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- JANUS 2008 -



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1928 - Pacto Briand-Kellog: a Europa da utopia

Paulo Jorge Fernandes *

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Ao aproximar-se o final da década de 1920, a generalidade do continente europeu vivia uma inebriante sensação de paz e prosperidade. A lembrança da guerra não passava já de uma recordação longínqua, os trabalhos de reconstrução dos territórios devastados pelo conflito de 1914-1918 prosseguiam, as economias nacionais recuperavam os índices de produtividade e até as principais diplomacias pareciam querer entender-se nos aspectos que até então as dividiam. Os inimigos de ontem queriam esquecer essa condição. A França, depois da vitória da esquerda socialista nas eleições de Maio de 1924, parecia querer entrar num tempo novo. O estrito cumprimento do Tratado de Versalhes deixou de ser prioritário para os seus governantes. Por outro lado, a segurança externa prescindiu de ficar tão dependente do apoio das alianças tradicionais como até então, investindo a sua confiança no desempenho das instituições internacionais, como a Sociedade das Nações, e no recurso aos processos de arbitragem enquanto forma de alcançar um desarmamento controlado e eficaz. A Alemanha também estava disposta, finalmente, ao fim de seis anos, a reconhecer a perda da Alsácia-Lorena para a França e das regiões fronteiriças de Malmédy e Eupen para a Bélgica em troca de algumas concessões como a promessa gaulesa da evacuação de Colónia e a redução das forças de ocupação no seu país.

A diplomacia optimista: do Pacto de Locarno ao Tratado de Paris

Aproveitando o clima de aparente harmonia, os ministros dos Negócios Estrangeiros da França, Alemanha, Bélgica, Grã-Bretanha e Itália reuniram-se numa cidade suíça, em Outubro de 1925, com o objectivo de produzir um entendimento que enterrasse definitivamente as desconfianças sobre as questões territoriais que sobravam do Tratado de Versalhes e que ainda pairavam como uma ameaça sobre as relações entre as potências. O chamado Pacto de Locarno, cuja discussão se iniciou então, mas que viria a ser posteriormente assinado em Londres, selou um compromisso envolvendo a França, a Alemanha e a Bélgica, pelo qual os antigos adversários reconheciam formalmente as fronteiras mútuas. O acordo, garantido pela Grã-Bretanha e a Itália, simbolizava a passagem de uma situação de força, imposta pelos vencedores da Grande Guerra, para um regime contratual e incluiu, igualmente, a aceitação por parte dos alemães da desmilitarização permanente da Renânia, oferecendo ao governo de Paris uma zona-tampão de segurança. Por via do consenso, Locarno produziu um novo status quo diplomático na Europa Ocidental, sendo universalmente abençoado como a resolução quase milagrosa que iria impedir, de futuro, a deflagração de qualquer conflito internacional. Tão ou mais importante do que o texto do acordo era o clima de cordialidade respeitado entre os responsáveis europeus. Os oficiais alemães, franceses e britânicos jantavam juntos e até eram vistos em amigáveis cruzeiros no lago Maggiore. Locarno parecia ter afastado definitivamente todos os riscos do ressurgimento de uma guerra no continente. Tanta boa vontade seria recompensada com a atribuição do Prémio Nobel da Paz de 1925 a um dos principais artífices da concórdia, Sir Austen Chamberlain, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Grã-Bretanha.

A proeza era, todavia, ilusória. O pacto não oferecia ainda uma garantia global para a manutenção da paz. As suas omissões seriam, sob este ponto de vista, mais decisivas do que o conteúdo. Os alemães tinham sido condescendentes no que dizia respeito à resolução dos problemas verificados a propósito das fronteiras ocidentais, mas recusavam-se a confirmar publicamente a inviolabilidade das linhas divisórias a leste com a Polónia e a Checoslováquia. Depois de verem resolvidos os motivos das suas preocupações mais imediatas, Aristide Briand, o responsável da diplomacia francesa, e o Foreign Office pareciam concordar com a busca de uma compensação para os alemães na Europa Oriental. Por esta razão, a Polónia, a Checoslováquia e a União Soviética não participaram directamente nas discussões na Suíça, ficando-se a temer que estes países considerassem que o acordo de segurança tivesse sido alcançado à sua custa.

