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- JANUS 2008 -



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Mobilidade de investigadores e "fuga de cérebros"

Tiago Santos Pereira *

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A dimensão internacional e a universalidade são desde há muito marcas da actividade científica e não apenas resultado dos mais recentes processos de globalização. Mas se em épocas anteriores a mobilidade de cientistas era essencialmente temporária, decorrente da participação em conferências internacionais ou, eventualmente, de períodos mais alargados de visitas e intercâmbios académicos, tal como romanceadas por David Lodge no seu Small World, o período presente tem visto desenvolverem-se migrações científicas de carácter mais prolongado, nas mais variadas direcções.

O tema da ‘mobilidade internacional dos investigadores', não sendo novo, está cada vez mais presente na agenda política global. São várias as razões que o trazem para a actualidade e nem todas tão diferentes de razões que tornaram este tema relevante no passado. Durante o período da Segunda Grande Guerra e da guerra fria, o papel dos cientistas exilados, particularmente visível no Projecto “Manhattan” que levou à produção da bomba atómica, tornou particularmente clara a importância dos fluxos de investigadores, enquanto subgrupo dos trabalhadores altamente qualificados, na transferência internacional de conhecimentos. Se aqui o seu impacto político foi particularmente visível, o impacto económico de semelhantes fluxos já tinha sido claro em épocas anteriores, em particular durante o período de florescimento económico dos EUA, nos finais do séc. XIX e início do séc. XX, ainda que não de forma tão claramente associada ao sistema científico. Durante os anos 60 e 70 do séc. XX, muito se discutiu a migração de quadros altamente qualificados, nomeadamente de investigadores, que se deslocavam de países do Sul para períodos de formação em países do Norte e que por lá muitas vezes acabavam por permanecer, com consequente fraco retorno para os países de origem que frequentemente os apoiaram na formação no exterior. Este padrão, e o intenso debate político em seu torno, levou à emergência do conceito da ‘fuga de cérebros', ou ‘brain drain', que recentemente tem sido também muito utilizado.

 

Uma questão política

Na actualidade todas estas questões em torno da mobilidade internacional de investigadores têm renovada importância.

A dimensão política ganhou novo protagonismo na sequência do 11 de Setembro. O sucesso dos atentados às Torres Gémeas não só dependeu da utilização por estrangeiros de uma tecnologia americana, como o são os aviões que contra elas embateram, como dependeram também da formação em solo americano de estrangeiros que utilizaram esse conhecimento para levar a cabo os seus planos contra um alvo americano. Não se tratando de investigadores, a mobilidade do conhecimento foi aqui dramaticamente visível. Mesmo não tendo uma verdadeira ligação ao sistema de investigação, o 11 de Setembro trouxe de volta receios face à utilização por estrangeiros de conhecimentos adquiridos em território americano, nomeadamente através de formação avançada. As consequências foram rápidas e, na sequência do Patriot Act de 2001 e de legislação subsequente, os procedimentos de atribuição de vistos a estudantes e investigadores estrangeiros alteraram-se, aumentando significativamente o número de vistos recusados e de atrasos processuais.

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Uma questão de desenvolvimento

A “fuga de cérebros” do Sul para o Norte voltou também de novo à agenda política internacional, agora de forma menos unidimensional e mais diluída numa “circulação de cérebros”. À simples contabilização anterior de saídas, ou, melhor dizendo, de ausências de regressos de investigadores do Sul que faziam formação avançada no Norte, constatou-se que era necessário não só acrescentar o impacto indirecto do fortalecimento de redes diaspóricas altamente qualificadas, com fortes ligações ao país de origem, como, acima de tudo, verificar que a ausência de regresso no curto prazo não impedia regressos mais tardios, com maior conhecimento adquirido, e associados a outros fluxos, nomeadamente de investimento externo. Se o anteriormente apelidado milagre do Sudeste Asiático já se baseava numa forte política de recursos humanos qualificados, em grande parte formados no exterior, os recentes níveis de crescimento económico nos BRIC, em particular na China e na Índia, conjugam mão-de-obra barata com mão-de-obra qualificada. Se a tradicional “fuga de cérebros” continua a ser eventualmente ainda relevante nalgumas regiões, em particular em África, os recentes desenvolvimentos tornam claro que esta equação já não é de sentido único e por isso mesmo requer ser vista como uma circulação. Anna Lee Saxenian apelidou estes novos migrantes de ‘Os Novo Argonautas', que, tal como os argonautas da mitologia grega, se deslocam para longe na procura da sua sorte, iluminando profundas transformações da economia global.

 

Uma questão europeia

Finalmente, as políticas de investigação de quase todos os países, pese embora a particularidade dos EUA neste panorama, acima descrita, têm crescentemente vindo a promover a mobilidade internacional dos investigadores com vista a favorecer e a imigração altamente qualificada. Um claro exemplo disso tem sido a nível europeu, e da UE em particular. Por um lado, com a implementação do Espaço Europeu de Investigação (EEI), a UE tem vindo a fomentar crescentemente uma maior abertura de fronteiras internas, não só ao fluxo de investigadores, para os quais se mantêm barreiras indirectas ao nível burocrático ou dos incentivos nas próprias carreiras académicas, mas também de conhecimento, através do estabelecimento de parcerias, ou mesmo de financiamento, por uma mais efectiva coordenação das políticas de investigação. Por outro lado a UE tem enfatizado a necessidade de atrair os melhores investigadores estrangeiros para dentro do EEI, e de garantir a capacidade de nele reter os investigadores europeus, por comparação com o sucesso dos EUA neste domínio (ver Gráfico “Pós-doutoramento nos EUA).

