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Onde estou: | Janus 2007> Índice de artigos > Religiões e política mundial > Violência e pacifismo > [ O fundamentalismo islamita e o seu terrorismo suicida ] | |||
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No entanto, quando se fala de terrorismo islamita, o nome mais sonante é o do saudita Bin Laden e a sua Al-Qaeda al-Jihad (“A Base da Jihad”), constituída a partir de 1984, no Afeganistão, e “baptizada” com o seu actual nome em 1988. A organização esteve sediada nesse país até 1992 (aquando da queda de Cabul), tendo-se deslocado para o Sudão até 1996, regressado nesse ano ao Afeganistão (3), devido à pressão ocidental e particularmente dos EUA sobre a liderança sudanesa. O regime dos Talibãs e a hospitalidade do seu líder espiritual mulá Omar, e também a retribuição generosa de Bin Laden, fizeram com que, durante alguns anos, o núcleo central dirigente da “Al-Qaeda” (Bin Laden, Al-Zawahiri, etc.) planeasse, e desenvolvesse uma complexa e eficaz actividade terrorista– com as suas diversas valências, operacional, logística, de comunicações e financeira – a partir desse país – mantendo, no entanto, campos de treino, além do Afeganistão, no Sudão, na Bósnia, no Iémen, nas Filipinas, etc. Apoiada por outros “núcleos” regionais, o “árabe” (que planeou e executou o 11 de Setembro), o “magrebino” (que planeou e realizou os atentados de Paris, Strasbourg e o caso do “shoe bomber”) e o “do Sudeste Asiático” (que se ocupou dos atentados na Indonésia, em Singapura e nas Filipinas), a Al-Qaeda realizou uma mortífera e espectacular “jihad” global de natureza terrorista – cada vez mais utilizando o suicídio terrorista – assente numa estratégia bem pensada e (geralmente) bem executada, de que foram pontos altos os ataques bombistas contra as Embaixadas dos EUA de Nairobi e Dar-es-Salam, em 1998, o ataque ao navio USS Cole, em Aden, em 1999 e a acção de violência “apocalíptica”, em solo norte-americano, contra as Torres Gémeas e o Pentágono, em 2001 – sobre a história e a natureza da Al-Qaeda veja-se o excelente livro de R. Gunaratna — No interior da Al-Qaeda . Face ao cerco das polícias, das informações e dos exércitos dos países ocidentais e de alguns países muçulmanos, seus aliados nesta luta, a Al-Qaeda não possui actualmente a mesma capacidade de organização directa dos atentados, que tinha há alguns anos com as suas vertentes financeiras, logísticas e operacionais. No entanto, devido ao prestígio que conquistou, pela suas actuações espectaculares, nas camadas mais radicais e anti-ocidentais do mundo muçulmano – e também, diga-se, devido a alguns erros dramáticos cometidos pelo Ocidente na luta contra o terrorismo (4) – a Al-Qaeda é hoje, também, uma ideologia global que influencia e serve de guia a muitos muçulmanos que consideram o Ocidente um inimigo perigoso que convém abater. Por isso, assistimos hoje a um conjunto de atentados nem todos dirigidos directamente (em “rede”) ou indirectamente (em “nebulosa) pela organização Al-Qaeda, mas muitos dos quais são inspirados pela ideologia Al-Qaeda, apresentando grande iniciativa local e uma grande (e perigosa) volatilidade. Essa grande iniciativa local – que dá uma ideia errada de total independência – é, no entanto, apoiada, mais ou menos discretamente, por uma personagem fundamental nas acções terroristas religiosas, que é o “facilitador” (5) – equivalente do “controleiro” das organizações políticas clandestinas –, o qual promove a selecção e o recrutamento, o enquadramento religioso (nas mesquitas radicais ocidentais, ou nas madrassas, escolas corânicas orientais) e a formação operacional, quer de base, quer complementar – organizando discretamente visitas a campos de treino, nem que seja sob a capa de aprendizagem religiosa (6) –, apoio logístico e financeiro e respectivo comando operacional. O suicídio terrorista dos “mártires” islamitas É um facto indesmentível que grande parte das acções terroristas realizadas por organizações e elementos islamitas radicais são de natureza suicida – vaga que começou nos anos de 83 no Líbano pela organização Hezbolah e que se