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- JANUS 2008 -



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O Congresso de Vestefália

Hermínio Esteves * e Nancy Gomes **

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A Guerra dos Trinta Anos representou um conflito titânico entre os Habsburgos, senhores da Espanha e do Sacro Império Romano-Germânico, da Áustria, Hungria, Boémia, Holanda, Baviera, Flandres, norte de Itália e Bélgica, e os Bourbon da França, pelo domínio do continente europeu.

Na raiz do conflito está uma questão religiosa entre católicos e protestantes, cuja coexistência se revelava difícil face às circunstâncias decorrentes da estrutura imperial.

A Reforma protestante ao quebrar a unidade religiosa católica da Europa medieval, forneceu o substrato donde floresceria mais tarde a Guerra dos Trinta Anos e a Paz de Vestefália, representando os nacionalismos do século XVII um papel pouco importaste comparativamente ao que se viria a verificar no século XIX.

 

O Congresso de Vestefália e a sua dimensão

O Congresso de Vestefália foi, de facto, um verdadeiro congresso europeu, visto ter contado com representações de quase todos os países, com excepção do czar russo, do rei da Inglaterra e do sultão da Turquia. O imperador, o rei de Espanha, a rainha da Suécia e o rei de França, os quatro principiais beligerantes, tinham a prerrogativa de discutir as questões entre si antes dos demais, mas não possuíam qualquer poder para negociar em nome dos seus aliados.

As cidades de Münster e de Osnabrück, colocadas na situação de neutrais, foram invadidas por uma multidão de diplomatas, visto cada delegação ser constituída por um conjunto de plenipotenciários, secretários, correios e numerosos criados.

Era necessário resolver um grande número de questões com interesses contraditórios de cada um dos lados. A França e a Suécia protegiam respectivamente o catolicismo e o protestantismo na Alemanha. Para a Espanha, para além da independência das Províncias Unidas, o futuro de Portugal e da Catalunha, o frágil equilibro da Itália do Norte, a atribuição do Baixo Palatinado, o destino a dar às conquistas francesas nos Países Baixos e na Catalunha, eram focos de interesse. No Império, os focos de litígio eram ainda mais numerosos: em que medida os príncipes e as «ordens» desfrutariam de direitos de soberania; qual seria o destino religioso do Império e dos bens secularizados desde a paz de Augsburgo; qual o destino a dar ao Eleitor Palatino, à sua dignidade eleitoral e ao seu património confiscado; que satisfações dar à França e à Suécia como prémio da sua intervenção; o destino da Alsácia e da Lorena, etc., etc.

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Fim da Respublica Christiana

Antes de tudo, os tratados encerram definitivamente o que pouco a pouco vinha sendo admitido desde o começo do século XVI: a extinção da cristandade tal como havia sido concebida na Idade Média. Com a Paz de Vestefália chegava ao fim o período histórico conhecido como Respublica Christiana , baseada na memória do Império Romano, perpetuada pelo papado, primeiro através do Império Carolíngio, depois do Sacro Império Romano-Germânico, a qual assentava na existência de dois poderes, o temporal e o espiritual, estabelecendo que, no plano internacional, o poder máximo residia no papado e no império e, no plano interno, o poder do Estado era uno e indivisível, sobrepondo-se este conceito à situação existente na Idade Média, na qual o poder se encontrava repartido pelos soberanos e pelos grandes senhores. O Papa e imperador aceitam a nova realidade e renunciam a restabelecer a unidade do catolicismo, de facto e de direito. Consequentemente, houve que reconhecer a independência completa dos soberanos e dos Estados. É o malogro dos sonhos e ambições de Carlos V com o Império fragmentado numa série de Estados independentes. A unidade do Sacro Império Romano-Germânico, tal como era concebida antes da revolução religiosa, deixara de existir.

O estatuto do imperador foi alvo de significativas alterações. O Tratado de Münster, nos seus artigos 64 e 65, atribui-lhe uma «superioridade territorial» (Landeshoheit), uma vez que a soberania plena seria incompatível com a existência dum imperador à cabeça do conjunto. Os príncipes, pelo seu lado, ficavam com o direito de «firmar entre si e com potências estrangeiras tratados para sua conservação e segurança recíproca», embora com a cláusula do estilo «de tal modo que não dirigidos nem contra o imperador e o Império nem contra a paz pública do mesmo Império». Os príncipes, porém, não tardaram a assinar tratados algo incompatíveis com os interesses do imperador. A intervenção da Suécia e da França na guerra visara, sobretudo, salvaguardar as «liberdades germânicas», ou seja, a independência dos príncipes e a liberdade de culto. Neste aspecto, a intervenção teve pleno êxito porque a unidade do Santo Império, tal como era concebida antes da revolução religiosa, deixou de existir.

