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ESTE ARTIGO CONTÉM DADOS ADICIONAIS CLIQUE AQUI! Esta é uma situação que se arrasta há mais de uma década tendo a sua intensidade crescido nos últimos anos. Mas curiosamente, ou melhor tragicamente, este aumento de intensidade não se deve atribuir a um incremento dos confrontos entre o LRA e o exército nacional mas sim a uma cada vez mais violenta actuação do LRA nas suas zonas de implantação – Acholiland – e, mais recentemente, até mesmo fora destas áreas em direcção ao sul. De certa forma é como se dentro de um conflito inicial se tivesse desenvolvido um outro de consequências igualmente dramáticas em termos humanos, que coloca frente a frente população civil acholi, com particular destaque para crianças e jovens, e o LRA. Mas este não é um confronto tradicional; será talvez mais um “ataque” sistematicamente repetido por parte do LRA às crianças e jovens locais com o objectivo de recrutar pela força novos membros para as suas fileiras. O carácter atípico desta situação tem estado na origem da dificuldade da comunidade internacional em agir perante tão grosseira violação dos direitos humanos em geral e em particular os das crianças. Decorrem desde há alguns meses negociações entre o governo do Uganda e representantes do LRA mas até ao momento ainda não foi possível a obtenção de um acordo de paz definitivo dadas as enormes divergências entre Museveni e Kony, um defensor da reconciliação nacional mas sem partilha de poder e o outro cada vez mais defensor de um sistema federalista onde parte do poder possa ficar nas suas mãos. As raízes do conflito Este aparenta ser um conflito essencialmente político, decorrente de uma situação profundamente instável cujas origens podem ser traçadas até ao período da independência. Trata-se ainda de um conflito onde os vectores étnicos, religiosos e regionalistas desempenham um papel não negligenciável. O facto de o poder político vigente não controlar efectivamente todo o território nacional tem contribuído para o arrastamento deste conflito, permitindo que “bolsas” de resistência se mantenham activas em determinadas zonas. Aliás, a questão territorial tem sido determinante para o desenrolar dos acontecimentos, na medida em que, foi justamente o exacerbar da divisão norte-sul que marcou a vida política deste país desde a sua independência. Os quase vinte anos de domínio de dirigentes provenientes do norte do país – Milton Obote, Idi Amin e Tito Okello – terminam formalmente em Janeiro de 1986 com o triunfo das elites do Sul lideradas por Yoweri Museveni e agrupadas no Movimento/Exército de Resistência Nacional (NRM/A – National Resistance Movement/Army ). Nessa altura, um golpe de Estado depõe o general Tito Okello Lutwa, um Acholi, que não pôde evitar a guerra civil que se seguiu e que terminou com a vitória de Museveni. A liderança de Museveni fica irremediavelmente associada a acusações de discriminação e perseguição das populações do Norte do território em benefício das elites do Sul. Formam-se assim dois grupos distintos de resistentes: • Movimento/ Exército Popular Democrático do Uganda (UPDM/A – Uganda People's Democratic Movement/Army ) liderado por antigos políticos e militares do regime de Okello Lutwa com o objectivo de repor a anterior situação. • Movimento do Espírito Santo (HSM – Holy Spirit Movement ) liderado por Alice Auma “Lakwena” que tinha como objectivo a purificação espiritual do Uganda. Este movimento dispunha de um braço armado intitulado Forças Móveis do Espírito Santo (HSMF – Holy Spirit Mobile Force ). A luta do NRM/A contra estes dois grupos dura pouco tempo, uma vez que logo em 1987 as HSMF sofrem importantes derrotas e a sua líder segue para o exílio no Quénia onde ainda se encontra. Alguns meses depois o UPDM/A chega a um polémico acordo de paz com Museveni. A partir de 1988 a resistência reorganiza-se em torno de Joseph Kony, alegadamente parente de Alice Auma. Este cria o Movimento de Resistência de Deus (LRM – Lord's Resistance Movement ) também ele com um importante braço armado: o Exército de Resistência de Deus (LRA – Lord's Resistance Army ) que concentra no seu seio antigos apoiantes do UPDM/A, descontentes com a paz feita com Museveni, e ainda a desorganizada força de Alice Auma. J. Kony reforça então o misticismo em torno dos seus homens e dele próprio, tal como Alice Auma havia procurado fazer. Informação Complementar Alice Auma e o Movimento do Espírito Santo Embora a relação verdadeira de parentesco que, a existir, junta Alice Auma e Joseph Kony esteja ainda por determinar, a verdade é que esta mulher teve um papel importante na formação das bases de apoio ao actual Lord´s Resistance Army . Alice Auma nasceu em meados da década de 50 na Acholiland no norte do Uganda. Teve um percurso pessoal não inteiramente conhecido mas que terá passado por diversos momentos de forte perturbação decorrentes da sua dificuldade em ter filhos. Esta dificuldade terá inclusive estado na origem dos seus dois casamentos fracassados. Alice nasce numa zona rural onde as crenças populares abundavam e onde o lado místico da sociedade sempre teve uma forte expressão popular pese embora a presença por vezes fortemente implantada do cristianismo que chegou pelas mãos de missionários europeus durante o período colonial. Talvez por isso Alice seja um bom exemplo da forma como em algumas regiões africanas o cristianismo se “misturou” com as crenças populares locais resultando numa combinação nem sempre fácil de entender. Convertida já adulta ao cristianismo Alice vai construindo a sua imagem de líder espiritual local de importância crescente ao longo da década de 80 em torno da sua alegada capacidade de contactar com o mundo dos espíritos. O ponto máximo deste percurso