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- JANUS 2008 -



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Flexibilidade e precariedade do emprego

Ilona Kovács *

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Há hoje um consenso generalizado em torno da crise do modelo de emprego até há pouco dominante. Mas, ao mesmo tempo, há uma grande controvérsia sobre a natureza das transformações actuais do emprego.

Na óptica neoliberal estamos a entrar na era pós-emprego caracterizada por um novo modelo de trabalho, o modelo empresarial: cada um gere o seu trabalho, a sua formação e toda a sua carreira (Bridges, 1994). Por sua vez, para o tecno-optimismo as tecnologias da informação e comunicação (TIC) levam à generalização do trabalho inteligente com crescentes oportunidades para todos.

As teorias sobre o fim do trabalho anunciam a perda da centralidade do trabalho remunerado na vida social e na vida dos indivíduos (Gorz, 1997; Méda, 1995).

Segundo as abordagens críticas, estamos perante uma evolução submetida à lógica do mercado e da globalização competitiva com elevados custos sociais, ambientais e humanos. Os críticos denunciam a tendência para a dualização e da acentuação das desigualdades sociais (Grupo de Lisboa, 1994; Castel, 1995; Castells, 1998).

Relativamente a este debate, defendo uma perspectiva segundo a qual há uma tendência para a crescente diversificação, heterogeneidade do trabalho e do emprego e, até para a sua invisibilidade nas teias das redes complexas dentro e entre as empresas. Por conseguinte, não estamos perante o fim do trabalho ou o fim do emprego, mas perante a difusão das modalidades flexíveis frequentemente precárias de trabalho e de emprego.

É frequente designar as formas de emprego actualmente em grande difusão (trabalho temporário, trabalho com contrato de duração determinada, auto-emprego, trabalho a tempo parcial, trabalho ao domicílio, etc.) como atípicas face ao padrão normal do emprego. No entanto, estas formas passam a ser cada vez mais “típicas”, constituindo, hoje em dia, uma via de acesso normal para a integração no mercado de trabalho. (Kovács, 2002).

Para os defensores da perspectiva neoliberal, a flexibilidade é garantia da competitividade e, pelo contrário, os direitos ligados ao trabalho são seus obstáculos, provocando a deslocalização das empresas e a falta de investimentos estrangeiros. A perspectiva contrária associa a flexibilidade à precariedade. No entanto, flexibilidade não é sinónimo de precariedade. A precariedade do trabalho significa um trabalho sem interesse, mal pago; significa instabilidade, insegurança, forte vulnerabilidade económica, restrição dos direitos sociais, ameaça do desemprego e falta de acesso à formação e de perspectivas profissionais. É importante fazer distinção entre flexibilidade quantitativa e qualitativa. Nos meios empresariais e políticos existe uma forte convicção de que a flexibilidade do trabalho, permitindo a variação do volume do emprego, dos salários, dos horários e do local de trabalho, é uma fonte importante da competitividade. Por conseguinte, qualquer enquadramento institucional do factor trabalho será, por natureza, um obstáculo à flexibilidade. Trata-se de um ajustamento quantitativo numa lógica de “via baixa” da melhoria da competitividade, ou seja, através de baixos custos salariais e mercado de trabalho desregulado, com recurso ao emprego inseguro e mal pago. Porém, a flexibilidade pode ser encarada numa perspectiva mais qualitativa que se promove pelas novas formas de organização do trabalho inseridas na lógica da “via alta” que implica altos níveis de produtividade, altos salários, alto nível de qualidade de vida e direitos sociais (Pyke e Segenberger, 1992; Castillo, 2005). Estas duas lógicas coexistem e complementam-se no seio das redes empresariais.

 

Os factores da difusão das formas flexíveis e precárias de emprego

Há um conjunto de factores em interacção que provocam a crise do emprego, nomea-damente a globalização da economia com a preponderância do capital financeiro, a difusão das TIC, o predomínio da política económica neoliberal, a divisão internacional do trabalho, a reestruturação das empresas, bem como a debilidade dos sindicatos e o desequilíbrio de forças no mercado de trabalho (Kovács, 2002). No contexto da globalização e das TIC, são as práticas inspiradas na ideologia dominante do livre mercado que levam ao desemprego, ao subemprego, à insegurança, à precariedade e à degradação do emprego (Beck, 2000). A difusão de empregos flexíveis insere-se no movimento de reestruturação dos processos produtivos e da flexibilização do mercado de trabalho e na procura constante do recurso humano mais barato a nível global.