O Pacto de Locarno entraria em vigor quando a Alemanha fosse acolhida na Sociedade das Nações, facto que viria a ocorrer apenas em 10 de Setembro de 1926. Este seria um passo importante para o país deixar de ser considerado um Estado pária entre as nações, sendo admitida a participar em pé de igualdade com os seus antagonistas de tempos recentes nas resoluções que diziam respeito ao futuro diplomático dos países membros. A organização deixava de ser um sindicato dos vencedores da guerra para passar a ser uma efectiva Sociedade das Nações com autoridade moral e política para fazer acatar as suas deliberações.

Mais uma vez, o momento de euforia que se viveu com o acontecimento não permitiu perceber alguns sinais emanados pela República de Weimar. O novo chefe de Estado da Alemanha, o recém-eleito por sufrágio universal marechal von Hindenburg, só por si valia como evocação do passado imperial e das conquistas de 1870. Por outro lado, o líder da diplomacia, Gustav Stresemann nunca disfarçou o seu desprezo pela questão das fronteiras do Leste, onde não estava disposto a abdicar de qualquer porção de território. Os aliados não se deixavam incomodar por tais assuntos. Para todos os efeitos, os exércitos tinham sido remetidos para os quartéis e aí permaneciam, as dívidas de guerra entre Estados eram pagas dentro dos prazos, os níveis de produção económica e de emprego alcançavam valores próximos dos verificados em 1914. A melhor imagem deste ambiente de reconciliação e sossego entre as nações foi mesmo dada por Aristide Briand por ocasião do discurso de recepção da Alemanha na SDN: “Abaixo as armas, as metralhadoras, os canhões!”, exclamou na altura com alguma ingenuidade. “Preparem a conciliação, a arbitragem e a paz”, proclamou na mesma ocasião com um entusiasmo quase histérico. Estas palavras representavam a esperança de toda uma geração que tinha vivido a guerra e que agora se preparava para poder gozar os benefícios da tranquilidade nas relações entre as potências.

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A diplomacia utópica: da renúncia da guerra à Europa federada

A visão optimista de Aristide Briand não recolhia o aplauso das correntes nacionalistas no seu próprio país. Havia quem pensasse que o ministro francês não passava de um simples peão ao serviço do jogo perigoso que Gustav Stresemann estaria disposto a iniciar. Precavido, Briand revelou-se, todavia, um político consciente das insuficiências de Locarno. Sabia que as concessões aos alemães haviam sido em parte impostas por pressão de Austen Chamberlain. Entreteve-se, então, a desenhar um complexo e amplo sistema de tratados internacionais, de modo a completar o que havia sido alcançado na Suíça, revelando desta forma o seu cepticismo em relação às verdadeiras intenções da Alemanha.

O primeiro passo seria dado através da realização de pactos bilaterais de assistência mútua com a Polónia e a Checoslováquia, que vinham reforçar compromissos militares assumidos já em 1921 e 1924, respectivamente. Seguidamente, em Junho de 1926, firmou um acordo de amizade com a Roménia e, em Novembro do ano seguinte, negociou um instrumento semelhante com a Jugoslávia. Aristide Briand pretendia estabelecer um arco de alianças que garantisse a segurança de Paris, regime esse que foi aprofundado com um estreitar das relações económicas. A França passou a investir nesses países para fazer ressaltar o valor dos compromissos diplomáticos e para garantir alguma independência material dessas nações em relação à Alemanha.

