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- JANUS 2008 -



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O fim do projecto constitucional e a "pausa para reflexão"

Patrícia Galvão Teles *

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No rescaldo da cimeira de Lisboa a União Europeia (UE) e as suas instituições carecem de uma importante reforma para se aproximar dos cidadãos, responder aos novos desafios e consolidar-se como actor no plano internacional, esse processo de reforma acabará por ser mais tradicional e conservador do que inicialmente proposto pela via da Constituição.

Mas como é que foi abandonada a ideia de uma Constituição para a Europa e substituída pelo conceito de Tratado Reformador?

 

O “não” nos referendos da França e da Holanda

O texto da Constituição Europeia previa que esta só entraria em vigor após a ratificação por parte de todos os Estados-membros da União Europeia.

Os Estados-membros optaram por procedimentos internos distintos para a ratificação do tratado. Enquanto uns se limitaram a submeter o tratado a aprovação parlamentar, outros decidiram submeter a Constituição Europeia a referendo. O Tratado Constitucional chegou a ser ratificado em mais de metade da UE.

O “não” nos referendos, com um intervalo de três dias, em França e na Holanda, em meados de 2005, veio bruscamente interromper um processo que parecia estar pacificamente em curso.

Durante praticamente dois anos, a União Europeia buscou soluções para este impasse. Algumas razões foram adiantadas para o impasse, também designado de crise europeia, desde a falta de liderança política na Europa, aos calendários políticos internos, à ausência de consenso sobre os motivos que levaram França e a Holanda a rejeitar o projecto de Constituição Europeia, defendendo uns que se tratou de um voto contra uma maior integração europeia e contra o alargamento, outros que foi um voto de protesto contra as políticas internas dos partidos no poder nesses países e outros ainda que o texto da Constituição era demasiado complexo e necessitava de ser simplificado.

Apesar da recusa inicial de declarar como morto o Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa, recusa essa fortalecida pelo facto de muitos países o terem ratificado, alguns até após os referendos francês e holandês, essa solução acabaria por ser inevitável.

O Projecto de Constituição continha uma declaração em apêndice, parecendo já antecipar o surgimento de problemas no processo de ratificação, segundo a qual se, passados dois anos após a assinatura do Tratado, quatro quintos dos Estados-membros o tivessem ratificado mas os restantes não, o Conselho Europeu deveria reunir-se para decidir o que fazer.

Para alguns, esta declaração poderia significar que uma rejeição por um ou dois membros da União Europeia não deveria impedir os outros de prosseguirem. Para outros estaria aqui implícita a necessidade de repetição de referendos para transformar um “não” em “sim”, como já tinha acontecido no passado em outras fases da integração europeia.

No entanto, estas opções vieram a demonstrar-se irrealistas, desde logo porque seis países (Reino Unido, Irlanda, Suécia, Dinamarca, Polónia e República Checa) tornaram claro que não iriam ratificar a Constituição após os resultados negativos dos referendos francês e holandês.

 

As “pausas para reflexão” e as diversas correntes sobre o futuro

No Conselho Europeu de Bruxelas de 16 e 17 de Junho de 2005, foi decidida pelos líderes europeus uma “pausa para reflexão”, durante a qual se deveria proceder a um amplo debate em todos os Estados-membros, envolvendo os cidadãos, a sociedade civil, os parlamentos nacionais e os partidos políticos, com contribuições das instituições europeias.

Várias iniciativas foram promovidas pelos Estados-membros e pelas presidências austríaca e finlandesa em 2006. A Comissão Europeia preparou para este efeito vários relatórios, designadamente os relatórios intitulados “ Plan D for Democracy, Dialogue and Debate ”, “ White Paper on a European Communication Policy ” e “ A Citizen's Agenda for Europe ”, e o Parlamento Europeu convocou uma reunião para debater o futuro da Europa.

