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Palco de uma guerra que dura há já 16 longos anos, este território do Corno de África é hoje pouco mais do que a soma difícil de diversas lutas clânicas às quais se adiciona a ingerência de alguns países vizinhos e a apatia da comunidade internacional. Desta realidade resultou um verdadeiro “Estado falhado”, sem governo efectivo, sem quaisquer infra-estruturas políticas, económicas ou sociais, provável santuário de células terroristas internacionais e com problemas graves do ponto de vista humanitário. No entanto, o conflito somali não segue a dinâmica comum em outros processos conflituais em África em que o factor violência interétnica é decisivo. Na Somália existe uma intrigante homogeneidade étnica, linguística e até mesmo religiosa. A população concentra-se no seio da grande família somali, o que faz deste conflito o espelho da violência entre diferentes clãs e subclãs que competem por poder, expresso em território conquistado e bens angariados. Trata-se de uma situação que, embora agravada na última década do século passado, já era possível observar durante os anos 50, no momento da preparação da independência. Nessa altura os somalis lutavam contra a divisão do seu povo em diversos novos Estados, desejavam a “grande” Somália. Não foram bem sucedidos. A Somália independente reunia no seu seio apenas a antiga British Somaliland e a Somália Italiana; de fora ficavam as populações somalis na Etiópia, no Djibouti e no Quénia. O desenho da bandeira somali no momento da independência traduzia o desejo de reunificação: um fundo azul com uma estrela de cinco pontas, cada uma representando as cinco parcelas regionais onde existiam somalis. A independência não trouxe a paz, nem na nova Somália em versão reduzida, nem entre os somalis que tinham ficado “de fora”, integrados em outras realidades estatais. Mas, se inicialmente o mote para a conflitualidade parecia ser o desejo de reunião, cedo foi possível perceber que o mau funcionamento das estruturas governamentais, decorrente da não articulação da tradicional rede social clânica à nova realidade política e social, estava agora no centro da agitação interna. Sucessivos líderes, e seus jogos de poder baseados na manipulação das rivalidades clânicas para obtenção de créditos políticos, eram a face mais visível desta nova realidade. A chegada ao poder de Siad Barre, no final da década de 60, resultou exactamente desta dinâmica. Barre sustentou a sua liderança no “jogo” dos clãs e na promessa de edificação de uma nova sociedade. Foi capaz de se manter no poder mais de duas décadas, deixou o país, em 1991, após diversos conflitos internos e após uma guerra com o país vizinho, a Etiópia, ainda em nome da reunificação de todos os somalis, neste caso os da zona de Ogaden. A sua saída deixou à vista uma sociedade dilacerada pela competição pelo poder, sem aparelho estatal, pobre e afectada por anos de secas e inundações cíclicas. A situação humanitária atraiu a atenção da comunidade internacional, que foi, no entanto, impotente para travar a anarquia violenta que se havia instalado. Desde então muitos outros factores se juntaram a esta já complicada situação: movimentos secessionistas, radicalismo islâmico, agravamento da seca, criminalidade organizada, só para referir alguns. O conflito somali é hoje um intricado cenário em que se sobrepõem diferentes patamares de conflitualidade: regiões separatistas contra o governo central; regiões separatistas pela definição das suas “fronteiras”; radicais islâmicos contra moderados; entre clãs e sub-clãs; competição por recursos (terra e água); pastores contra agricultores ou nómadas contra sedentários; competição pelos recursos naturais da zona; competição pelo controlo das redes criminosas que se aproveitam da ausência de autoridades credíveis e de controlo (ex. pirataria marítima). Paralelamente a população enfrenta uma progressiva escassez de alimentos, ao mesmo tempo que as actividades tradicionais, agricultura e criação de gado, vão desaparecendo perante as intempéries climatéricas e perante as dificuldades de escoamento do gado somali (cuja qualidade sanitária se questiona). A comunidade internacional, após vários anos de inacção perante os problemas crescentes deste país, parece