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No entanto, e apesar da gravidade da situação, este conflito é ainda quase desconhecido para a esmagadora maioria dos europeus. Portugal não é excepção. Na verdade, a distância que nos separa destes acontecimentos dita um alheamento substancial face à espiral de violência que se vive desde 2003 na região. Darfur é uma região na parte ocidental do território do Sudão; trata-se de uma região limítrofe localizada junto à fronteira com a Líbia, o Chade e a República Centro-Africana. O seu nome significa “a terra dos Fur”, uma das maiores comunidades presentes no território. Com a dimensão aproximada da França, este território albergava, de acordo com os últimos dados disponíveis, aproximadamente 6 milhões de pessoas. Apesar da diversidade étnica presente na região, verifica-se uma interessante homogeneidade religiosa na medida em que a maioria são muçulmanos. Porém, esta é uma homogeneidade aparente, na medida em que diversas linhas de fractura emergem em resultado da maior ou menor penetração das políticas de arabização promovidas por Cartum desde a adopção da Sharia no início dos anos oitenta. Este é um ponto importante, uma vez que nele reside uma diferença fundamental que destingue este conflito de outro, mais alargado, que há anos opõe o regime governamental de Cartum aos rebeldes do Sul do Sudão. Apesar de este conflito dever ser analisado à luz da situação vivida no resto do território, não deve ser confundido como sendo apenas mais uma etapa na guerra civil sudanesa. A guerra civil sudanesa opõe, desde 1983, os rebeldes do Sul do Sudão, maioritariamente cristãos e animistas, às forças governamentais de Cartum, muçulmanas. Trata-se de um conflito cuja dinâmica assenta, também, na diferença religiosa. Em Darfur este cenário não se repete, embora isso não seja necessariamente sinónimo de menor complexidade. Em Darfur interligam-se diversos factores de conflitualidade: por um lado surgem as diferenças entre as comunidades sedentárias e as nómadas, isto é, genericamente falando, entre agricultores e criadores de gado. Por outro lado surgem as diferenças entre população arabizada e população “negra”, embora aqui a designação negra surja com uma conotação mais pejorativa do que racial. Negra no sentido de africana, não permeável à arabização. Os primeiros criavam cavalos, camelos e gado, os segundos dedicavam-se ao cultivo da terra. A tensão entre estes dois grandes grupos cresceu com o reforço da política de Cartum de favorecimento das comunidades árabes nos órgãos de administração local na região, que fomentou o descontentamento entre a restante população. No entanto, não é de desconsiderar o papel desempenhado pelas condições ambientais na região no acentuar do atrito. O conflito em Darfur é, provavelmente, um dos mais terríveis exemplos da forma como uma crise ecológica pode afectar a segurança de uma região. A progressão da desertificação na faixa do Sahel, o avanço das areias do deserto e as secas recorrentes passaram a fazer parte da realidade de Darfur, sobretudo no norte da região. As pastagens tornaram-se mais escassas e a deslocação das populações criadoras de animais para sul foi a consequência mais evidente. O choque com as comunidades de agricultores foi inevitável. De repente, às fracturas sociais, étnicas e políticas junta-se a disputa pela terra e acima de tudo por água. Abundante em algumas zonas de Darfur central, esta escasseia na maior parte do território. Como é evidente, o facto de toda esta situação acontecer em paralelo com a guerra civil sudanesa determinou que a resposta de Cartum cedo se tivesse materializado no apoio, nem sempre assumido, às milícias árabes constituídas na região. Esta guerra “através de terceiros” parecia satisfazer o governo sudanês, empenhado em promover a sua imagem internacionalmente. Algumas reservas petrolíferas já identificadas no sul da região de Darfur reforçaram o interesse governamental no controlo da região. No extremo oposto, o apoio dos rebeldes do Sul do Sudão aos movimentos também designados “rebeldes” em Darfur permitiu o escalar da violência armada. Como em quase todos os conflitos africanos, não será de excluir nesta dinâmica o papel desempenhado pelos países vizinhos, com particular destaque para o Chade, e o papel de alguns actores, internacionais, como é o caso da China. A conhecida sobreposição da instabilidade política vivida no Chade e no Sudão contribuiu para acusações mútuas de apoio a grupos rebeldes em cada um destes Estados. Necessidades crescentes de petróleo levaram, na última década, a um reforço do interesse chinês em África. A constante instabilidade no Médio Oriente determinava a procura de novos mercados abastecedores. África foi a opção encontrada, e nesta, o Sudão assume uma posição relevante. A inacção da comunidade internacional e as dificuldades de actuação por parte das estruturas regionais africanas contribuíram decisivamente para agravar o problema.Informação Complementar Cronologia 2003 Fevereiro – O Movimento/Exército de Libertação do Sudão (Sudan Liberation Movement/Army – SLM/A) e o Movimento para a Justiça e igualdade (Justice and Equality Movement – JEM) da região ocidental do Darfur, revoltam-se contra o governo, acusando-o de negligência e de exclusão. Para fazer frente aos rebeldes, Cartum apoia as milícias árabes Janjaweed. 