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A avaliação do desempenho da China tem sido dual: por um lado, mede o “quantum” que as reformas económicas aproximaram as regras de funcionamento da economia do quadro institucional OMC; por outro, avalia o muito que ainda está em conflito com os princípios da OMC e os compromissos da adesão. Como dizia o então director-geral da OMC, Mike Moore, em Maio de 2000, “uma China mais aberta trará benefícios para toda a gente, desde os Estados Unidos, que podem aceder a uma economia de 1.3 biliões de consumidores, à própria China que pode realizar investimentos na Ásia, tirando partido da estabilidade interna”. Mas alertaria que “a China sabe que terá que se ajustar aos seus compromissos na OMC. Se o não fizer, os Estados Unidos e os outros governos membros da OMC poderão usar os mecanismos de resolução de litígios da organização para forçar o cumprimento”. O problema é que, aplicando uma lente “realista” à sua política externa dual, política e comercial, a China dificilmente distingue quando há lugar à negiciação dos interesses sectoriais e quando está perante uma intrusão grave na sua soberania nacional (2). Desde a sua adesão à OMC em 2001, a China tem dado provas de querer honrar os seus compromissos, tendo alterado as suas leis e regulamentos internos por forma a ajustá-los às regras da OMC. Mas a China trata os seus compromissos decorrentes do protocolo de adesão não como uma base de partida, mas como um “tecto”, recusando-se a retirar deles ensinamentos para outras áreas onde a conflitualidade com parceiros comerciais tem subido em flecha . Disso é exemplo a sua política cambial e a sua recusa a desvalorizar o yuan para aliviar as pressões sobre o dólar americano por força do superavit comercial que mantém com os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão. Por outro lado, a China preocupa-se em obedecer mais à letra que ao espírito dos seus compromissos, como é ilustrativo o caso dos direitos de propriedade intelectual. As leis chinesas respectivas estão de acordo com as regras da OMC, mas a administração chinesa pouco tem feito para reprimir as infracções e os infractores. Durante 2006 e 2007 avolumaram-se indicações sobre o accionamento por parte dos Estados Unidos, da União Europeia (e de outros países) de acções contra a China por desrespeito de dispositivos do GATT, do Acordo sobre os Serviços e do Protocolo de Acessão (3). De certa maneira, esta conflitualidade era previsível e resulta do pressing dos dois principais blocos comerciais face ao acesso e abertura do apetecível mercado chinês. Existe a percepção de que os hábitos dos consumidores chineses estão rapidamente a ocidentalizar-se e que isso é uma importante janela de oportunidade. A principal excepção a este tom é Pascal Lamy, o director-geral da OMC. A 6 de Setembro de 2006, esta dizia-se em Pequim contente com a implementação dos compromissos pela China, e que “o resultado é em termos gerais bom, há preocupações sobre propriedade intelectual, subsídios à produção industrial, mas a fotografia que tiramos do que os governos nos dizem é positiva”. E acrescentava: “os compromissos da adesão têm sido encarados de forma séria pelas autoridades chinesas. Obviamente há um certo sentimento de que a China tem que se esforçar no seu cumprimento e um país como a China não se pode dar ao luxo de ser criticado quanto a isso”. E concluía: “A sinergia entre a adesão à OMC e o processo de reformas funcionou”. A 28 de Outubro, numa entrevista ao jornal suíço Le Temps , Lamy repetiria os argumentos dizendo que “a China está a jogar de acordo com as regras na abertura do seu mercado interno” e “está a fazer o trabalho que se havia comprometido a fazer”. Mas quais são as razões dos principais blocos comerciais mundiais para o seu criticismo? A 24 de Outubro de 2006, União Europeia e Estados Unidos manifestar-se-iam apreensivos com as dificuldades experimentadas na entrada de produtos dos dois países no mercado chinês. Em conferência de imprensa em Bruxelas, Peter Mandelson, o comissário europeu do Comércio, advertiria que a Comissão Europeia intentava levar a China perante os competentes mecanismos de resolução de disputas da OMC se as disputas comerciais com a China não puderem ser resolvidas através de negociações bilaterais. Nas suas palavras, “a China chegou a um estádio do seu desenvolvimento em que o resto do mundo tem o direito de lhe pedir mais. A União Europeia deseja que a China satisfaça as suas obrigações na OMC e continue a abrir os seus mercados e a liberalizar o comércio de serviços e os investimentos”. A Comissão Europeia incentivaria a China a abrir uma “via de dois sentidos” para o comércio global, dizendo--se preparada para aplicar medidas como direitos de compensação e outras sanções contra a China. Mandelson disse que “a União Europeia irá usar estes instrumentos cuidadosamente, mas de forma rigorosa, quando justificado”. A