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- JANUS 2008 -



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O mundo do trabalho: do vapor ao conhecimento

Ana M. Santos *, Elizabete Pereira ** e Jorge Gomes ***

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Falar do vapor como uma condição de existência do trabalho parece ser, num tempo marcado pelo on-line, o virtual e o in silico, uma demonstração de pouca fé no progresso tecnológico.

 

A energia do vapor

Poucas invenções tiveram maior influência na história dos tempos modernos que a da máquina a vapor. O motor de James Watt, pelo menos, nunca se teria tornado realidade se não fosse a procura de uma fonte eficiente de energia para mover as pesadas máquinas da indústria têxtil. Por outro lado, é indiscutível que o aperfeiçoamento da máquina a vapor promoveu um desenvolvimento mais rápido da chamada industrialização. Conferiu uma nova importância à produção do carvão e do ferro e possibilitou uma revolução nos transportes. Dito isto, não será exagero afirmar que a invenção de Watt assinalou o começo da era da força motriz.

Em 1911 F. W. Taylor, na obra The Principles of Scientific Management, codificava os métodos e as operações de desempenho da tarefa em regras de trabalho e processos estandardizados. A orientação cega para o produto justificava as preocupações com o tempo e o movimento necessário à execução das tarefas. A hierarquização taylorista vivia horizontalmente da parcelização de tarefas e verticalmente da divisão clara entre concepção e execução.

Eram os tempos do Homem-máquina. A actividade do trabalho reduzia-se a uma acção mecânica e repetitiva.

 

Os fluxos

Quase cem anos depois, o mundo do trabalho é feito de fluxos, celeridade, bits, digitalização, processamento de informação, redes e conhecimento. Para trás ficaram os sistemas de produção/consumo em massa do fordismo, a linha de montagem como inovação, os sistemas flexíveis de produção, os princípios de gestão da qualidade total (Total Quality Management), as fábricas robotizadas e automatizadas.

A universalidade dos princípios tayloristas-fordistas é arrefecida por movimentos de informatização e globalização à escala planetária. Hoje, a fábrica já não é a fábrica , mas a empresa, com outras empresas no seu interior, geograficamente dispersas. Emergem as empresas virtuais (virtual firms), as ilhas de produção e as células autónomas. A rotina é perdida a favor da flexibilidade e da autonomia. Nos finais dos anos 40 do século XX, surge a primeira geração de teorias job design, também designadas por novas formas de organização do trabalho (NFOT) ou gestão participativa. O “alargamento” e sobretudo o “enriquecimento” de tarefas atribuíam ênfase, pela primeira vez, à importância das atitudes dos indivíduos no trabalho, nomeadamente ao nível da responsabilidade.

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Ao encontro das redes

Esta abordagem, ao visualizar a empresa como uma “comunidade de trabalho” e já não apenas como um “local de trabalho”, aproximou a relação entre o individual e o organizacional, abrindo o caminho para a complexidade de interconexões entre o indivíduo, o trabalho e a empresa. No amplo processo de reestruturação produtiva, a tecnologia gerou um processo de mudança rápida, tornando mais curtos os ciclos produtivos, a “economia informacional” de Castells, caracterizada pelo desenvolvimento de uma nova lógica organizacional e fortemente relacionada com o processo actual de transformação tecnológica em que o actor principal é a rede.

O trabalho em rede não é só o desenho e a estrutura pela qual se dão as relações, mas principalmente o modo como as mesmas são construídas e realizadas. No território das redes, a relação é per si um recurso: permite-nos aceder a novos recursos.

A rede não tem “um centro”, isto é, qualquer trabalhador ou empresa é, potencialmente, um centro da rede; são entidades fluidas, não-delimitadas e não-circunscritas. Se uma parte da rede desaparecer e a outra parte continuar, é a rede inteira que sobrevive. Neste sentido, a rede acumula (conhecimento, informação, inovação) pelo próprio facto de ligar (pessoas, equipas, empresas). Neste dito novo paradigma, o território do trabalho é povoado por stocks (que se querem minimizados) e fluxos (eternamente maximizados). Emerge uma nova tendência: a economia de serviços.