Uma parte substancial das formas flexíveis de emprego é precária. A principal razão da difusão das formas precárias de emprego está na pressão da concorrência intensificada em mercados globais sobre as empresas. Numa economia globalizada, com predominância da lógica financeira e da rendibilidade a curto prazo, as empresas, pressionadas pela concorrência intensificada e pela instabilidade do mercado, procuram aumentar a flexibilidade e reduzir os custos.

A reestruturação das empresas permitida pelas TIC e estimulada pela competição global leva à difusão de uma nova organização da produção baseada na descentralização, segmentação e dispersão geográfica das actividades produtivas e sua integração em rede pelas TIC. A empresa em rede, de acordo com estratégias diferenciadas, combina diferentes tipos de organização do trabalho e de emprego com vista à obtenção tanto de flexibilidade qualitativa ou funcional como quantitativa. Surge uma diferenciação fundamental entre dois tipos de trabalhadores: os trabalhadores nucleares ligados à actividade central e os trabalhadores periféricos ou genéricos que podem ser contratados, despedidos, substituídos facilmente por outras pessoas de outras regiões.

A fragilização ou a remoção das instituições de regulação do mercado de trabalho e a maior liberdade de acção das empresas na utilização do trabalho também levam à proliferação de empregos precários. O poder sindical enfraquecido e a falta de mecanismos de defesa dos interesses do trabalho a nível transnacional facilitam o avanço da reestruturação económica de acordo com a lógica neoliberal.

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A heterogeneidade do emprego flexível

As estatísticas indicam que em Portugal as formas flexíveis de emprego são muito difundidas. No que se refere à proporção do emprego com contrato de duração temporária, Portugal ocupa o 2.º lugar na UE 15 a seguir à Espanha, como se pode ver no gráfico “Evolução do emprego com contrato de duração temporária na UE 15 (1999-2005)”.

O auto-emprego em Portugal (inclui desde os profissionais altamente qualificados aos falsos autónomos dos “recibos verdes”) representa 24,1 % (2005) do total de empregos, proporção muito acima da média UE 15 (14,7 %), apresentando uma ligeira redução em relação a 1999, como indica o gráfico “Evolução do auto-emprego na UE 15 (1999-2005)”.

O trabalho a tempo parcial, com grande incidência nos jovens e nas mulheres, tem menos importância em Portugal (11,2%) do que na União Europeia (20,2%).

O emprego flexível incide, principalmente, sobre grupos etários mais jovens e sobre categorias sócioprofissionais de baixo estatuto e tende a abranger mais as mulheres do que os homens.

Os resultados de um estudo (1) (Kovács, 2005) indicam que há uma grande distância entre os trabalhadores efectivos e uma parte substancial dos trabalhadores com empregos instáveis. Enquanto os primeiros se encontram numa situação de estabilidade profissional, reforçada pela promoção e formação e têm remunerações mais elevadas, os segundos acumulam uma série de desvantagens, tais como trabalho pouco interessante e pouco adequado ao nível de escolaridade/qualificação, autonomia reduzida, rendimento baixo e incerto, falta de oportunidades de formação e de perspectivas de carreira. No entanto, estas diferenças não significam que se trate de grupos homogéneos e com fronteiras rígidas. Trabalhadores com elevada antiguidade e vínculo estável podem ter uma posição frágil no mercado de trabalho devido ao seu baixo nível de escolaridade/qualificação. No que se refere aos trabalhadores em situação de emprego flexível, há heterogeneidade que podemos caracterizar com a seguinte tipologia:

• Flexibilidade qualificante: escolha de empregos flexíveis por parte de indivíduos com níveis de escolaridade médio e elevado; trabalhos altamente qualificados, exigindo e estimulando a aprendizagem contínua; forte investimento na formação; capacidade de negociação para obter remunerações mais elevadas e melhores condições de trabalho; forte mobilidade de emprego com boas perspectivas profissionais.

• Flexibilidade precarizante transitória: rotação entre empregos flexíveis transitórios por parte de jovens com níveis de educação elevados/médios cujo trabalho tende a ser pobre em conteúdo, limitando o uso das suas qualificações e a aprendizagem no trabalho; têm grande esperança e forte motivação para melhorar a sua situação profissional.

• Flexibilidade precarizante a longo prazo: forte rotação, predominantemente involuntária, entre empregos precários por parte de indivíduos com nível de escolaridade médio e baixo; experiências de trabalho curtas, sucessivas e limitadas, impedindo a aprendizagem no trabalho; pouca ou nenhuma motivação para investir na formação; forte probabilidade de um percurso marcado pela precariedade e ameaça de desemprego.