acontece em meados desta década quando Alice relata ter sido possuída por um espírito cristão de um soldado italiano morto na segunda guerra mundial a que chamou Lakwena e que terá sido o motor da sua dedicação integral à actividade de médium e curandeira, actividade esta que praticou durante vários anos de forma ainda algo discreta. O elemento chave para a compreensão da passagem desta mulher a líder espiritual de um movimento politicamente organizado pode ser encontrado na guerra civil por que o seu país passava desde praticamente a sua independência. A violência extrema com que por vezes esta guerra foi travada e a sua bipolarização entre movimentos de oposição do norte e governo do sul são também elementos determinantes para o percurso de Alice. Alice afirma que Lakwena lhe atribuiu a missão de proteger dos infiéis o seu povo e de lhes oferecer apoio espiritual. Para tal Alice deveria lutar contra os “ocupantes” do sul responsáveis no seu entender pela onda de violência extrema. Alice terá beneficiado do clima geral de intimidação decorrente da própria guerra que, associado a uma tradicional crença em fenómenos espirituais, fazia crescer o rol dos seus apoiantes. A própria Alice descreve esta fase da sua vida como tendo sido a passagem de mero líder espiritual a “comandante militar”. No entanto, o seu sucesso como comandante militar não foi o esperado na medida em que o seu Movimento do Espírito Santo criado justamente por forma a dar corpo a esta intenção de parar a violência e lutar contra as autoridades governamentais e que beneficiou de considerável apoio popular dentro e fora de Acholiland (pelo menos no início) cedo se revelou incapaz de resistir à pressão das forças governamentais lideradas por Yoweri Museveni. Fracassada nos seus intentos e desmobilizadas as suas forças, Alice segue para o exílio no Quénia pouco mais de um ano após a criação do Movimento do Espírito Santo. Vive ainda hoje num campo de refugiados neste mesmo país e em face da sua derrota afirma ter sido abandonada pelos espíritos.Fonte: Behrend , Heike — Alice Lakwena and the Holy Spirits: War in Northern Uganda, 1985-97 . James Currey, 2000.
Joseph Kony e o Exércitode Resistência de Deus Nascido em 1961 na vila de Odek na região ugandesa de Gulu pouco se sabe acerca da sua vida. Embora existam alguns relatos de alegados companheiros de infância, a verdade é que o próprio Kony evita falar sobre o seu passado procurando alimentar o segredo em torno de si próprio, potenciando o carácter místico da sua vida. Aliás, raras são as suas aparições públicas, sendo as suas mensagens geralmente transmitidas via rádio. Dele apenas se conhece uma grande entrevista à BBC e um vídeo recente onde surge ao lado de Reik Machar sucessor de John Garang na liderança do SPLS (Sudan People's Liberation Army). É então difícil determinar com exactidão os momentos chave no seu caminho até líder espiritual do LRA. Sabemos no entanto que o seu primeiro contacto com a vida militar teve lugar no final dos anos 80 quando este ingressa no “batalhão negro” do UPDA liderado por Benjamin Apia mas cedo consegue reunir em seu redor um pequeno grupo de apoiantes e começa a formar o seu próprio movimento, inicialmente designado United Holy Salvation Army que mais tarde, fruto do aumento de seguidores e do reforço da liderança de Kony, passa a United Democratic Christian Movement /Army e mais tarde a Lord´s Resistance Mouvement/Army . Kony baseia a sua liderança no estabelecimento de um rígido código de conduta que deve ser seguido pelos seus homens. Do cumprimento dos seus vinte mandamentos, os dez bíblicos mais dez de sua autoria, e da observação de certos rituais (não beber álcool, não comer certos alimentos, não ter relações sexuais, etc.) que antecedem os combates com as forças governamentais resultaria a protecção divina dos seus homens e a sua inviolabilidade perante as balas inimigas. Kony defende a edificação no Uganda de um Estado que tenha por base estes mandamentos de modo a libertar o país de todos os infiéis. Apesar desta aparente rigidez moral a verdade é que tudo indica que os homens de Kony raramente obedecem a este código de conduta, restando apenas a observação das referidas regras de preparação para o combate. De estrutura algo desconhecida, o Lord´s Resistance Movement possui alguns representantes políticos entre os inúmeros refugiados acholi no Quénia e em Londres mas, na verdade, neste caso o “braço” armado deste movimento, o Lord's Resistance Army , detém controlo absoluto sobre o movimento. Este exército está organizado como uma unidade convencional de infantaria possuindo 5 brigadas, sendo que uma delas é apenas responsável pela protecção do líder. Segundo Kony, o comando destes homens é da responsabilidade de Deus que dá as suas orientações através de si próprio. Por esta razão os seus homens chamam-lhe o “Profeta”. A Comunidade Internacional acusa Kony e seus seguidores de serem responsáveis por diversos crimes contra a humanidade por via da sua política continuada de aterrorização da população local, utilizada para reforço do seu carácter místico, e por via da prática sistemática de “recrutamento” forçado de jovens guerreiros entre crianças e jovens da região Acholi. O rapto tornou-se banal nas zonas rurais em consequência destas acções. Raptam-se rapazes e raparigas: os rapazes que sobrevivem aos maus tratos são “doutrinados” e transformados em ferozes combatentes; as raparigas são utilizadas como escravas sexuais dos chefes militares de Kony ou são “simplesmente” mão-de-obra escrava ( http://www.accord.org ). Fonte: Human Rights Watch , disponível em http://www.hrw.org. Journal of Small Arms and Insurgencies . Fotografia em http://www.ap.org
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