Assiste-se desde a década de 50 do século XX a um aumento do peso dos serviços em relação ao trabalho industrial. A grande evolução registada refere-se à incorporação do cliente no processo de trabalho e o seu impacto ao nível da aplicação de competências e saberes. Assim, o trabalho na arena dos serviços organiza um processo de aplicação de competências a partir da identificação das necessidades do outro (cliente) no desenvolvimento de actividades conducentes à sua satisfação pelo processo de criação da tecnologia. Agora, é exigido aos indivíduos a capacidade de iniciativa, de adaptação ao contexto e de definição e organização do próprio trabalho, numa lógica de co-produção de produtos-serviços, afastando-se, deste modo, da característica essencial do processo industrial, onde as operações eram codificadas e encadeadas, reproduzidas e orientadas para a produção de unidades estandardizadas. Mais do que produzir um bem material, o trabalho deve produzir uma qualidade de serviço.

O trabalho tornou-se uma performance intelectual e comunicacional. A ferramenta mais usada – o computador, criou historicamente, por via da sua ubiquidade, uma nova situação. Independentemente da profissão, as tarefas são maioritariamente realizadas com a mesma ferramenta: o computador. À medida que o trabalho se torna “inteligente”, aumenta também a capacidade de resolução de problemas, a auto-iniciativa, o trabalho em equipa e a criatividade. Longe vão os tempos em que não era permitido conversar, colaborar e cooperar nos contextos profissionais. Pelo contrário, em muitas áreas, a gestão esforça-se por “forçar” essa empatia e interesse pelo outro – inclusive, cada vez mais, pelos clientes. Estas novas qualidades do trabalho são imateriais, existem, mas são dificilmente “vistas” ou “tocadas”. A imaterialidade é pois uma característica do trabalho no futuro e é-o sobretudo na sua dimensão colectiva e comum.

 

... e do conhecimento

O trabalho é agora mais definido como a capacidade de criar e desenvolver uma cooperação produtiva entre pessoas, equipas, departamentos e empresas. Esta passagem para um regime colaborativo no trabalho, invoca uma nova centralidade do sujeito no interior da organização do trabalho na empresa. Na lógica da ininterrupção e da fluidez, a competência é uma coisa inacabada – é incapaz de manter a sua forma por um longo período de tempo. Que trabalho é este afinal? Nonaka e Takeuchi afirmavam, na obra The Knowledge Creating Company (1995), que o sucesso das empresas passa pela forma como criam conhecimento. O célebre modelo SECIL, ao considerar o conhecimento como o recurso fundamental da nova economia, evidencia também a importância do recurso humano enquanto lugar de produção, transmissão e difusão de conhecimento.

No mundo contemporâneo, o conhecimento não é uno, universal e homogéneo, sendo o resultado (ou parte) de um processo de construção de experiências, potencialmente explorado na e com a interacção entre pessoas .

O conhecimento passa a estar incorporado nos elementos estruturais de uma organização: pessoas, ferramentas técnicas, tecnologias e práticas organizacionais. Hoje, é quase impossível pensar o trabalho que não mobilize a recolha, análise e organização da informação, a comunicação de ideias e informação, o planeamento e a organização de actividades, a resolução de problemas, a colaboração com outros e/ou em equipa e a utilização de tecnologias de informação e comunicação. Numa economia-mundo de maximização do conhecimento, o período de predomínio da produção em série baseada no trabalho de baixa qualificação parece ter chegado ao fim.

A aproximação do acto de trabalhar à lógica das competências reflecte-se na evolução do conteúdo de trabalho em direcção à abstracção e à conjugação de saberes abstractos e a uma capacidade de adaptação à envolvente. Hoje, o conhecimento é a nova “energia”, imune a qualquer dificuldade e custo e as competências a sua parte mais visível.

