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- JANUS 2008 -



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O trabalho infantil no mundo

Mafalda Troncho *

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A abolição do trabalho infantil inscreve-se no coração do mandato da OIT (Declaração de 1998, relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho). Por essa razão, todos os Estados-membros, independentemente de terem ou não ratificado as Convenções 138 e 182, encontram-se obrigados a respeitar os princípios que as mesmas enunciam. O crescente movimento mundial de luta contra o trabalho infantil parece apresentar resultados. Os últimos números disponibilizados pelo Relatório Global da OIT de 2006, que continuam a revelar uma situação inaceitável, registam uma diminuição do número de crianças trabalhadoras. Será o fim do trabalho infantil um objectivo ao nosso alcance?

 

Trabalho Infantil a eliminar

Sempre que há lugar a um momento de debate em torno do tema do trabalho infantil, constata-se que não existe total sintonia entre todos os actores quanto à classificação de determinadas actividades como trabalho infantil ou quanto à noção de criança.

Segundo a Convenção sobre os Direitos da Criança, adoptada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas a 20 de Novembro de 1989, criança é «todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo». Por sua vez, criança economicamente activa constitui um conceito estatístico, decorrente da noção de actividade económica estabelecida pelo Sistema Nacional de Contas das Nações Unidas (SNC). Assim, excluindo as pequenas tarefas realizadas pelas crianças em casa ou na escola, crianças economicamente activas são todas as crianças que produzem bens e/ou serviços, destinados ou não ao mercado, sendo ou não remuneradas, através de actividades legais ou ilegais, de forma ocasional ou regular, bastando para tal que tenham trabalhado pelo menos uma hora num período de referência de sete dias.

Atendendo ao disposto na Convenção da OIT sobre a idade mínima de admissão ao emprego e ao trabalho (138), o trabalho infantil pode ser definido como todo o trabalho que é perigoso e prejudicial para a saúde e para o desenvolvimento mental, físico, social ou moral das crianças e que interfere com a sua escolarização, seja porque as priva desta, seja porque as conduz ao abandono precoce da escola, seja porque as obriga a conciliar a frequência escolar com longas horas de trabalho. A Convenção 138 admite a participação de crianças com mais de 12 anos (países em desenvolvimento) ou 13 anos (países desenvolvidos), em trabalhos leves (1) e de crianças que ainda não tenham concluído a escolaridade mínima obrigatória, com pelo menos 14 ou 15 anos (em países em desenvolvimento e países desenvolvidos, respectivamente), em trabalhos não perigosos. Estas excepções são admissíveis nos termos legalmente autorizados pela autoridade competente e desde que não se comprometa a sua saúde, desenvolvimento e escolarização.

O artigo 3.º da Convenção 182, sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil, tipifica-as claramente, englobando, de uma forma geral: i) todas as formas de escravatura e práticas semelhantes, servidão por dívidas, trabalho forçado (incluindo crianças-soldados); ii) prostituição, pornografia; iii) actividades ilícitas como o tráfico de droga; iv) e trabalho que, pela sua natureza ou circunstâncias em que é realizado, é passível de prejudicar a saúde, a segurança ou a moralidade das crianças. As piores formas de trabalho infantil englobam, assim, duas categorias. Por um lado, a que inclui as crianças nas piores formas de trabalho infantil incondicionais (também se usa o termo evidentes), que dizem respeito às formas enunciadas de i) a iii), e que se situam na esfera das actividades criminais. Por outro lado, temos a categoria que inclui crianças em trabalhos perigosos, referidos em iv), a serem definidos pelas autoridades nacionais competentes após consulta tripartida.

Este esforço conceptual, adoptado pela comunidade internacional através das normas internacionais do trabalho aqui citadas, é muito claro quanto ao trabalho infantil a eliminar: todo o trabalho realizado por menores de 15 anos, à excepção dos trabalhos leves que, nos termos da C138 e do previsto pelas legislações nacionais, envolvam crianças entre os 12 e os 14 anos; e todas as piores formas de trabalho infantil, devidamente tipificadas na C182.