Como há diversos tipos de trajectórias de flexibilidade, não podemos identificar a flexibilidade de emprego com a precariedade, tão pouco aceitar a tese da crescente oportunidade para todos. Podemos encontrar trabalhadores com uma forte posição no mercado de trabalho (detentores de qualificações muito procuradas), apesar da instabilidade e carácter temporário das suas relações de emprego. As formas flexíveis de emprego são ambíguas. Para uns, pode tratar-se de uma situação de emprego transitória, de um trampolim para encontrar um emprego melhor; para outros, pode ser uma opção individual associada a um determinado estilo de vida; mas para outros ainda, trata-se de uma situação imposta por falta de alternativas da qual é difícil sair e de uma armadilha que os amarra a um percurso profissional marcado pela precariedade.

 

Conclusões

Reconhecendo que o trabalho assalariado continua a determinar as condições e oportunidades de vida e a configuração da existência social da maior parte das pessoas, promover uma política orientada para o pleno emprego e para impedir a degradação e a precarização do emprego surge como um imperativo político. É de ressaltar que em Espanha os parceiros sociais assinaram (em Maio de 2006) um acordo cujo principal objectivo é promover a estabilidade do emprego.

A maior estabilidade do emprego reveste particular importância do ponto de vista do aumento da produtividade e da capacidade de inovação. Uma certa estabilidade do emprego (2) está relacionada com ganhos de produtividade (Auer, P., Berg J., Coulibaly, I., 2004).

Uma política de emprego empenhada na maior difusão das formas flexíveis de emprego, na lógica do mercado de trabalho desregulado, tende a levar ao aumento do número daqueles que se tornam vítimas da lógica da “via baixa” da melhoria da competitividade. Não é por acaso que nos últimos tempos é tão discutida a questão da flexibilidade protegida ou “flexigurança”, com base na experiência dinamarquesa. Neste país, há menor protecção do emprego, uma maior mobilidade, mas, ao mesmo tempo, uma maior protecção social e investimento elevado em políticas de mercado de trabalho.

Para evitar que o trabalho se torne precário, é importante que haja regulação. Por exemplo, na Suécia as formas flexíveis de emprego são fortemente protegidas pela negociação colectiva e os sindicatos defendem os interesses dos trabalhadores flexíveis com uma taxa de sindicalização elevada (Pochic, S.; Paugham, S., Selz, M., 2003). Porém, para impedir a precarização do emprego não é suficiente uma regulação a nível nacional. Exige-se que haja mecanismos de implementação efectiva dos princípios do trabalho decente definidos pela OIT e mecanismos de defesa dos interesses ligados ao trabalho à escala global.

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1 - As Formas Flexíveis de Emprego: Riscos e Oportunidades, por mim coordenado (projecto de investigação realizado no âmbito do Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações SOCIUS do ISEG/UTL e financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia – POCTI n.º 33042/SOC/2000.

2 - Uma permanência média de 8 a 10 anos na empresa é o mais favorável. As permanências curtas e muito prolongadas são desfavoráveis.

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* Ilona Kovács

Professora do ISEG-UTL. Coordenadora do curso de Mestrado em Sociologia Económica e das Organizações. Investigadora do SOCIUS – Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações.

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Referências bibliográficas

AUER, P. BERG, J. COULIBALY, I. (2005) – “Is a stable wokforce good for the economy? Insights into the tenure-productivity-employment relationship”. In International Labour Review. Genebra: Volume 144, n.º 3.

BECK, Ulrich (2000) – Brave new world of work. Cambridge, Polity Press.

BRIDGES, William (1994) – Jobshift. Addison Wesley Publ..

CASTEL, Robert (1995) – Les métamorphoses de la question sociale. une chronique du salariat. Paris: Fayard.

CASTELLS, Manuel (1998) – La era de la información. Economia, sociedad y cultura, la sociedade red vol. 1. Madrid: Aliança Ed.

GORZ, André (1997) – Misères du présent. Richesses du possible, Paris: Édition Galiée.

Grupo de Lisboa (1994) – Limites à competição, Lisboa, Publicações Europa-América.

KOVÁCS, Ilona (2005) – Flexibilidade de emprego – Riscos e Oportunidades, Oeiras.

KOVÁCS, Ilona (2002) – As metamorfoses do emprego. Oeiras: Celta Editora.

MÉDA, Dominique (1995) – Le travail: une valeur en voie de disparition. Paris: Aubier.

POCHIC, S.; PAUGHAM, S., SELZ, M. (2003) – Job security and precarity in Europe . Worksgop 1, Mannheim, 10-12 Abril 2003.

PYKE, Frank; SEGENBERGER, Werner (org.) (1992) – Industrial Districts and Local Economic Regeneration, Genebra: ILO Studies.

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Dados adicionais
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