Após este ano de reflexão e debate, o Conselho Europeu de Bruxelas, de 15 e 16 de Junho de 2006, prolongou por mais um ano o período de reflexão, tendo chegado à conclusão de que, apesar de permanecerem muitas preocupações, os cidadãos da Europa permanecem fiéis ao projecto europeu.

Durante estas “pausas para reflexão” foram avançadas várias ideias sobre o que fazer da Constituição e do futuro da Europa.

Mais uma vez, sentiu-se uma divisão entre os “institucionalistas”, que preferiam avançar com as reformas institucionais para produzir uma maior integração, e os “incrementalistas”, que defendiam que a União se continuasse a desenvolver de forma espontânea e que só mais tarde se deveriam introduzir alterações de carácter institucional.

O principal defensor desta segunda corrente era o Reino Unido que, embora reconhecendo várias deficiências de funcionamento da União, designadamente no que diz respeito à PESC, às presidências rotativas e à Comissão, gostaria de ver adiada por ora qualquer discussão sobre as instituições europeias.

Outros, liderados pela Alemanha, continuaram a argumentar que os tratados necessitavam de ser revistos e que o melhor caminho para tal revisão seria através de uma Constituição Europeia, com o mesmo texto ou eventualmente revisto e simplificado.

Desde não fazer nada até manter exactamente a mesma Constituição, passando por soluções intermédias como um tratado constitucional mais reduzido que entraria em vigor sem ser submetido a referendos internos, todas as ideias foram exploradas. O problema com a solução intermédia parecia ser a dificuldade em concordar sobre o que deveria ficar no tratado e o que ficaria de fora. Os países grandes gostariam de diminuir o poder da Comissão, mudar o sistema de votação e instituir uma presidência permanente. Os pequenos Estados viam essas mudanças como um passo atrás na integração europeia e para poder aceitá-las esperariam ganhar algo em retorno, como por exemplo um Parlamento Europeu mais forte ou maior peso dos votos por maioria.

Por outro lado, também foi explorada a ideia de começar a pôr em prática as alterações previstas na Constituição, mas que não requeriam para se efectivar uma alteração convencional, como por exemplo uma maior transparência no processo legislativo comunitário e um maior papel dos parlamentos nacionais.

Outra alternativa seria a de prosseguir uma maior integração política com um número restrito de países, na linha do que já havia sido defendido anteriormente em outros momentos da integração europeia. No entanto, tal parecia difícil se implicasse deixar de fora deste grupo restrito, países fundadores do projecto europeu como a França e a Holanda.

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Os resultados do Conselho Europeu de Junho de 2006

Logo após o Conselho Europeu de Junho de 2006 pareceu certo que a União Europeia se preparava para enterrar o projecto de Constituição, tendo lançado um roteiro para a elaboração de um texto alternativo até ao final de 2008.

Durante o Conselho, os líderes europeus continuaram a afirmar a sua fidelidade a uma Constituição que pudesse reforçar a eficácia do funcionamento da União Europeia com 27 (com as adesões da Bulgária e Roménia) ou mais membros (Croácia e outros). No entanto, era já certo que tal não poderia suceder com o projecto de Constituição em cima da mesa, após os votos negativos em França e na Holanda, pelo que o texto ficou morto e enterrado em meados de 2006.

A grande questão continuou a ser que tipo de solução reuniria o consenso entre os parceiros europeus e teria aceitação junto das populações dos Estados membros.

O Reino Unido, a Irlanda e a Dinamarca defenderam peremptoriamente que qualquer projecto constitucional deveria ser abandonado. Por seu turno, a Alemanha, Itália, Espanha, Bélgica, Luxemburgo, Finlândia, Eslovénia, Estónia, Lituânia e Malta defenderam a preservação do essencial da Constituição, tendo até defendido a continuação dos processos de ratificação.

As conclusões formais do Conselho Europeu referiam um processo de reflexão e consultas, a realizar pela Alemanha durante a sua presidência da União Europeia no primeiro semestre de 2007 e que deveria depois apresentar aos parceiros um relatório sobre o estado dos debates relativamente ao tratado constitucional e sobre os “possíveis desenvolvimentos futuros”.