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Estimativas mundiais

O Relatório Global de 2006, no quadro do seguimento da Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, apresentou-se com uma mensagem optimista. Ao afirmar que o fim do trabalho infantil constitui um objectivo ao nosso alcance, a OIT introduziu, no âmbito da luta contra o trabalho infantil, uma importante nota de esperança tradicionalmente ausente deste debate. De facto, as estimativas da OIT apuradas em 2004 revelaram que o número de crianças que trabalham em todo o mundo registou uma quebra, em quatro anos, de 11%. E, mais significativo ainda, registou--se uma diminuição, no mesmo período, de 26% relativamente ao número de crianças envolvidas em trabalhos perigosos. Neste último caso, verificou-se mesmo uma descida de 33% no escalão dos 5 aos 14 anos. Estes progressos não escondem, todavia, a dureza dos números e o muito que ainda há por fazer. O trabalho infantil atinge 218 milhões de crianças, dos quais 126 milhões dizem respeito a crianças em trabalhos perigosos.

Em termos regionais, os maiores progressos tiveram lugar na América Latina e nas Caraíbas. Na África subsariana o cenário é outro e é bem mais dramático. O pequeno decréscimo verificado (28,8% para 26,4%) resulta da elevada taxa de aumento populacional e não se traduz numa diminuição do número de crianças economicamente activas que, aliás, aumentou. O relatório aponta para o agravamento da pobreza no continente africano como a principal causa das elevadas taxas de actividade das crianças nessa região. Ao mesmo tempo, o crescimento populacional reforça as dificuldades em colocar as crianças na escola e em impedir o seu envolvimento no trabalho infantil. Por outro lado, prevê-se que até 2010 o número de órfãos em consequência da sida atinja os 50 milhões, agravando a pressão sobre as crianças para se tornarem economicamente activas.

Quanto aos sectores de actividade, do total de crianças a trabalhar, o Relatório Global revela que 69% estão no sector da Agricultura, 22% nos Serviços e 9% na Indústria. Estes dados não deixam de constituir um paradoxo, uma vez que tem prevalecido uma visão mais urbana e industrial do trabalho infantil. O próprio IPEC (Programa Internacional da OIT para a Eliminação do Trabalho Infantil) apenas contabiliza para o sector agrícola, até à data, 15% do seu total de projectos e programas de acção.

Esta tendência começa agora a inverter-se. Aliás, neste ano, para o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil (12 de Junho) foi escolhido o tema da Eliminação do Trabalho Infantil na Agricultura. A apoiar esta priorização está uma alargada e forte coligação internacional, que engloba a OIT, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), o Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (IFAD), o Grupo Consultivo para a Investigação Agrícola Internacional (CGIAR), a Federação Internacional dos Produtores Agrícolas (IFAP) e a União Internacional dos Trabalhadores na Alimentação e Agricultura (IUF).

Quando se observa a incidência do trabalho infantil nas raparigas e nos rapazes, e mais especificamente do trabalho infantil perigoso, não se verificam diferenças significativas no grupo etário dos 5 e os 11 anos. No entanto, os rapazes parecem mais expostos às duas realidades que as raparigas, acentuando-se essa diferença com o agravamento da idade. Por exemplo, o Relatório Global revela que das crianças em trabalhos perigosos, no escalão etário dos 15 aos 17 anos, 62% são rapazes. Um combate eficaz ao trabalho infantil deve, de acordo com a experiência da OIT, integrar a questão de género nas suas acções. O trabalho infantil de rapazes e de raparigas revela, muitas vezes, uma diferente atribuição de papéis, podendo envolver distintos riscos e condições de trabalho, não tendo todas as suas formas a mesma visibilidade (como é o caso do trabalho doméstico que, pela sua natureza, é mais difícil de detectar).

