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Onde estou: | Janus 2007> Índice de artigos > Religiões e política mundial > Influência política das religiões > [ As religiões asiáticas e a política ] | |||
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A Ásia, composta por países sinisados com uma grande componente indiana e de países indianizados com uma componente chinesa indesmentível, só recebeu o islão a partir do século XII, quando os mercadores árabes desembarcaram nas costas malaias e indonésias de Sumatra (Atjeh) e o catolicismo quando os missionários católicos desembarcaram nas Filipinas do século XVI. Entretanto, a nossa perspectiva parte das religiões que nasceram na Ásia como modelo para as outras que se estabeleceram no continente.
As religiões e a política Chama-se indianização a um longo período de influência cultural e política da Índia, que resultou na formação de Estados hindus, denominados reinos agrários. Veiculada por mercadores, a influência da Índia manifestou-se sobretudo na escrita e nas práticas religiosas, budistas ou hinduístas. Todos os povos da região conheceram muito ou pouco esta indianização, sobretudo como quadro cultural, com a excepção notável dos vietnamitas, os únicos da zona a permanecerem sob influência chinesa e por isso confuciana. A formação dos reinos agrários realizou-se na junção das planícies e do mar, e a seguir no interior dos territórios. Reunidos em torno de realezas de direito divino, as sociedades hierárquicas e quase todas organizadas em castas (com excepção dos Pyu), formaram reinos concêntricos baseados na cultura do arroz. As cidades agrárias, centradas em templos-montanhas, foram erigidas no quadro de vastos sistemas hidráulicos. Como exemplo destes reinos agrários, podem citar-se Pagan na Birmânia (dos finais do século XI aos finais do século XIII), Sukkothai na Tailândia (do fim do século XII até à primeira metade do século XIV, Ankor Vat no Camboja (do século XI ao século XIII). Estes reinos agrários foram os embriões dos Estados actuais. Em todo o lado se encontra o primado da cultura do arroz, a mesma influência dos funcionários reais ou imperiais, emissários privilegiados da vontade do poder central, assim como o papel dos diferentes budismos ou dos cultos dedicados a Shiva ou a Vishnu. O indivíduo, contrariamente a uma compreensão primeira, existe mas como membro deste quadro: cada elemento da colectividade está integrado numa trama de relações recíprocas, de soberano a vassalo, de pai para filhos, de mais velho para mais novo (1). É impossível compreender a cultura e a política asiáticas se não se liga a sua manifestação antes de mais aos fundamentos religiosos e filosóficos que envolvem os povos desta região e modelaram a sua história. Classificam-se geralmente as diferentes variantes do budismo em três grandes correntes. 1. O caminho dos Antigos ou Hinayana representa a corrente do Budismo cujas múltiplas escolas se multiplicaram dos séculos XI ao XIV d. C. Em toda a Ásia do Sueste. Elas contam com cem milhões de fiéis, mais ou menos. Desenvolveram o ensino das “quatro nobres verdades” ao insistirem sobre o conhecimento sistemático dos fenómenos. Insistiram na disciplina, na importância da renúncia, no valor da vida monástica. Praticam essencialmente a “meditação sem referência” e a compaixão. É assim que, para tomar como exemplo a Birmânia, são os dois grandes mestres da meditação e da contemplação (Sayadaw e U Ba Khin) que modelaram a visão política e a percepção do mundo dos dirigentes do país (U Nu, Aung San Suu Kyi), detentores do poder ou dirigentes da oposição. As escolas do budismo Theravanda estão sobretudo presentes nos países do Sueste asiático (Sri-Lanka, Birmânia, Tailândia, Laos e Camboja). 2. As escolas do Mahayana (Grande Veículo) aprofundaram o ensino filosófico original. As principais escolas desta corrente são as escolas Tientaï (Tendaï em japonês), o Budismo da Terra Pura (também chamado Amidismo) e a escola do Dhyâna (Chan em Chinês, Zen em japonês). Elas estão sobretudo presente nos países do Extremo Oriente (China, Japão, Coreia e Vietname). O número dos seus adeptos situa-se numa escala entre duzentos e trezentos milhões. Estas escolas consideram que a natureza dos fenómenos é não ter natureza própria, ser “vazio” ( shunyata ) e que podemos fazer a experiência deles graças à inteligência superior ( prajna ). Elas acentuam a motivação altruísta e o desenvolvimento de práticas centradas na inteligência e na devoção. Este ensino leva a fazer a experiência da compaixão. 