O Conselho Europeu propôs ainda que a 25 de Março de 2007, por ocasião da comemoração dos 50 anos do Tratado de Roma, fosse adoptada em Berlim uma declaração política dos líderes europeus, identificando os valores e ambições da Europa.

Para além deste calendário e modus faciendi , nada foi avançado sobre que tipo de propostas poderão ser apresentadas pela Alemanha ou sobre as conclusões esperadas. Embora parecendo que a substância do tratado constitucional deveria ser preservada, continuou a não haver consenso sobre como se deveria fazê-lo.

A ideia que pareceu desde logo começar a fazer o seu caminho foi a de um tratado mais compacto e dirigido sobretudo para a reforma das instituições, de forma a garantir o seu funcionamento eficaz e democrático.

Entretanto, a União Europeia iria avançar com a Europa “dos projectos” ou “dos resultados” defendida pelo presidente da Comissão Europeia, e consagrada nas conclusões do Conselho Europeu, para reforçar a relevância da União para os cidadãos europeus.

Ficou assim consagrada uma abordagem dupla no Conselho Europeu: enquanto se deveria fazer melhor uso das possibilidades já oferecidas pelos tratados existentes para alcançar resultados concretos, continuaria o debate sobre o futuro do tratado constitucional.

 

O esforço da Alemanha para salvar a reforma da União Europeia

Durante a sua Presidência da UE no primeiro semestre de 2007, a Alemanha aproveitou a comemoração dos 50 Anos do Tratado de Roma para relançar o debate sobre o tratado constitucional e tentar encontrar uma solução.

No dia 25 de Março de 2007, foi aprovada a Declaração de Berlim. Nessa Declaração, que encerra um compromisso de renovar as bases da UE, a Alemanha viu consagrado o seu propósito de apresentar no Conselho Europeu de Junho, no final da sua presidência, um roteiro com as bases de um compromisso institucional e os passos fundamentais para a conclusão de um novo tratado.

Da cimeira de Berlim resultou assim um consenso sobre a necessidade de um novo tratado mesmo que, necessariamente, menos ambicioso e sem comportar no seu título qualquer referência à ideia de Constituição.

No entanto, as posições dos parceiros continuaram a divergir entre os que defendiam a manutenção da maior parte das disposições do tratado constitucional (Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, Grécia, Itália, Irlanda, Portugal e outros) e os que defendiam um “mini-tratado” (França, Reino Unido, Holanda, República Checa, Suécia, Dinamarca e Polónia), centrado nas questões institucionais e que não necessitasse de novos referendos para ser aprovado.

Após intensas negociações antes e durante o Conselho Europeu de 21 e 22 de Junho, marcadas pelas dificuldades geradas sobretudo pelo Reino Unido e pela Polónia, a União Europeia conseguiu chegar a um consenso e adoptar um mandato para a Conferência Intergovernamental (CIG).

A CIG foi incumbida de elaborar um tratado (agora designado “Tratado Reformador”) que altere os tratados em vigor no sentido de reforçar a eficiência e a legitimidade democrática da União alargada, e bem assim a coerência da sua acção externa.

Foi assim posto de parte o conceito constitucional, que consistia em revogar todos os tratados em vigor, substituindo-os por um texto único denominado “Constituição”. O Tratado Reformador virá introduzir nos actuais tratados – que continuarão em vigor – as inovações resultantes da CIG de 2004.

Foram também abandonadas todas as referências mais ligadas à ideia de Constituição, como à bandeira azul com as doze estrelas, ao hino e ao euro enquanto moeda da União.

 

O novo Tratado Reformador e o desafio para presidência portuguesa

A reforma dos tratados tornou-se assim a grande prioridade da presidência portuguesa da União Europeia no segundo semestre de 2007.