 

A eliminação do trabalho infantil no âmbito da CPLP

Liberdade de estudar, não queremos trabalhar; Liberdade de estudar, não nos deixem trabalhar ( slogan apresentado na Conferência de Lisboa de 11 de Maio 2006, construído por crianças da CPLP que foram trabalhadoras): por ocasião da Conferência «Combate à Exploração do Trabalho Infantil no Mundo de Língua Portuguesa», é assinada por todos os ministros do Trabalho e dos Assuntos Sociais da CPLP uma importante declaração onde são reafirmados, como prioridades políticas, o combate e prevenção da exploração do trabalho infantil e suas causas. Outros pontos deste compromisso político passam por uma campanha para ratificação e aplicação das Convenções 138 e 182, promoção do diálogo social, intercâmbio de experiências e reforço da cooperação multilateral.

Ao longo dos trabalhos preparatórios e durante a conferência foi preparado um Plano de Acção multilateral, complementar aos Planos de Acção Nacionais, que fixou metas importantes, coerentes com o esforço internacional já aqui referido: ratificação até 2010 da C182 e da C138; adopção no mesmo período de estratégias e programas operacionais adequados; e concepção de medidas adequadas de duração determinada, com vista à eliminação das piores formas de trabalho infantil, até 2016. O Plano de Acção compreende como eixos prioritários a informação, troca de experiências e trabalho em rede; campanhas conjuntas de sensibilização; harmonização de metodologias; e cooperação técnica e formação. Este Plano de Acção foi posteriormente adoptado na VII Reunião dos (as) Ministros (as) do Trabalho e dos Assunto Sociais da CPLP, que teve lugar em Bissau, a 4 e 5 de Setembro. No início de 2007 foi instituído formalmente o grupo de pontos focais no âmbito do Plano de Acção da CPLP.

 

Notas finais

É prematuro especular-se sobre as razões para este declínio geral. O que é claro é que ele chega numa altura em que há um compromisso internacional cada vez maior para com a eliminação do trabalho infantil… (Relatório Global da OIT, 2006): são várias as causas que alimentam a prevalência do trabalho infantil, facto que empresta complexidade a este problema. De uma forma geral, a conjugação de diversos factores, como a pobreza, os factores culturais ou a pressão por parte da procura potenciam a sua existência. A OIT tem, desde sempre, procurado combater este flagelo quer através da produção normativa, quer através da assistência técnica (o IPEC é o maior programa de assistência técnica da Organização), quer ainda através de aturada investigação científica. Dada a sua natureza tripartida, a OIT tem tido um papel fundamental na erradicação do trabalho infantil e, em particular, das suas piores formas.

Por outro lado, a OIT esteve na origem de um movimento mundial sem o qual não teria sido possível uma significativa redução do número de crianças trabalhadoras. Infelizmente, este decréscimo não é uma realidade para o continente africano (2). Por essa razão, o Relatório Global da OIT de 2006 prevê o reforço das várias áreas da actividade do IPEC em África, nomeadamente através da sua interligação com os Programas Trabalho Digno por País (DWCPs) – principal instrumento da OIT de assistência e cooperação técnicas para a promoção e integração da agenda do trabalho digno nas políticas e práticas nacionais.

O Relatório Global da OIT de 2006 – «O fim do trabalho infantil: Um objectivo ao nosso alcance» – não se limita a fazer o histórico das acções de luta contra o trabalho infantil e da evolução dos números. Este importante documento traça um objectivo ambicioso – o de eliminar as piores formas de trabalho infantil na próxima década – traduzindo--se, ainda, num testemunho importante do papel fundamental que uma aliança internacional tem desempenhado e deverá continuar a prosseguir.