razão de fundo tem a ver com o gigante déficit comercial da União Europeia para com a China. Em 2005, as exportações chinesas para a UE cifravam-se em 158 biliões de euros, três vezes o valor das exportações da UE para a China. Apesar dos compromissos do Protocolo de Adesão os direitos de importação sobre produtos europeus como têxteis, vestuário, calçado, peles, cerâmicas, aço e veículos continuam particularmente elevados (4). Susan Schwab, a responsável pelo comércio da administração americana, em visita à China instava-a a fazer mais progressos nos compromissos de adesão à OMC, referindo-se em particular às novas restrições à importação de peças para automóveis por fábricas americanas instaladas na China. Em aparente resposta a este criticismo, o primeiro ministro Wen Jiabao afirmaria em discurso na Cimeira China-ASEAN Negócios e Investimento (Nanning) que “honraremos com boa-fé os nossos compromissos na OMC, abrir-nos-emos mais ao mercado, melhoraremos o ambiente de investimento e criaremos as condições para as empresas estrangeiras que operam na China”. Mas no relatório ao Congresso americano em 12 de Dezembro, Susan Schwab retomaria, no essencial, os argumentos: “O registo da China na implementação dos seus compromissos na OMC é misto, apesar de significativos progressos nalgumas áreas”. A responsável americana alertaria para “preocupantes sinais de que os esforços de liberalização do mercado abrandaram em 2006, com políticas industriais e intervenções inconsistentes com as regras da OMC criando novas barreiras (5) e preservando as actuais”. Acrescentaria: “Com cinco anos de experiência como membros da OMC acreditamos que é justo esperar que a China implemente a letra e o espírito das suas obrigações na OMC de forma plena”. A 2 de Fevereiro de 2007, os Estados Unidos submeteriam um novo conflito ao órgão de resolução de disputas comerciais da OMC, desta vez pela concessão de subsídios à exportação em desrespeito dos compromissos da adesão à OMC. De acordo com o gabinete da representante americana, os subsídios constituem incentivos para os investidores estrangeiros e os seus parceiros exportarem para os Estados Unidos e outros mercados criando uma distorção à chegada aos mercados de destino com violação do Acordo OMC sobre Subvenções e Medidas de Compensação (6). A dar razão aos argumentos ocidentais, a OMC emitiria em Abril de 2007 um relatório de conjuntura em que diz que a China ultrapassou os Estados Unidos como segundo maior exportador mundial, apresenta um crescimento das exportações em 2006 na ordem dos 27% e estima que a China ultrapassará a Alemanha como o maior exportador do mundo em 2008. Desde 2000, diz o relatório, a China dobrou praticamente a sua quota nas exportações mundiais de mercadorias.
Conclusão A China ultrapassou os Estados Unidos como segundo maior exportador do mundo, no meio de 2006, de acordo com dados revelados pela OMC. As exportações da China cresceram 27% em 2006 ultrapassando todos os grandes países exportadores. A China ficou abaixo dos Estados Unidos e da Alemanha no fim do ano, mas ultrapassou os Estados Unidos nos últimos seis meses do ano. A manterem-se estas taxas de crescimento, a China tomará o lugar da Alemanha como o primeiro exportador mundial em 2008. Como detalha o estudo de Sandra Polaski para o Carnegie Endowment for International Peace, ‘ China's Economic Prospects 2006-2020 ', o balanço interno da adesão da China à OMC é misto. Por um lado, a adesão e o processo de mudanças internas permitiram-lhe ultrapassar certos bloqueios sistémicos decorrentes de forte intervencionismo estatal e adoptar uma filosofia de gestão económica mais aberta e funcional. Por outro lado, criou disfunções na estrutura de rendimentos e fissuras na cobertura social, que levaram ao acentuar brutal das assimetrias regionais e a novas e gritantes diferenças de classe. Isto provocou a migração de 280 milhões de pessoas do interior, provavelmente o maior movimento de pessoas da história, em direcção aos centros urbanos, perturbando a produção agrícola e colocando dificuldades ao abastecimento regional e local. Teve como consequências uma urbanização abrupta e selvática que acarreta já altíssimos níveis de poluição e a destruição de recursos naturais, de forma provavelmente irreparável. As comunidades rurais da China estão no centro da tempestade que se avizinha, como o comprova a explosão de manifestações e protestos públicos, um pouco por toda a China, contra o nepotismo e a corrupção das autoridades regionais e locais e o compadrio com interesses corporativos e imobiliários. Isso coloca a necessidade de políticas públicas que atraiam as populações rurais ao campo, reforcem os sistemas educativo e de saúde pública, e criem uma nova malha de empregos. A China precisa urgentemente de criar um safety net que substitua a arruinada panela de ferro comunista. As tensões entre a China e os seus principais parceiros comerciais têm