O acordo alcançado no Conselho Europeu de Junho, ainda sob presidência alemã, traduziu-se num mandato claro e preciso. Tal permitiu a Portugal convocar quase de seguida a CIG, que teve o seu início a 23 de Julho de 2007.

O mandato adoptado pelo Conselho Europeu permite preservar o equilíbrio institucional anteriormente acordado, alterando apenas a data da entrada em vigor da denominada dupla ponderação dos votos no Conselho (que fica protelada para 2014, com um período de transição até 2017).

É também abolida a estrutura de pilares da União Europeia, consagrando-se uma personalidade jurídica única. No entanto, persistem processos de decisão próprios em matéria de Política Externa e de Segurança Comum.

Uma inovação importante deste mandato é também o reforço do papel dos parlamentos nacionais no controlo do respeito pelo princípio da subsidiariedade por parte das instituições europeias.

Receber um mandato negocial não é certamente o mesmo do que negociar efectivamente um tratado. A conclusão do Tratado Reformador acabou por ser assim a grande prioridade da presidência portuguesa da UE e também o seu maior desafio.

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Informação Complementar

Conclusões da presidência alemã
Conselho Europeu de Bruxelas, 21 e 22 de Junho de 2007

I. Processo de Reforma dos Tratados

8. O Conselho Europeu concorda que, passados dois anos de incerteza sobre o processo de reforma dos Tratados da União, é chegado o momento de resolver esta questão e de a União avançar. O período de reflexão que passou constituiu uma oportunidade para realizar um debate público alargado e ajudou a preparar as bases de uma solução.

9. Neste contexto, o Conselho Europeu congratula-se com o relatório elaborado pela Presidência (doc. 10659/07) na sequência do mandato que lhe foi conferido em Junho de 2006 e concorda que é prioritário solucionar rapidamente esta questão.

10. Com esse objectivo, o Conselho Europeu acorda em convocar uma Conferência Intergovernamental e convida a Presidência a tomar sem demora as medidas necessárias nos termos do artigo 48.º do TUE, na perspectiva de inaugurar a CIG até ao final de Julho, logo que estejam cumpridos todos os requisitos legais.

11. A CIG levará a cabo os seus trabalhos de harmonia com o mandato definido no Anexo I às presentes conclusões. O Conselho Europeu convida a próxima Presidência a redigir um projecto de Tratado de acordo com os termos do mandato e a apresentá-lo à CIG logo que esta for inaugurada. A CIG concluirá os trabalhos o mais rapidamente possível, e de qualquer modo antes do fim do ano de 2007, de forma a que reste tempo suficiente para proceder à ratificação do Tratado que dela resultar antes das eleições para o Parlamento Europeu de Junho de 2009.

12. A CIG será conduzida sob a responsabilidade geral dos Chefes de Estado e de Governo, assistidos pelos membros do Conselho (Assuntos Gerais e Relações Externas). O representante da Comissão tomará parte na Conferência. O Parlamento Europeu será estreitamente associado e envolvido nos trabalhos da Conferência. O necessário apoio de secretariado será fornecido pelo Secretariado-Geral do Conselho.

13. Tendo consultado o Presidente do Parlamento Europeu, o Conselho Europeu convida o Parlamento Europeu, por forma a preparar a resolução do problema da sua futura composição a tempo das eleições de 2009, a apresentar um projecto da iniciativa prevista no Protocolo n.º 34, tal como acordado na CIG de 2004, até Outubro de 2007.

14. A próxima Presidência é convidada a assegurar que os países candidatos sejam plenamente informados, com regularidade, ao longo de toda a Conferência Intergovernamental.

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* Patrícia Galvão Teles

Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Doutora em Direito Internacional Público pelo Institut Universitaire des Hautes Études Internationales da Universidade de Genebra (Suíça). Docente na Universidade Autónoma de Lisboa. Consultora do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Membro do Conselho Directivo do Observatório das Relações Exteriores da UAL.

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