4 de Setembro – Com mediação do Chade, é assinado um cessar-fogo entre Cartum e o SLA, que é violado, no entanto, por ambas as partes. Dezembro – Continuam os ataques das milícias árabes Janjaweed. O governo sudanês inicia a sua política de restrição ao acesso das ajudas humanitárias à região. 2004 Março/Abril – Responsáveis da ONU identificam a situação de violência no Darfur como genocídio e limpeza étnica, afirmando que as milícias árabes pró-governamentais Janjaweed são as principais responsáveis. 8 de Abril – sob patrocinío da União Africana (UA) e do Chade, é aprovado o acordo de cessar fogo de N'Djamena entre o governo e os movimentos rebeldes SLM/A e JEM. 28 de Maio – É assinado um novo acordo em Adis Abeba, identificando a UA como a instituição com maior autoridade internacional para actuar no Darfur. A UA anuncia a criação da AMIS I (African Union Mission in Sudan), uma equipa de observadores militares. Cartum aceita a presença desta força no território. 21 de Julho – Kofi Annan declara que Cartum não tomou as “medidas adequadas” para desarmar as milícias Janjaweed. 30 de Julho – O Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas adopta a resolução 1556, abrindo a possibilidade à adopção de medidas contra o Sudão, caso este não coopere com a ONU. 20 de Outubro – O Conselho de Paz e Segurança (CPS) da UA aprova a missão AMIS II, com uma força de 3.320 soldados e polícias. Devido às suas características (basicamente de observação e autodefesa), esta força teve uma eficácia limitada. 2005 Março – É aprovada a resolução 1591 do CS, autorizando a adopção de sanções para os violadores do cessar-fogo no Darfur. 28 de Abril – A UA aprova o aumento da AMIS II para 7.731 elementos. 27 de Julho – O CPS propõe a elaboração de um plano para converter a AMIS numa missão de manutenção de paz, com os objectivos de protecção de civis, desarmamento e neutralização das milícias Janjaweed e facilitação do acesso da ajuda humanitária internacional. O governo de Cartum não autoriza o aumento da força presente nem a extensão do mandato. 2006 5 de Maio – É assinado em Abuja o Acordo de Paz para o Darfur entre o governo, o SLM/MM (SLM de Minni Minawi) e o SPLM (Southern People's Liberation Movement). O acordo é rejeitado pelas restantes facções e regista-se um aumento da violência. Entre outras questões, este acordo de paz prevê a criação da Autoridade Regional de Transição para o Darfur, no âmbito da qual as partes envolvidas no conflito deverão partilhar o poder e contribuir para a melhoria das condições de segurança no território. O Acordo prevê ainda a realização de um referendo sobre o estatuto do Darfur em 2010, após as eleições presidenciais de 2009. 31de Agosto – Através da resolução 1706, o CS decide enviar uma força da ONU para o terreno, decisão fortemente contestada pelo governo de Cartum. Dezembro – Registam-se, no Sul do Darfur, confrontos entre as tribos árabes armadas por Cartum, em luta pelo controlo de terras e pastagens. Nesta altura surge um novo movimento rebelde no Darfur, de origem árabe – o Exército de Forças Populares – que luta contra o governo central. 2007 10 de Janeiro – O governo do Sudão e rebeldes do Darfur assinam novo cessar-fogo e concordam com a realização de uma conferência de paz para por fim à violência no território. 27 de Fevereiro - O Tribunal Penal Internacional emite mandatos de captura contra um ministro de Cartum e um líder da milícia Janjaweed, suspeitos de crimes de guerra no Darfur. 23 de Abril – É decretada pelo governo a criação do Autoridade de Transição. 29 de Maio – O presidente norte-americano George W. Bush impõe novas sanções ao Sudão e pede apoio internacional para o embargo de armas ao país. 31 de Julho – Através da resolução 1769, o Conselho de Segurança autoriza a criação de uma missão híbrida de 26.000 soldados e polícias para o Darfur – UNAMID (United Nations and African Union Mission in Darfur), autorizando o uso de todas as “acções necessárias” para a implementação do Acordo de Paz de Maio de 2006. Pressionado pela comunidade internacional, o Sudão refere aceitar o envio desta força se esta fizer parte da missão da UA já existente, com o mandato, o comando e a estrutura partilhada entre a UA e a ONU. Esta missão deverá estar operacional a partir de 31 de Dezembro de 2007. 