O ministro francês não se ficaria por aqui. Em 6 de Abril de 1927, por ocasião da mensagem de gratidão ao povo americano, no décimo aniversário da intervenção na I Guerra Mundial, propôs a assinatura de mais uma aproximação bilateral, agora com os Estados Unidos através da qual se negaria a guerra entre os dois países. A probabilidade da ocorrência de um conflito armado que opusesse os americanos aos gauleses era praticamente nula, pelo que o Departamento de Estado desconfiou das verdadeiras intenções de Briand: estabelecer uma relação privilegiada entre Washington e Paris desenvolvendo um compromisso que, em última análise, comprometesse os americanos a garantir a segurança da França na Europa. O secretário de Estado, Frank Kellogg, recebeu com alguma frieza a moção, mostrando não ter qualquer intenção de se deixar envolver em semelhante teia. A administração republicana do presidente Calvin Coolidge representava desde 1924 o abandono das teses intervencionistas e da “ New Diplomacy ” de Woodrow Wilson e o regresso à tradicional política isolacionista dos EUA.

Contudo, estas tendências não eram consensuais na América. Uma corrente pacifista com força na opinião pública e em certos meios políticos via na proposta a oportunidade correcta para se estabelecer uma paz duradoura através de um acordo internacional, iniciando uma campanha a favor da aproximação entre os dois países, com o objectivo de forçar o Departamento de Estado a responder afirmativamente à iniciativa de Briand. Pressionado, Frank Kellog, em Dezembro de 1927, remeteu para Paris uma versão modificada da proposta inicial. Segundo o novo texto, o projecto de Briand dava lugar a um pacto de renúncia universal da guerra, que seria dado a assinar a todas as nações disponíveis. O ministro francês terá ficado desapontado depois de observar que o tratado bilateral ansiado cedia lugar a uma combinação multilateral que ilegalizava a guerra como meio de resolução dos conflitos internacionais, entendida como inócua pela ausência de mecanismos concretos para a sua observância e de compromissos precisos entre os signatários. A 27 de Agosto de 1928, na capital francesa, os representantes de quinze países assinavam o Tratado de Paris ou Pacto Briand-Kellog (Alemanha, Estados Unidos, França, Reino Unido, Itália, Japão, Bélgica, Polónia, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, União Sul Africana, Irlanda, Índia – sob mandato britânico – e Checoslováquia). Pouco tempo depois, o documento seria aprovado por um total de cinquenta e sete Estados, dos quais 48 membros da SDN, entre os quais Portugal. A guerra havia sido colocada fora da lei. Exactamente uma década após o final do conflito mundial, a paz queria-se perpétua, ficando a Sociedade das Nações com a responsabilidade de assegurar a resolução das disputas entre países. O Pacto simbolizava o apogeu de uma vaga pacifista.

Frustrado com o falhanço da sua tentativa de arrastar os EUA para uma convenção que garantisse a integridade das fronteiras da França, Aristide Briand em breve desvendaria o seu mais arrojado plano para manter a segurança europeia. Novamente, na tribuna da SDN, a 5 de Setembro de 1929, o responsável do Quai d'Orsay emitiu um apelo à criação de uma federação supranacional dos Estados soberanos da Europa baseada nos princípios da solidariedade, da prosperidade económica e da cooperação política e social, afirmando, que “ entre os povos que estão geograficamente agrupados deve existir um vínculo federal; estes povos devem ter a possibilidade de entrar em contacto, de discutir os seus interesses, de adoptar resoluções comuns, de estabelecer um laço de solidariedade entre eles que lhes permita fazer frente a circunstâncias graves. Evidentemente, esta associação terá um efeito sobre todo o campo económico ”.

Para o ministro francês, o plano obedecia ao mesmo propósito que o havia conduzido à tentativa gorada de aproximação aos EUA: construir um obstáculo que limitasse o expansionismo da Alemanha, diluindo a força do velho inimigo num Estado europeu supranacional, uma entidade economicamente integrada e politicamente interdependente. A proposta seria inicialmente bem recebida pelos responsáveis alemães e a própria SDN encarregou o autor da ideia de elaborar um esboço do projecto, que seria apresentado em 17 de Maio de 1930 com o título de “Memorando sobre a organização de um sistema de União Federal Europeia”.