agora procurar apoiar um muito difícil processo de paz e uma população com carências graves. A possibilidade, cada vez mais real, de regionalização do conflito, com o envolvimento etíope, terá sido determinante para este novo fôlego internacional. Apesar disto, permanece o descontrolo interno.Informação Complementar Actores presentes 1) Nível nacional: Luta pelo poder central • Governo Federal de Transição (GFT) – Eleito por líderes civis somalis e senhores da guerra, em Nairobi, a 10 de Outubro de 2004. O coronel Abdullahi Yusuf é eleito presidente entre um total de 25 candidatos e obtém 189 votos contra os 79 votos obtidos pelo segundo candidato Abdullahi Ahmed Addow. Este governo deverá ter a duração de cinco anos. Abdullahi Yusuf Ahmed é um antigo militar do exército somali e antigo líder da região do Puntland (responsável pela declaração de autonomia desta região), é membro do clã Darom. O primeiro-ministro é Ali Mohamed Ghedi, cirurgião veterinário e oficial da União Africana. O GDT é formalmente apoiado pela União Africana, pelas Nações Unidas e pelo IGAD – Inter-governmental Authority on Development. No terreno o seu maior apoiante é a Etiópia, que não pretende ter um Estado islâmico nas suas fronteiras. • União dos Tribunais Islâmicos (UTI) – É constituído por 11 tribunais, unidos pelo Islamismo mas que se organizam em sub-clãs: a maioria está associada ao clã Hawiye mas cada tribunal islâmico actua unicamente dentro da área de influência do subclã a que pertence. Aplicam a Sharia (que neste país de maioria muçulmana é bem aceite) e conseguem introduzir alguma estabilidade na parte norte de Mogadiscio no último semestre de 2006. A UTI tinha um discurso pan-somaliano que reivindicava a região etíope do Odagen para a criação da Grande Somália. Reforçou as suas ligações e apoiou militarmente a Frente Nacional de Libertação do Ogaden e a Frente de Libertação da Somália Ocidental Unida, ambas em luta pela autodeterminação da região somali da Etiópia. O seu líder é Sharif Sheikh Ahmed, considerado um moderado, mas a UTI tem elementos radicais, tais como Sheikh Hassan Dahir Aweys, que faz parte da lista norte-americana de suspeitos terroristas. 2) Nível regional a) No norte do território: Disputas territoriais entre: • Puntland – Região declarada autónoma em 1998 e que estabeleceu Garoowe como capital. O seu presidente é o general Ádde Musa. Região habitada maioritariamente pelo clã Harti (um subgrupo do clã Darod) e pelo subgrupo Majeerteen (o maior subgrupo do clã Harti). Os seus líderes pretendem fazer parte de uma futura Federação Somali. O regresso do actual presidente (ex-presidente em Puntland) levou ao recrutamento de várias milícias desta região para a região centro da Somália, em protecção do Governo de Transição, deixando esta região sem grande protecção face aos ataques da Somalilândia. • Somalilândia – Região auto declarada República independente a 18 de Maio de 1991, estabelecendo a capital em Hargeisa. Facilita o acesso marítimo à Etiópia e tem laços comerciais com este país e com Djibouti, sendo a região da Somália que mais tem recebido dos programas de ajuda internacionais. O investimento estrangeiro também aumentou consideravelmente nos últimos anos. É habitada maioritariamente pelo clã Isaaq. O seu Presidente é Dahir Rayaale Kahin e o vice-presidente é Ahmed Yusuf Yassin, que são contra o presidente do Governo de Transição. Abdullahi Yusuf, enquanto líder de Puntland, invadiu o território da Somalilândia tendo chegado até Hargiesa. • Maakhir – Estado auto proclamado autónomo a 1 de Julho de 2007, sendo maioritariamente habitado pelo clã Warsangali. A sua auto proclamação deveu-se às reclamações da Somalilândia e de Puntland pela região de Sanaag ocidental: ambas estas regiões assinaram contratos para a concessão de petróleo na região de Sanaag, mas sem incluir as autoridades de Maakhir. b) Sul do território: • Jubaland – O Movimento Patriótico Somali e líderes dos clãs Digil e Rahanwein declaram o Estado de Jubaland independente a 3 de Setembro de 1998, designando Kismayo como capital. A 18 de Junho de 2001 a Aliança do Vale de Juba derruba o MPS e instala uma nova administração, apoiando o governo de Mogadiscio e administrando o território desde então. Mantém-se o confronto militar entre estas entidades rivais. 