estendeu, na Palestina, ao Hamas e à Jihad Islâmica e, noutras paragens, a diversas outras organizações terroristas, das quais se destaca a própria Al-Qaeda. José Sanmartin (7), psicólogo, afirma que “não se nasce um terrorista, um terrorista faz-se”. Este processo de socialização do “jihadista” apresenta uma fase primária que se desenvolve, nos países muçulmanos, na família, na escola e/ou no grupo social e religioso em que o futuro terrorista vive e, nos países ocidentais, nas mesquitas radicais e nos grupos de amigos que se constituem em torno delas. Quanto à fase de socialização secundária, ela realiza-se já dentro do grupo terrorista. Muitos perguntam se não haverá, no entanto, certas características psicológicas e mentais que propiciem a um indivíduo a escolha da via terrorista e do terrorismo suicida em particular – isto para além dos problemas verificados na infra-estrutura socioeconómica, mais determinantes nos países muçulmanos, menos determinantes nos países ocidentais. Tudo indica que a “propensão a dicotomizar, a dividir o mundo em dois grupos irreconciliáveis (o do próprio e o dos outros)” e, como consequência, a “projecção sobre os outros de todo o seu ódio e frustração”, “responsabilizando os outros por essas próprias frustrações”, é a característica determinante para a escolha da via terrorista, a qual é sistematicamente desenvolvida nesse processo de socialização secundária que decorre dentro do grupo, levando o ódio até às suas últimas e violentas consequêncIas contra a “fonte” de todas as frustrações e de toda a humilhação: o inimigo, ser que se aprende a considerar como um inferior e abjecto, sob o ponto de vista rácico, mas sobretudo sob o ponto de vista religioso e que, por isso, só pode ter um destino, o de ser morto implacavelmente, num acto de superior “justiça divina” de que o terrorista é um “nobre” instrumento. Humilhação é uma palavra-chave para se compreenderem as motivações profundas dos terroristas religiosos e islamitas em particular. Farhad Khosrokhavar (8) – que sustenta haver traços comuns entre a subjectivação e a socialização existente em grupos terroristas e a que existe em “seitas” e “cultos” violentos – considera que há que considerar uma distinção entre três tipos de humilhação: a que nasce da inferioridade social e da marginalidade económica, a que nasce do que é noticiado pelos media relativamente ao que é entendido como uma “ofensiva” político-militar do Ocidente contra o Islão (Palestina, Iraque, etc.) e, ainda, a que reside na ameaça cultural e religiosa de um Ocidente laico e dominador. Mas, mais importante é o sentimento da humilhação, dado por uma superestrutura religiosa fundamentalista radical que, depois da falência das grandes ideologias laicas, surge como a última reserva de identidade resistente face às injustiças sociais, económicas e político-militares e face á ameaça cultural e religiosa ocidental. É forçoso concordar que a maior humilhação dos nossos dias reside, por exemplo, em África, onde a fome e a doença semeiam a miséria e a morte. Mas uma coisa é a humilhação – dada pela infra-estrutura – e outra é o respectivo sentimento de humilhação – dado hoje sobretudo pela superestrutura ideológica religiosa do fundamentalismo radical e extremista que leva a uma “efervescente” vivência identitária que lhes dá um profundo sentido à vida e uma grelha absoluta de leitura e interpretação do mundo – o que era dado pelas ideologias laicas totalitárias – e os conduz à acção violenta. Essa vivência identitária de afirmação e defesa de valores faz com que esses elementos se sintam parte plena de, no caso do islamismo radical, uma vasta “nação islâmica”, levando-os a sentirem-se solidários (mesmo o que têm uma vida aparamente estável e realizada) com todos os que sofrem injustiças nesse universo cultural e religioso a que pertencem ou a que aderiram. Daí, a “Jihad” em geral e o terrorismo suicida em particular. Segundo Mark Juergensmeyer (9), nos actos de terrorismo religioso, os candidatos a suicidas têm preferencialmente de cumprir o critério tradicional de pureza – ou – e de purificação – e anomalia necessários à qualidade