27 de Outubro – Inicia-se nova ronda de negociações de paz, desta vez em Tripoli e sob o auspício da UA e da ONU. O Governo declara um cessar-fogo unilateral, mas entre os grupos rebeldes presentes não se encontram representados os dois maiores movimentos, o SLA e o JEM.Principais partes no conflito Governo do Sudão – Presidido pelo general Omar al-Bashir, líder do National Congress Party (obteve o poder em 1989 através de um golpe de Estado). Devido à grande extensão territorial do país o governo central tem utilizado três importantes tácticas para controlar o território: 1) apoiar a existência de milícias nas zonas periféricas, favoráveis aos seus objectivos; 2) negar o acesso das populações aos produtos essenciais e promover a deslocação de civis (enfraquecendo os apoios aos movimentos rebeldes); 3) promover a divisão interna dos movimentos rebeldes. Milícias árabes Janjaweed (combinação de palavras árabes que significam “homem a cavalo com uma arma”) – apoiadas pelo governo de Cartum, são constituídas na sua maioria por nómadas árabes e o seu método de trabalho consiste em pilhar e destruir as aldeias através do fogo, assassinando os homens e recorrendo à violação como arma de guerra. Estão bem armados e bem organizados, aparecendo sempre montados em cavalos ou em camelos. Movimento/Exército de Libertação do Sudão (Sudan Liberation Army/Movement – SLA/M) – Movimento rebelde ligado ao SPLM/A (Southern People's Liberation Movement/Army), do qual recebeu ajuda militar até 2005. Sediado no Darfur, este movimento foi criado em Março de 2002, tendo ficado designado um Fur como presidente, um Zaghawa como comandante militar e um Massaleet como vice-presidente. Os Zaghawa escolheram Abdallah Abakar, os Fur Abdel Wahid Mohamed el-Nur e os Massaleit Mansour Arbab, embora este tenha sido posteriormente substituído por Khamees Abdallah. Minni Arko Minawi sucedeu a Abdallah Abakar após a sua morte em Janeiro de 2004. O SLA também tem no seu movimento importantes líderes de tribos árabes que discordam da política de fragmentação de Cartum. Problemas de liderança, intromissões de países vizinhos e a política de divisão do Governo originaram várias dissidências do SLA: 1) facção de Abdel Wahid Mohamed el-Nur (SLA/AW) 2) facção de Minni Minawi (SLA/MM) – foi a única que assinou o Acordo de Paz de Maio de 2006 3) facção de Mahjoub Hussein (SLM-Al Kubra) 4) facção de Ibrahim al Tayeb Ibrahim, que criou o SLM Nacional para a Paz e Democracia 5) facção de Khamees Abdallah, Adam Bkhit e Jar el Neby (SLA/G19, também conhecido por SLA/Unidade) 6) facção de Ahmed Abdelshaafie, que se separou do SLA/AW (SLA/AS) Movimento para a Justiça e igualdade (Justice and Equality Movement – JEM) – Movimento rebelde predominantemente Zaghawa, possui laços históricos com o regime islâmico e recusou o acordo de 2006. O seu líder é Khalil Ibrahim Muhammad, antigo apoiante de Hassan al-Turabi (ex-apoiante de al-Bashir durante o golpe de Estado mas afastado posteriormente pelo presidente). Há suspeitas de apoio de al-Turabi ao movimento mas o JEM é também apoiado pelo governo do Chade, tendo-se fortalecido ainda graças à aliança militar Frente de Redenção Nacional (National Redemption Force – NRF). O seu objectivo é o realinhamento com as estruturas políticas nacionais, mas através da criação de um sistema federal. Foi alvo de duas cisões: 1ª) A 23 de Março de 2004 o chefe militar Gibril Abdel-Karim Bari rejeita as ligações de Khalil a al-Turabi e à sua agenda islamita nacional, considerando que esta não foca suficientemente as questões do Darfur. Formam o Movimento Nacional para a Reforma e o Desenvolvimento (MNRD). 2ª) Em Fevereiro de 2005, o antigo comandante operacional Mohamed Salih Harba é expulso do Movimento por participar nas reuniões da UA da Comissão Conjunta de N'Djamena, contra o desejo de Khalil. Em Abril, Mohamed Salih tenta retirar Khalil da sua posição como presidente do JEM. A Frente de Redenção Nacional (NRF) foi criada em Junho de 2006 por algumas facções do SLA (como o SLA/G19), o JEM e a Aliança Democrática Federal do Sudão. A sua forte base militar é o SLA/G19 e tem uma coesão política diminuta. Os seus membros fundadores têm em comum a recusa dos Acordos de Paz de Abuja. Fonte: International Crisis Group; United Nations Organization; International Criminal Court, Reuter, Al-Jazeera, BBC, Le Monde Diplomatique.
CARDOSO, Fernando Jorge e FERREIRA, Patrícia Magalhães – A África e a Europa, resolução dos conflitos, governação e integração regional. Lisboa: IEEI, Dezembro de 2005. * Rita Duarte Licenciada em Relações Internacionais e Mestranda em Estudos da Paz e da Guerra nas Novas Relações Internacionais na Universidade Autónoma de Lisboa. Assistente no Departamento de Relações Internacionais e no Observatório de Relações Exteriores da UAL.
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