O Congresso de Vestefália originou um sistema de Estados, independentes do ponto de vista político, originando um novo status europeu que só viria a ser alterado pelo Congresso de Viena.

Os Tratados de Vestefália consagram um novo princípio de soberania ao retirarem capacidade política à ideia duma comunidade política universal, legitimando o Estado no exercício da plena soberania sobre o território nacional. Assim, é atribuída ao Estado a autoridade exclusiva sobre o respectivo território e três milhas de costa marítima. Porém, este princípio não surge pela primeira vez em 1648, visto que algumas normas do chamado modelo vestefaliano já faziam parte do Direito Internacional antes dessa data e o próprio conceito de soberania, como princípio da regulação dos conflitos internos, está já patente nos escritos de Jean Bodin. A grande novidade introduzida em Vestefália consiste na ideia dum mundo dividido em comunidades políticas diferentes e autónomas, sob uma autoridade política diferente de território para território. Contribui assim para a formação duma Europa de Estados, os quais passarão a ser considerados as únicas entidades do Direito Internacional.

Ao estabelecer, no plano religioso, que a religião do príncipe é religião do súbdito, não introduz verdadeiramente um princípio de inteira liberdade. Com Carlos V, a religião do imperador era a religião dos súbditos do Império. Com a liberdade de culto consagrada em Vestefália, os súbditos dos diferentes Estados do Império obedecem à religião do seu príncipe.

 

Conclusão

A seguir a Vestefália e durante três séculos, a Europa conheceu guerras sangrentas, mais curtas mas mais numerosas, provavelmente pelo aumento considerável dos actores do sistema internacional (1701-1713, 1756-1763,1792-1815, 1914-1918, 1939-1945).

Os acontecimentos que se desenvolvem parecem dar amplo espaço a um emergente sistema de Estados independentes, soberanos e beligerantes com o monopólio exclusivo da força. Foi esta a visão que os realistas como Maquiavel e Hobbes mostraram mas outras forças desenvolvem-se de forma paralela, atenuando essa tendência porque coadjuvando o desenvolvimento de um carácter transnacional: o ímpeto do comércio, que resulta da descoberta da América e das novas rotas para a Índia, um quadro intelectual comum que floresce com o Renascimento, um sentimento de identidade entre os que professam a mesma religião e que ultrapassa as fronteiras, um sentimento de rejeição perante a guerra, que tantas vidas custara (1).

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Informação Complementar

A Guerra dos Trinta Anos

Esta guerra devastou a Alemanha entre 1618 e 1648. De início religiosa, pondo em confronto a União Evangélica, protestante, composta pelos príncipes reformistas alemães, e a Santa Liga, católica, ligada aos Habsburgos que dominavam politicamente o império, tornou-se política e europeia com a intervenção da Dinamarca, Suécia, França, etc., com o objectivo de enfraquecerem a casa real austríaca, senhoras de vastos domínios na Europa.

Os primeiros sinais de conflito ocorrem em 1618, com as discórdias entre os católicos a darem origem à segunda defenestração de Praga. No ano seguinte os boémios recusaram-se a reconhecer o imperador Fernando II, que substituem por Frederico V, eleitor do Palatinado, chefe dos protestantes, juntando-se-lhes os Húngaros, que escolhem Bethlen Gabor, príncipe calvinista da Transilvânia. Iniciada a guerra, os católicos vencem os protestantes na Batalha da Montanha Branca (1620), comandados por Maximiliano da Baviera, a quem o imperador atribui o Palatinado, com a dignidade de eleitor.

Em 1625 o rei da Dinamarca, Cristiano IV, intervém no conflito ao lado dos protestantes. Vencido pelos generais católicos Tilly e Wallenstein, que ocupam toda a Alemanha do Norte, vê-se obrigado a aceitar a Paz de Lubeck (1629) e a renunciar às suas dependências alemãs. Estes acontecimentos prejudicam Gustavo Adolfo da Suécia, que pretendia dominar o Báltico; intervém na contenda, ajudado financeiramente pela França de Richelieu, que temia o aumento do poder imperial. Este invade a Alemanha, obtém uma vitória em Breitenfeld (1631), junto ao Lech e em Lutzen (1632), onde perde a vida. A vitória dos católicos em Nördlingen (1634), obriga os suecos a aceitar a Paz de Praga (1635). É este acontecimento que leva a França a entrar directamente na guerra ao lado da Suécia, Suíça, Países Baixos e dos príncipes protestantes. Vencidos inicialmente em todas as frentes, os franceses conhecem os primeiros triunfos em 1638, vencem os espanhóis (1643) e invadem os Países Baixos, enquanto franceses e suecos entram na Baviera e na Boémia, obrigando o imperador a aceitar a Paz de Vestefália (1648), sendo garantidos aos protestantes o livre exercício do culto e direitos iguais aos dos católicos. A Suécia recebe a maior parte da Pomerânia, a França a Alsácia menos Estrasburgo. É reconhecida a independência das Províncias Unidas (Países Baixos ou Holanda). A guerra continuaria ainda com a França aliada da Inglaterra, e a Espanha, aliada com a Holanda, e termina pelo Tratado dos Pirenéus.