de vítimas sacrificiais. De salientar, a propósito, a perspectiva antropológica da relação do sagrado com a “pureza” e a dicotomia puro/impuro que, neste contexto, tão bem analisou Mary Douglas em Purity and Danger (1966). No jornal Público de Dezembro de 2004, podia ler-se o comunicado da FPLP (laica, mas resvalando, por mimetismo e emulação, para o discurso religioso) acerca do atentado bombista de 1/11/04 perpetrado por um jovem suicida de 16 anos, no mercado central de Telavive: As Brigadas Abu Ali Moustapha, o ramo militar da FPLP, conseguiram atingir o coração do inimigo sionista... O nosso camarada Amer Al-Fahr, do campo de Askar, em Nablus, tornou-se mártir ao fazer explodir o seu corpo puro entre os ocupantes (sionistas) infligindo-lhe perdas . No entanto, é conveniente esclarecer que, em virtude do carácter autopurificador do martírio, há casos em que o mártir foi involuntariamente poluído – através de uma violação – o que não diminui a sua “pureza” essencial, antes torna mais necessária a purificação pelo martírio. O auto-sacrifício e o idealismo suicidário dos jovens militantes radicais islamitas que praticam o terrorismo suicida, as suas mensagens de despedida e de autojustificação da “guerra santa”, e os funerais-celebrações (misto de casamento e de cerimónia religiosa), dão todo um sentido religioso e celebram a morte e o martírio, transformando os actores do terrorismo religioso de assassinos em mártires e justificando, moral e religiosamente, esses actos terroristas. Outro exemplo deste universo radical é a fatwa de Fevereiro de 1998, de Ossama Bin Laden, segundo a qual a “guerra defensiva” é realizada por nobres guerreiros que ou sobrevivem e são heróis, ou morrem e são mártires. Por seu lado, o “líder supremo dos estudantes de Teologia”, o mulá Omar, declarou que as milícias “talibãs” «beneficiam da intervenção de Deus» e prometeu «a felicidade eterna no paraíso aos que morrerem mártires contra a agressão americana». (in Público , 23/10/01, p.3). Outro exemplo da noção de missão religiosa de que o mártir se sente investido: O encontro com Deus é o melhor o o mais importante desta vida. Juro por Deus que algures se encontra o Paraíso maior que os Céus e a Terra... Esta vida dos nossos dias não é mais que um divertimento, uma distracção e a procura de dinheiro... Uma operação da Jihad conduzida por um Mujahid , de coração repleto de fé e amor...assusta os arrogantes (comunicado de 11/2/2001, distribuído em Gaza e assinado pelo mártir, o jovem Hicham Ismail, da Jihad Islâmica). Mas é preciso salientar que a morte sacralizada do mártir deve associar-se à simultânea expulsão sacrificial dos “infiéis” e opressores, provocada e oferecida pelo “mártir”. Daí a extraordinária eficácia simbólica – além da grande eficácia operacional que provoca mortes e feridos e, ainda, o terror entre o inimigo – do terrorismo suicida, que assenta numa dupla purificação: a autopurificação do mártir e a purificação do mundo dos seus elementos poluidores. É claro que isto só é possível num quadro religioso “efervescente” e de devoção extrema que existe em certas camadas do Islão actual, as noções e os sentimentos de humilhação e de honra que redime essa humilhação em que; alicerçados e alimentados pelas ideias (presentes em todas as religiões, mas não vividas tão intensamente em todas as latitudes e em todas as épocas) de negação da morte por superação – não por nojo ou medo – e as de imortalidade pessoal e de ressurreição dispensadas aos justos e aos mártires, ideias que são muito fortes e intensas no islamismo radical e extremista.1 - Há notícia de que dois dos terroristas do 7 de Julho de 2005, em Londres, fizeram pelo menos uma viagem ao Paquistão para aprofundamento doutrinário, a qual foi complementada por treinamento em campos militares da Al Qaeda, na zona fronteiriça com o Afeganistão. Licenciado em Química pela Faculdade de Ciências de Lisboa. Criminalista do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária durante 19 anos. Docente convidado da FCSH/UNL, durante 18 anos. Doutorando em Antropologia da Religião.
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