16 anos de Estado falhado 1991 Janeiro – Siad Biarre, no poder desde 1969, é forçado a retirar-se da Presidência. Iniciam-se lutas entre os “Senhores da Guerra”, líderes de clãs somalis. 18 de Maio – A região da Somalilândia declara unilateralmente a sua independência. 1992 23 de Janeiro – O Conselho de Segurança (CS) das NU adopta a resolução 733 estabelecendo um embargo de armas à Somália. Abril – Chegada ao terreno a operação da ONU na Somália, a UNOSOM I, com o objectivo de monotorizar o cessar-fogo em Mogadiscio e de assegurar a distribuição das ajudas pelos diversos centros da cidade. Dezembro – Chegada a Mogadiscio da UNITAF – United Task Force, liderada pelos EUA, com o objectivo de apoiar o trabalho da UNOSOM I a chegar a outras regiões da Somália. 1993 Março – Substituição da UNOSOM I pela UNOSOM II, que pretende assegurar a criação de um ambiente seguro para a distribuição alimentar no país. 4 de Maio – A UNITAF passa a trabalhar com a UNOSOM II. Outubro – Milícias somalis atacam dois helicópteros norte-americanos, levando à morte de 18 rangers do exército norte-americano e um malaio. 1995 Março – Os capacetes azuis da ONU saem do território, tendo a missão de manutenção da paz sido considerada um fracasso. 1998 Junho – A região de Puntland declara a sua autonomia. 2001 Agosto – As NU apelam à ajuda internacional para lidar com a intensa seca a sul do território. 2003 16 de Dezembro – Através da resolução 1519, o CS solicita ao secretário-geral a criação de um Grupo de Monitorização para a Somália, baseado em Nairobi e constituído por um período de seis meses. O mandato do Grupo de Monitorização tem vindo a ser sucessivamente aprovado por períodos de seis meses. 2004 10 de Outubro – Na 14.ª tentativa, desde 1991, para restaurar o governo central, é aprovada a criação do Governo Federal de Transição. 26 de Dezembro – O tsunami do oceano Índico atinge a zona nordeste da Somália, agravando a complicada situação humanitária. 2006 Fevereiro – O Parlamento de transição da Somália reúne-se pela primeira vez desde a sua criação, em 2004, na cidade de Baidoa, mas é dominado por divisões internas. Junho/Julho – Milícias leais à União dos Tribunais Islâmicos assumem o controlo de Mogadiscio e de outras regiões a sul, após derrotarem diversos senhores da guerra, entre os quais ex-ministros do Governo Federal de Transição. Outubro – Desde o início de 2006 que cerca de 35.000 somalis fogem à seca, à lei islâmica e à possível guerra, em direcção ao Quénia. 6 de Dezembro – A resolução 1725 do CS autoriza o IGAD e a UA a estabelecer uma missão de manutenção de paz africana no terreno, reafirmando que, de acordo com o Plano do IGAD, os seus elementos não deveriam provir de Estados vizinhos. 28 de Dezembro – Forças conjuntas do Governo de Transição e tropas etíopes capturam Mogadíscio. O Conselho dos Tribunais Islâmicos é dissolvido e a liderança política do sul do território somali passa para as mãos dos líderes de clãs. 2007 8 de Janeiro – O Presidente Abdullahi Yusuf chega a Mogadíscio, pela primeira vez desde 2004. 20 de Fevereiro – A resolução 1744 do CS autoriza a AMISOM, missão de manutenção da paz da União Africana, a permanecer na Somália durante 6 meses. 27 de Julho – O CS aprova a resolução 1766, onde confirma o embargo imposto em 1993 e reforça o mandado do Grupo de Monitorização. 20 de Agosto – a Resolução 1772 do CS aprecia a iniciativa das Instituições federais de transição que pretende restabelecer o Congresso de Reconciliação Nacional, e renova a presença da AMISOM por mais 6 meses. 15 de Outubro de 2007 – Registam-se novos confrontos militares em Laacanood, entre as regiões da Somalilândia e de Puntland, por questões territoriais. Fonte: International Crisis Group; United Nations Organization; African Union; BBC; Al-jazeera; International Herald Tribune ; Agence France-Presse; Reuters; IRIN Africa; * Rita Duarte Licenciada em Relações Internacionais e Mestranda em Estudos da Paz e da Guerra nas Novas Relações Internacionais na Universidade Autónoma de Lisboa. Assistente no Departamento de Relações Internacionais e no Observatório de Relações Exteriores da UAL. Somália: disputa fronteiriça entre a Somalilândia e Puntland
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