Em 2001 a Comissão publicou uma comunicação sobre “Uma Estratégia de Mobilidade para o Espaço Europeu de Investigação” (COM(2001)331) enquadrando a importância da mobilidade internacional em paralelo com questões de mobilidade inter-regional na UE, e de mobilidade sectorial, nomeadamente entre os sectores público e privado de investigação. Esta comunicação identificou, por um lado, diversas barreiras à mobilidade dos investigadores, nomeadamente em relação à estrutura das carreiras, incentivos financeiros, políticas de migração, questões fiscais e do sistema de segurança social, apoio familiar, ou às barreiras específicas para as mulheres na ciência, e, por outro lado, identificou a importância da mobilidade para a Europa, como fonte de recrutamento de novos investigadores, quando a UE se depara com uma significativa diferença de recursos humanos em investigação, quando comparada com os EUA e Japão. Em 2004, e com vista à implementação da Estratégia de Lisboa, um relatório de um Grupo de Alto Nível europeu, presidido por Mariano Gago, estimou em meio milhão o número de novos investigadores necessários na UE para atingir os níveis dos seus competidores globais.

 

Uma questão portuguesa – política e de desenvolvimento?

A par com estas tendências globais, Portugal é também claramente um palco destes processos, tendo desde há muito apoiado a formação no exterior (ver tabela “Bolsas atribuídas ao abrigo dos programas praxis XXI (1994*1999) e POCTI e POSI (2000-2004) segundo a localização”) e acolhendo também investigadores de diversas nacionalidades (ver tabela “Investigadores estrangeiros em Portugal”). Portugal apresenta uma muito elevada percentagem de bolsas atribuídas pelo Estado para formação no estrangeiro. Ao contrário de outros países, a estas bolsas não está associado qualquer compromisso de retorno, ou de contributo directo para o país. Os dados existentes, parciais, não revelam que este apoio na formação corresponda a um êxodo significativo dos melhores investigadores formados no estrangeiro. No entanto, parecem existir indícios de que tal tendência é crescente, sendo certo que que a capacidade de absorção em Portugal dos investigadores formados no estrangeiro é limitada. Mas a dimensão internacional parece sem dúvida contrabalançada pela crescente contratação de investigadores estrangeiros para o sistema nacional, ou mesmo por vezes pelo financiamento da sua formação avançada em território português. Mas não há certamente necessidade de que estes fluxos opostos se cancelem, visto que mesmo os fluxos de portugueses para o estrangeiro produzem contributos não negligenciáveis para o sistema de investigação nacional, pelas redes que contribuem para criar e por, de algum modo, contribuir para colocar no mapa internacional investigadores portugueses. É também certo que a estadia prolongada no estrangeiro contribui para formar novas competências em investigadores, tais como na relação com as empresas, que poderão vir a ser mais úteis num retorno futuro.

A nível legislativo, há a salientar o facto de a Lei da Imigração (Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho) incluir condições específicas para a entrada ou permanência de trabalhadores altamente qualificados e investigadores, transpondo nomeadamente a respectiva Directiva Europeia 2005/71/CE do Conselho, de 12 de Outubro de 2005 (ver “Legislação” ).

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Informação Complementar

Legislação

A Lei de Imigração aprovada em 2007 transpõe para a legislação nacional a Directiva Europeia relativa a procedimentos específicos com vista a facilitar a mobilidade de investigadores. Deste modo, são criadas condições específicas para a entrada e estadia em território nacional de investigadores ou trabalhadores altamente qualificados de origem estrangeira. Para tal são utilizadas as seguintes definições:

“«Actividade altamente qualificada», aquela cujo exercício requer competências técnicas especializadas ou de carácter excepcional e, portanto, uma qualificação adequada para o respectivo exercício, designadamente de ensino superior”.

“«Investigador», um nacional de Estado terceiro titular de uma qualificação adequada de ensino superior, que seja admitido por um centro de investigação para realizar um projecto de investigação que normalmente exija a referida qualificação”.

DIRECTIVA 2005/71/CE DO CONSELHO, de 12 de Outubro de 2005, relativa a um procedimento específico de admissão de nacionais de países terceiros para efeitos de investigação científica.
[...]

Artigo 1.º
Objecto
A presente directiva define as condições de admissão de investigadores nacionais de países terceiros nos Estados membros, por um período superior a três meses, para a realização de um projecto de investigação no âmbito de uma convenção de acolhimento celebrada com um organismo de investigação.
[...]

Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional
[...]

Artigo 57.º
Visto de estada temporária para actividade de investigação ou altamente qualificada
[...]

Artigo 61.º
Visto de residência para actividade de investigação ou altamente qualificada
[...]

Artigo 90.º
Autorização de residência para actividade de investigação ou altamente qualificada
[...]

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* Tiago Santos Pereira

Doutor em Estudos de Políticas de Ciência e Tecnologia pelo SPRU, Universidade de Sussex. Investigador e Director Executivo do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra. Co-coordenador do Programa de Doutoramento ‘Governação, Conhecimento e Inovação', em parceria entre o Centro de Estudos Sociais e a Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Pós-doutoramento nos EUA

Link em nova janela Bolsas atribuídas ao abrigo dos Programas Praxis XXI (1994-1999), POCTI e POSI (2000-2004), segundo a localização

Link em nova janela Investigadores estrangeiros em Portugal

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