3. Os ensinos das escolas do Vajrayana (Veículo do Diamante) também são chamados Tantra (continuidade) para exprimir por um lado a sua transmissão sem interrupção, por outro lado a possibilidade da passagem imediata da experiência habitual à experiência da iluminação, na continuidade do mesmo espírito. Desenvolvidas nomeadamente na Índia, no Nepal, , no Tibete e na Mongólia, assim como no Japão com a escola de Shigon, são conhecidas como Budismo tântrico ou doutrina do Tantrismo. Contam entre vinte e cinco e cinquenta milhões de adeptos. O Vajrayana caracteriza-se sobretudo pelas suas numerosas práticas de meditação formal que desenvolveu, a partir do mesmo ensino filosófico que as escolas do Mahayana. Estas práticas baseiam-se na noção de pureza fundamental. Propõem uma via susceptível de conduzir à iluminação (2). Atravessando estas correntes, as doutrinas de Confúcio precisaram a natureza moral e comportamental do budismo ao reforçarem as estruturas piramidais do corpo social e ao acentuarem a submissão do individuo ao grupo. Todas estas escolas de pensamento se impuseram a sociedades que têm em comum a supremacia tradicional do grupo sobre o indivíduo, a sacralização da autoridade e a confusão dos poderes e uma tradição de violência. A supremacia tradicional do grupo sobre o individuo pôs em evidência as células sociais habilitadas a ditar o comportamento aos indivíduos. Para começar, a família, a seguir o Estado e acessoriamente a empresa. Esta submissão ao grupo é um dos traços comuns a todas as sociedades asiáticas. Estas, à imagem da sociedade chinesa, desenvolveram uma concepção do espaço e do tempo ligada à sacralização da autoridade. Não se trata de um poder teocrático ou de direito divino, tal como o Ocidente o conheceu na Idade Média e no Absolutismo, dado que no budismo a noção de Deus não está presente, mas de uma sacralização do poder temporal, tal como o do imperador da China, do imperador do Japão, do rei da Tailândia ou do rei do Camboja. A sacralização da autoridade e a confusão dos poderes notam-se se analisarmos as origens da relação entre a autoridade tradicional, ou seja a realeza, e o indivíduo sujeito do rei: o conceito de realeza está associado a três obrigações que constituem os pilares desta autoridade. 1.ª O respeito do código de Manu que acentua os atributos mágicos da corte real e o seu recurso permanente ao ministério dos sacerdotes Brâmanes. O código de Manu, que na sua forma definitiva data do século II a.C., contém disposições sobre as relações entre marido e mulher, a herança, as dívidas assim como os princípios de governo. 2.ª O respeito de um não menos venerável princípio retirado da cosmologia hindu que atribui um estatuto divino ao rei pelo simples facto de ele ocupar os santos lugares do palácio que emerge no centro da capital. Como no antigo império chinês, o palácio real simboliza o centro do universo, a casa dos deuses à volta da qual giram o sol, a lua e as estrelas. 3.ª O respeito do rei enquanto garante e defensor do budismo. Este terceiro pilar encontra-se em quase todos os países da Ásia do Sueste como a Tailândia, o Camboja, o Laos e a Birmânia, independentemente das formas actuais de governo. Encontramos a tradição de violência porque os países tocados pelos ensinos do budismo mostram que o sagrado se impôs a maior parte do tempo numa confusão com os poderes temporais. Dotados de um braço religioso, estes poderes aplicaram-se a fazer prevalecer pela força uma lógica de grupo sobre os valores individuais de procura do estado de iluminação. A violência apresenta-se assim como uma consequência ligada a um espírito comunitário gerador de exclusão (3). Na Ásia, a história recente relembra que o budismo não preservou países como a China, o Vietname, o Camboja ou a Birmânia de serem o teatro de algumas das piores atrocidades que a humanidade já conheceu: a Revolução Cultural chinesa, a repressão comunista no Vietname, o genocídio cambojano, a repressão militar na Birmânia. É certo que os países asiáticos cristianizados ou islamizados, nomeadamente a Indonésia e as Filipinas, também não evitaram massacres e crimes. Mas o abismo entre o discurso pacifista propagado pela religião da compaixão e pregado pela religião da caridade explica--se dificilmente pela realidade cruel das instituições de que estas religiões são uma parte essencial. É na antropologia que encontramos alguma via de percepção das relações entre a violência e o sagrado. O sagrado regula a vida humana e todas as civilizações foram fundadas sobre a violência do “assassinato fundador”, cujo objectivo é de acabar com a violência mimética entre os homens. No cristianismo, esta substituição sacrificial, que se traduz na actualidade através de um ritual simbólico, permite substituir a violência pelo amor pregado por Cristo. Constata-se, entretanto, que a violência sagrada persiste. A história mais não seria do que a repetição. É por isso que os cristãos se referem à cruz de Cristo. Quando as sociedades se sentem ameaçadas pela insegurança, têm necessidade de uma causa a incriminar, um bode expiatório que a religião fornece com muita utilidade. É isto que mostra a lenda presente na Birmânia acerca de Min Mahâgiri, em que o irmão e a irmã que se tornaram espíritos poderosos presentes no Monte Poppa têm que ser pacificados permanentemente através de oferendas, uma espécie de rito que no princípio utilizava sacrifícios humanos. A vítima escolhida ao acaso, tinha que ser compreendida como culpada (4). As religiões enquanto instituições não escapam às necessidades do poder a que estão ligadas. E quando existe a mistura entre religião e política sacraliza-se aquilo que é profano e profana-se aquilo que é sagrado: as religiões passam então a encarnar as obrigações nacionalistas de que são proclamadas guardiãs, como na Indonésia com o islão, nas Filipinas com o catolicismo, na Birmânia, no Camboja, na Tailândia com o budismo Theravanda.