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Informação Complementar

Custos e benefícios da eliminação do trabalho infantil

O que é uma boa política social é também uma boa política económica. (Juan Somavia)

Em 2004 é publicado um interessante e inédito estudo da OIT relativo aos custos e benefícios da eliminação do trabalho infantil ( Investing in Every Child – An Economic Study of the Costs and Benefits of Eliminating Child Labour , Geneva, 2004) nos países em desenvolvimento e em transição, para um período de 20 anos – 2000 a 2020. A conclusão mais importante do estudo indica que a eliminação do trabalho infantil e a sua substituição por uma educação universal resultaria, a longo prazo, em benefícios económicos sete vezes superiores aos custos com a sua efectivação. Ou seja, teríamos para os países em desenvolvimento 5.106 mil milhões de dólares de benefícios económicos contra um custo estimado de 760 mil milhões de dólares, o que representa uma taxa interna de retorno de 43,8%.

É certo que, durante a primeira década, os custos com a eliminação do trabalho infantil ultrapassariam os benefícios, mas depois, sensivelmente a partir de 2016, a tendência inverter-se-ia drasticamente e, estima-se, manter-se-ia a muito longo prazo. Até porque, a partir de 2020, os custos praticamente desaparecem, subsistindo os inúmeros benefícios associados a melhor educação e melhor saúde. A ligação estabelecida entre a eliminação do trabalho infantil e a educação revela ainda que, para uma criança até aos 14 anos de idade, cada ano de escolaridade representa um ganho de 11% no seu futuro salário.

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1 - O trabalho leve foi definido pela OIT (Every Child Counts – New Global Estimates on Child Labour, Geneva, 2002) como o trabalho não perigoso realizado por crianças com 12 anos ou mais, por um período inferior a 14 horas semanais, de acordo com os limites já descritos.

2 - Muito embora a maioria dos países africanos já tenha ratificado as Convenções 138 e 182.

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* Mafalda Troncho

Licenciada em Gestão de Empresas pela Universidade de Évora. Mestre em Ciências do Trabalho pelo ISCTE. Perita Associada no Escritório da Organização Internacional do Trabalho em Lisboa.

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Referências bibliográficas

A OIT e a economia informal. Lisboa: Escritório da OIT em Lisboa, 2006.

Actas da Conferência: combate à exploração do trabalho infantil no mundo de língua portuguesa. Lisboa: PETI/MTSS, 2006.

Actas da Conferência Internacional: políticas de combate à exploração do trabalho infantil na Europa. Vol I. Lisboa: PEETI/MTS, 2001.

AMORIM, Anita [et al.] (ed.) – Integração de género nas acções contra o trabalho infantil. Genebra: IPEC/OIT, 2004.

Comissão Mundial Sobre a Dimensão Social da Globalização. Por Uma Globalização Justa: criar oportunidades para todos. Oeiras: Celta, 2005.

Documentos fundamentais da OIT. Lisboa: Gabinete para a Cooperação do MTSS, 2007.

Éradiquer les pires formes de travail des enfants: guide pour la mise en oeuvre de la convention n.º 182 de l'OIT. Genève: BIT et UIP, 2002.

Estatísticas do Trabalho Infantil: manual de metodologias para recolha de dados através de inquéritos. Genebra: SIMPOC, IPEC/OIT, 2004.

Every Child Counts: new Global Estimates on Child Labour. Genebra: IPEC/ILO, 2002.

HAGEMANN, Frank e MATZ, Meter (ed.) – Investing in Every Child: an Economic Study of the Costs and Benefits of Eliminating Child Labour. Geneva: IPEC/OIT, Geneva, 2004.

HASPELS, Nelien; JANKANISH, Michele (ed.) – Action against child labour. Genebra: ILO, 2000.

HILOWITZ, Janet [et al.] – Trabajo Infantil: un manual para estudiantes, Genebra: IPEC/OIT, 2004.

Manual para análise de dados sobre o trabalho infantil e a redacção de relatórios estatísticos. Lisboa: SIMPOC, IPEC/OIT, 2004.

O fim do trabalho infantil: um objectivo ao nosso alcance. Genebra: OIT, 2006.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Taxas de actividade das crianças por região, 2000 e 2004 (%)

Link em nova janela Ratificações das Convenções 138 e 182 na CPLP

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