A formalização do conhecimento torna a insegurança um território de “normalidade”, por via de uma resposta de natureza pública e não privada. Na empresa, todos têm que saber a melhor forma de fazer algo que uma parte já faz. No mínimo, ter acesso a esse saber. A justificação reside menos na produtividade e competitividade do que na escassez de competências. O mundo do trabalho é escasso em competências, por via de uma necessidade (de competências) nunca satisfeita. Trata-se de uma exigência que confere ao trabalho exercido uma singularidade incompleta e ao mesmo tempo uma nova mensagem: a não existência de fronteiras e obstáculos para o desempenho. Nunca, como hoje, a narração do trabalho foi tão fenomenológica: a gestão do conhecimento vai, aos poucos, obliterando a organização e gestão do trabalho.

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Informação Complementar

Crescimento e desenvolvimento intensivo das TIC

Estima-se que a nível mundial, o sector das TIC tenha tido um crescimento de 6% em 2006. Com melhor desempenho macroeconómico encontra-se o investimento agregado nos países da OCDE, onde as TIC representaram uma proporção significativa e crescente. Existem segmentos das TIC que revelam um elevado dinamismo, como por exemplo: os investimentos relacionados com a Internet e as aplicações em computadores portáteis para os consumidores.

Os encargos com as TIC estão a aumentar muito rapidamente nas economias dos países emergentes não membros da OCDE. Na China, os encargos das TIC são avaliados em 118 biliões de dólares americanos, com um crescimento de 22% ao ano desde 2000. A indústria das TIC contribui em mais de 9% do valor agregado empresarial total e emprega directamente 14,5 milhões de pessoas nos países da OCDE.

Globalização dos serviços por via da TIC

Os rápidos avanços nas TIC aumentaram a permutabilidade dos serviços e possibilitaram prestar diversos serviços relacionados com as TIC, dos mais longínquos locais, sem que seja necessário um contacto presencial. Embora os países da OCDE ainda representem a maioria das actividades de serviços e do comércio de prestação de serviços, o crescimento é muito rápido em vários paí-ses não membros da OCDE. A Índia e a China também representam aproximadamente 6,5% das exportações e quase 5% das importações de serviços relacionados com computadores e serviços de informação e outros serviços empresariais.

Competências em TIC e emprego

As competências nas TIC são cada vez mais exigidas no local de trabalho. Mais de 5% do total de empregos relacionam-se com ocupações especializadas em TIC, e aproximadamente 20% em ocupações que utilizam TIC.

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* Ana M. Santos

Licenciada em Gestão. Mestranda em Políticas de Desenvolvimento de Recursos Humanos. Investigadora na área da inovação organizacional e da cooperação.

 

** Elizabete Pereira

Licenciada em gestão. Investigadora na área de inovação organizacional e cooperação.

 

*** Jorge Gomes

Sociólogo. Doutorando em sociologia no ISCTE.

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Referências bibliográficas

BAUMAN, Z. – A vida fragmentada – Ensaios sobre a Moral Pós-Moderna. Lisboa: Editora Relógio d'Água, 2007.

BRUNO, G. – Tratado da Magia. Lisboa: Edições Tinta-da-China, 2007.

LATOUR, B. – Reassembling the Social: An introduction to Actor-Network-Theory. Oxford: Oxford University Press, 2005.

RAJCHMAN, J. – As ligações de Deleuze. Lisboa: Editora Temas e Debates, 2002.

SERRES, M. – Atlas. Lisboa: Edições Instituto Piaget, 1998.

SLOTERDIJK, P. – Esferas III. Madrid: Ediciones Siruela, 2006.

STRATI, A. – L'analisi Organizzativa. Roma: Carocci Editore, 2004.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Peso das ocupações relacionadas com as TIC no total da economia, 1995 e 2004 (%)

Link em nova janela Evolução das mudanças no emprego, 1995-2005

Link em nova janela Exigência de capacidades cognitivas no trabalho (%)

Link em nova janela Estrutura comparativa do emprego: UE-25

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