Entretanto, o clima nas relações internacionais mudara. Ao mesmo tempo que os delegados da SDN, em Genebra, se preparavam para discutir com fraco entusiasmo, diga-se, esta proposta, as eleições legislativas alemães, realizadas a 14 de Setembro de 1930, transformaram o pequeno Partido Nacional-Socialista na segunda maior força política do país, passando de 12 para 107 deputados. A proposta de Briand ficaria arquivada numa comissão da SDN, sem mais desenvolvimentos. Pelo seu lado, a invasão japonesa da Manchúria, em 1931, liquidou as aspirações de afirmação da organização sediada em Genebra e condenou o pacto Briand-Kellogg ao insucesso das ideias utópicas.

A ocorrência destes factos, quase simultâneos, funcionou como um mau presságio para os anos seguintes. Em menos de uma década, o continente europeu seria sim unificado, não pela força diplomática de uma entidade construída acima dos Estados como pretendia Aristide Briand, mas pela superioridade das armas da Wermacht . O plano viria a ser desenterrado por Jean Monnet, somente após a conclusão da II Guerra Mundial. O conceito de constituir uma união europeia com carácter preventivo contra o expansionismo germânico e o esforço no sentido de assegurar um compromisso americano que mantivesse a integridade europeia encontravam-se uma geração à frente do seu tempo. Apenas depois de 1945, os EUA começaram a olhar para a paz no Velho Continente como uma extensão da sua própria segurança e as nações da Europa Ocidental reconheceram as vantagens da integração económica e da cooperação política.

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Informação Complementar

Os construtores da paz na Europa entre Locarno e o Pacto Briand-Kellog

Sir Austen Chamberlain (1863-1937)
Figura de proa do Partido Conservador inglês. Ministro dos Negócios Estrangeiros da Grã-Bretanha (1924-1929). Um dos impulsionadores do Pacto de Locarno (1925). Vencedor do Prémio Nobel da Paz em simultâneo com o Vice-Presidente dos EUA, Charles Gates Dawes (1925). Meio-irmão do primeiro-ministro Neville Chamberlain (1937-1940).

Gustav Stresemann (1878-1929)
Líder do Partido Liberal alemão. Fundador do Partido do Povo (1918). Antigo Chanceler (1923). Ministro dos Negócios Estrangeiros (1923-
-1929). Um dos negociadores do Pacto de Locarno (1925). Considerado o principal mestre da política externa alemã desde Bismarck. Prémio Nobel da Paz (1926). Grande adversário do Partido Nazi.

Aristide Briand (1862-1932)
Co-fundador com Jean Jaurés do Partido Socialista francês. Ministro dos Negócios Estrangeiros (1921-1922 e 1925-1932). Várias vezes primeiro-ministro (1921-1929). Artífice da reconciliação franco-alemã no período entre guerras. Impulsionador do Pacto Briand-Kellogg (1928). Pioneiro da construção da união europeia. Prémio Nobel da Paz (1926).

Frank Billings Kellogg (1856-1937)
Senador (1917-1923). Embaixador dos Estados Unidos da América em Londres (1923-1925). Secretário de Estado dos EUA na presidência de Calvin Coolidge (1925-1929). Impulsionador do Pacto Briand-Kellogg (1928). Prémio Nobel da Paz (1929). Serviu no Tribunal Permanente de Justiça Internacional (1930-1935).

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* Paulo Jorge Fernandes

Licenciado em História pela UAL. Mestre em História dos séculos XIX e XX na FCSH/UNL. Doutor em História Institucional e Política dos Séculos XIX-XX pela FCSH/UNL. Investigador nas áreas da História Social, Política e Empresarial contemporânea e História dos Municípios. Investigador de Pós-Doutoramento no ICS/UNL. Co-autor do livro “Reis de Portugal – D. Luís” (2006).

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Referências bibliográficas

RÉMOND, René – Introdução à História do nosso Tempo. Do Antigo Regime aos nossos dias, Lisboa, Gradiva, 1994.

DUROSELLE, Jean-Baptiste – Histoire Diplomatique de 1919 à nos jours, 11. e édition, Paris, Éditions Dalloz, 1993.

JOLL, James – A Europa desde 1870, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1982.

KEYLOR, William R. – História do Século XX. Uma síntese mundial, Mem Martins, Publicações Europa-América, 2001.

STEINER, Zara – The lights that failed. European International History 1919-1933, Oxford, Oxford University Press, 2005.

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