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Cronologia do Congresso de Vestefália

1618 a 1620: é esmagada uma revolta na Boémia contra o domínio austríaco. Alguns príncipes protestantes mantêm-se em luta com a Áustria.

1625 a 1627: A Dinamarca entra na guerra ao lado dos protestantes, dando início ao chamado Período Dinamarquês (1624-1629)

1630: O rei Gustavo Adolfo da Suécia intervém ao lado dos protestantes, invadindo o Norte da Alemanha, o Período Sueco (1630-1635)

1631: O comandante das forças católicas, Tilly, ataca Magdeburgo

1632: Tilly é derrotado em Breitenfeld e no rio Lech, sendo morto. O general alemão Wallenstein é derrotado na batalha de Lützen, onde Gustavo Adolfo morre.

1634: Período Francês (1635-1648). Com a derrota dos suecos em Nördlingen, Richelieu e a França entram na guerra com o objectivo de enfraquecer a Espanha, aliada da Áustria.

15 de Maio a 24 de Outubro de 1648, realiza-se o chamado Congresso de Vestefália nas cidades de Münster e Osnabrück. A autoridade imperial na Alemanha passa a ser apenas nominal.

A Paz de Vestefália é negociada ao longo de três anos na cidade de Münster, cidade onde se verifica uma forte influência católica e francesa, e na cidade de Osnabruck, cidade sob influência sueca e protestante. Os acordos concluídos nessas duas cidades são depois reunidos na Acta Geral de Vestefália, em Münster em 24 de Outubro de 1648.

 

Consequências da paz de Vestefália

Políticas:
Em 1648 consagra-se a emancipação política e a autonomia dos países, terminando com o domínio imperial ou a imposição de uma ordem religiosa ou de conquista. Fica assim consagrado o princípio de o Governo poder fazer a lei no seu território. A ordem definida afirmava as noções de não interferência, igualdade de princípio entre os Estados, respeito das fronteiras e a reciprocidade. Ao mesmo tempo são reconhecidas as independências definitivas da Holanda e da Suíça.

Ao nível do pensamento político:
É de particular importância, no processo que precede e segue a Paz de Vestefália, a evolução do pensamento político: obras como as de Nicolau Maquiavel ( O Príncipe , 1513), Jean Bodin ( Os seis livros da República , 1576) e Thomas Hobbes ( Leviatã , 1651) evidenciam em diferentes momentos e circunstâncias a construção de um conceito moderno de soberania.

Religioso:
No religioso consagra-se a liberdade religiosa e abre-se caminho para a concepção da tolerância religiosa. Foram consideradas como iguais as três confissões religiosas dominantes no Sacro Império: o catolicismo, o luteranismo e o calvinismo. Revogava-se assim a disposição anterior neste assunto, firmada pela Paz de Augsburgo, em 1555, que dizia que o povo tinha que seguir a religião do seu príncipe. O papado deixa definitivamente de exercer um poder temporal significativo na política europeia.

Económico e comercial:
A nível económico e comercial, emergem grandes empresas associadas ao Estado, incluindo bancos. A doutrina económica do mercantilismo apregoa que o Estado deve desempenhar um papel maior na economia procurando acumular capital e riqueza interna. Em nome do comércio regulado e protegido emerge uma nova burocracia autoritária de Estado. A liberdade religiosa favoreceu a livre iniciativa, a apetência pelo lucro e liberdade de comércio e negócio são mais uma característica do espírito protestante do que católico (2).

Do ponto de vista do Direito Internacional:
Do ponto de vista do Direito Internacional, a Paz de Vestefália assegurou um novo ordenamento jurídico entre os reinos europeus, que pressupunha modificações no mesmo Direito encaminhadas a alcançar o equilíbrio ou balança de poderes. A nova balança de poderes permite a ascensão de Prússia, França (com pretensões hegemónicas) e Suécia como os Estados mais poderosos do mundo.

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1 - Viotti , Paul – International Relations and World Politics . Nova Jérsei: Prentice-Hall, 1997, p. 68.

2- Weber , Max – A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo . Lisboa: Presença, 2001.

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* Hermínio Esteves

Licenciado em Ciências Históricas pela Universidade Livre. Mestre em Relações Internacionais pelo ISCSP/UTL. Doutorando pelo ISCSP na área de Cooperação Europa-África. Docente na Universidade Autónoma de Lisboa.

 

** Nancy Gomes

Mestre em Relações Internacionais. Professora Auxiliar no Departamento de Relações Internacionais da UAL. Colaboradora como Gestora de Bolsas, no Serviço de Educação e Bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian.

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