e do “pertencer” –, que assim ficam disponíveis para um trabalho de “recomposição individual”. Este contexto de mudança afectou profundamente os modos de organização das estruturas religiosas de proximidade. A paróquia que os estudos sociais conheceram era, na maior parte dos casos, uma organização marcada pelas estruturas sociais do campesinato. A expansão dos modos de vida das urbanidades múltiplas da modernidade tornou-se, pois, o contexto de profundas alterações no campo religioso católico. A Igreja católica romana reagiu a essas transformações em várias frentes: multiplicou as paróquias dentro da cidade, com o intuito de enquadrar, numa rede de proximidade, os crentes; deu um novo impulso a outras formas de inscrição institucional no espaço, como a construção de colégios, universidades, hospitais, etc., e suas capelanias; mas também favoreceu formas de enquadramento não limitadas às bases territoriais, autorizando a constituição de redes de associativismo confessional (associações profissionais, de lazer, de intervenção social), de movimentos eclesiais e “novas comunidades”.

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* Alfredo Teixeira

Mestre em Teologia pela Universidade Católica Portuguesa e Doutor em Antropologia Política pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa. Desenvolve a sua actividade docente na Faculdade de Teologia e na Faculdade de Ciências Humanas da UCP, exercendo funções de coordenação no Centro de Estudos de Religiões e Culturas da mesma Universidade.

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Bibliografia

ABBRUZZESE, Salvatore (1989) — Comunione e liberazione: identité catholique et disqualification du monde. Paris: Cerf.
_____ (1993) — “Opus Dei e CL: due modeli di espansione geopolítica”. Limes , 3, 83-92.

ANTUNES, Manuel Luís Marinho (2000) — “Catolicismo e cultura na sociedade portuguesa contemporânea”. In Manuel BRAGA DA CRUZ & Natália Correia GUEDES, (coord.) — A Igreja e a cultura contemporânea em Portugal, 1950-2000. Lisboa: Universidade Católica Editora, 437-456.

COLOMOS, Ariel (2000) — Églises en réseaux: trajectoires politiques entre Europe et Amérique. Paris: Presses de Sciences Po.

ESTRUCH, Joan (1995) — Saints and Schemers: Opus Dei and its Paradoxes. New York: Oxford University Press.

FAVALE, Agostino [ et al. ] (1991) — Movimenti ecclesiali contemporanei: dimensioni storiche teológico-spirituali ed apostoliche. Roma: LAS.

HERVIEU-LEGER, Danièle (1990) — “Renouveaux émotionnels contemporains. Fin de la sécularisation ou fin de la religion?”. In Danièle HERVIEU-LEGER & Françoise CHAMPION, (dir.), De l'émotion en religion: renouveaux et traditions. Paris: Centurion, 217-248.
_____ (1999) — Le pèlerin et le converti: la religion en mouvement. Paris: Flammarion [ed. portuguesa: Gradiva].

TEIXEIRA, Alfredo (2004) — “Não sabemos já donde a luz mana”: ensaio sobre as identidades religiosas. Lisboa: Paulinas.

COSTA, Joaquim (2006) — Sociologia dos novos movimentos eclesiais: Focolares, Carismáticos e Neocatecumenais em Braga. Porto: Afrontamento.

Sítios de interesse

http://www.ecclesia.pt
http://www.agencia.ecclesia.pt
http://www.vatican.va/phome_po.htm
http://www.religion.info

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Dados adicionais
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