a ver com culturas políticas diferentes que geram desentendimento e desconfiança. A China estima que as divergências comerciais podem ser resolvidas de forma cooperativa, desde que se dê tempo ao tempo, mas ignora (ou desvaloriza) que as políticas nos Estados democráticos estão sujeitas à contestação das oposições e da opinião pública. Na China, apesar de opiniões divergentes, a posição expressa pelo seu dirigente cimeiro é a decisiva e ninguém ousa contestar em aberto a sua orientação. A sua palavra é a linha do partido. Por isso a temática dos défices da balança comercial é na política interna dos Estados Unidos ou da União Europeia um dos fiéis da balança da competência dos governos. O seu desequilíbrio acarreta menos postos de trabalho, indústrias em crise, desemprego e pressões dos interesses corporativos sobre os governos. A menos que a China interiorize estas questões terá que se confrontar com a emergência de uma onda proteccionista na Europa e nos Estados Unidos nos próximos anos, que flagelará, sem comiseração, as suas exportações. A China e os seus parceiros comerciais precisam de estabilidade na economia global para prosseguirem os seus respectivos programas económicos, garantindo prosperidade e qualidade de vida às suas populações. São, no essencial, potências do status quo e a sua interdependência económica crescente representa o maior incentivo para impedir acções timoratas que levem à recessão e à ruptura.1 - É bom lembrar que apenas em 1992 o Partido Comunista Chinês abraçou o ponto de vista de que a economia de mercado não era, necessariamente, incompatível com os ideais do socialismo. O mote “economia de mercado socialista” consagrado no preâmbulo da Constituição visa “contornar” esta contradição ideológica. 2 - A vice-primeira-ministra, Wu Li, declarava em recente visita a Washington, no contexto do diálogo China-Estados Unidos sobre as questões comerciais, que “a China não tolerará o uso de sanções comerciais dos Estados Unidos” referindo-se a duas queixas dos Estados Unidos à OMC em razão de pirataria chinesa de música, DVDs e livros americanos, em violação dos compromissos relativos a direitos de propriedade intelectual. Wu Li acrescentaria com alguma estridência que a “China lutará até ao fim” contra estas queixas, e que elas “danificarão os laços de cooperação em matéria de acesso ao mercado”. Ver “Stormy US-China ties seen amid trade tensions”, 27.03.2007, in http://news.yahoo.com 3 - A China foi accionada, até ao presente, por oito queixas oriundas de países membros da OMC. Dá-se exemplo de algumas. Uma primeira queixa (Disputa DS309) apresentada pelos Estados Unidos, a 18 de Março de 2004, tinha a ver com o tratamento discriminatório de empresas americanas relativamente à cobrança de IVA sobre circuitos integrados. A União Europeia, o México e o Japão juntar-se-iam aos Estados Unidos. Em Julho de 2004, a China e os Estados Unidos chegariam a um acordo, comprometendo-se a China a revogar as medidas. A queixa seria retirada. Uma segunda queixa (Disputa DS339) seria apresentada pela União Europeia, os Estados Unidos e o Canadá, a 30 de Março de 2006, quanto à imposição de medidas que atingem as importações de peças de automóveis provindas da UE e dos outros países e a que são aplicadas as mesmas taxas a que se encontravam sujeitos os automóveis completos. Na falta de acordo, UE, EUA e Canadá requereram a constituição de um painel de peritos. O painel foi constituído em Janeiro de 2007. A última queixa foi apresentada a 10 de Abril de 2007 (DS363) e tem a ver com medidas tomadas pela China afectando a distribuição de certas publicações e produtos audiovisuais e de entretenimento. Esta queixa respeita à piratagem de filmes, DVDs, cassetes de vídeo, livros, jornais e revistas de som e de electrónica, bem como medidas que dificultam a distribuição de produtos e a prestação de serviços por parte de fornecedores estrangeiros. Ainda não há reacção da China. 4 - A UE aplicaria em Outubro de 2006 direitos anti-dumping às exportações de sapatos chineses. “China faces pressure after WTO honeymoon ends”, 30.10.2006, in http://news.yahoo.com 5 - O relatório fala em “políticas industriais problemáticas” que assentam em medidas que distorcem o mercado como exigências locais, restrições à importação e exportação, regulamentos discriminatórios e subsídios interditos. 6 - Um dos Acordos Comerciais Multilaterais anexos ao Acordo que cria a OMC.Ver http://www.fd.uc.pt/CI/CEE/OI/OMC.GATT/OMC-Indice-Anexos123.htm * Arnaldo Gonçalves Licenciado em Direito na Universidade de Lisboa. Mestre em Ciência Política e Relações Internacionais no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica. Professor assistente de relações internacionais [Instituto Politécnico de Macau]. Investigador e presidente do Fórum Luso-Asiático. Rep. Pop. China: divisões administrativas, disputa territorial e indústria
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