Políticas religiosas Depois do percurso religioso até à política, podemos ver agora as consequências culturais e políticas, mesmo se a diferença entre religião e cultura é muito difícil de traçar. A política asiática encontra as suas raízes na procura de uma matriz identitária, na tradição das sociedades fechadas de que são exemplo a Índia das castas, o Japão dos shoguns e a China dos mandarins e na percepção técnica do Ocidente. Percebe-se a procura de uma matriz identitária, quer se trate da Ásia insular ou da Ásia continental, porque o conjunto dos países da região foi governado desde a origem ou por sistemas institucionais político-religiosos ou por instituições em que coexistiam um poder político e um poder religioso cujo governo se exercia numa simbiose que podia atingir a perfeição. O imperador da China ou o imperador do Japão acumulavam os poderes políticos com os poderes religiosos como os reis da Coreia ou os reis de Siam. Acontecia o mesmo no Camboja com as linhagens reais de Angkor. Hoje a legitimidade de um rei asiático, como acontece no Camboja, permanece uma legitimidade de carácter religioso. A simbiose Nação-Religião continua a ser a matriz da identidade nacional. Se analisarmos as situações do Japão, da Indonésia, das Filipinas, do Camboja, da Tailândia, da Malásia ou da Birmânia, ou mesmo a situação de países comunistas como a China, na perspectiva da confusão dos poderes políticos e religiosos, percebe--se que esta simbiose autárcica difere de país para país (5). O contexto político-religioso específico do poder leva a melhor sobre as correntes de filosofia social multinacionais que marcaram a Ásia no decurso dos séculos precedentes, mas com semelhanças inerentes aos três mundos que povoam a Ásia: o mundo sinisado (dominado por preocupações de organização social sem que nem a moral nem o direito possam ser dominantes face ao pragmatismo nem ao relativismo de todo e qualquer absoluto, nem Deus, nem lei), o mundo japonês (marcado pelo precedente, mas cujas formas de organização se diferenciaram através de uma capacidade quase ilimitada de absorção de correntes exteriores) e o mundo indo-malaio (que se confronta a todos os níveis com o mundo sinisado). A Ásia, plataforma multicultural, multiétnica, em que os particularismos limitam toda e qualquer forma de integração regional, conhece, à escala de cada uma das suas componentes nacionais, uma crise identitária agravada pelas relações privilegiadas entre uma religião dominante e o poder político em detrimento de uma ou várias religiões minoritárias. É o caso da Indonésia, o maior país muçulmano do mundo, das Filipinas, católico a 90 %, da Tailândia, budista nas mesmas proporções maioritárias. É singular o caso do Japão em que o shintoísmo de Estado foi um factor de identidade e de unidade nacionais, assim como o da China e dos países comunistas da região em que o comunismo laicizou o funcionamento do Estado-Nação; só que o fizeram de forma religiosa. A Índia, a China e o Japão, que se integram perfeitamente neste modelo e que tendem a constituir também um modelo para os outros povos asiáticos, têm uma percepção técnica do Ocidente, a saber, a democracia europeia é um utensílio cómodo e eficaz do progresso económico, mas de modo algum pode constituir o fundamento do pensamento e da forma de viver asiáticos. O reconhecimento da capacidade técnica não implica qualquer reconhecimento ideológico (6). Os valores asiáticos constituem uma resposta ao universalismo do princípios democráticos ocidentais. O confucionismo, como religião e como modelo religioso, é uma resposta ao propor a submissão à autoridade do Estado, ao instituir a família como célula base da sociedade, ao organizar o enquadramento moral dos indivíduos e ao dirigir a vida privada dos cidadãos. Estes princípios têm como consequência social que, em termos de consideração, a nação surge antes da comunidade e a sociedade antes do indivíduo, a família é a unidade base da família (culto dos antepassados), a criatividade do indivíduo é perspectivada em função do apoio que lhe dá a comunidade, o consenso é mais importante que o conflito e a harmonia depende da integração étnica e da uniformidade religiosa (7). Se o asiatismo como doutrina política (proposto antes de mais por Lee Kuang Yew, em Singapura, e por Mahatir Muhamad, na Malásia) foi superado pela globalização e por problemas regionais (confrontos étnicos, corrida armamentista e nuclear), também é verdade que o quadro religioso e cultural resistiu à sua tradução política. Este quadro identitário também se transforma hoje pelo choque dos particularismos, pela criação de novas culturas fruto de uma miscigenação produzida pela globalização, onde se integram os direitos humanos e novas formas políticas. Mas a religião, qualquer que ela seja, será sempre um lugar de criatividade cultural e um catalisador sócio-político. Na Ásia como em qualquer parte do mundo.1 - Georges Coedes — Les Etats hindouisés d'Indochine et d'Indonésie . Paris: De Boccard, 1989.
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