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- JANUS 2008 -



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Multifuncionalidade e renovação do trabalho agrícola

António Oliveira das Neves *

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O modelo historicamente predominante de organização do trabalho nas explorações agrícolas desenvolve-se em torno do empresário agrícola, mais apropriadamente do chefe de exploração que envolve nas tarefas quotidianas o núcleo do agregado familiar e recorre ao assalariamento sazonal, de acordo com as necessidades decorrentes da natureza das culturas e das actividades técnicas básicas e/ou secundárias. Este modelo encontra-se presente nos países da União Europeia com agriculturas mais desenvolvidas servindo como exemplo, por todos, a França onde, no final dos anos noventa, cerca de noventa e cinco por cento das explorações não recorriam a trabalho assalariado permanente.

Em termos estruturais, o emprego agrícola reflecte a dinâmica sazonal das actividades e a complementaridade com outras actividades não directamente agrícolas, um conjunto que explica o predomínio do regime de trabalho a tempo parcial, segundo padrões de pluriactividade e pluri-rendimento que abrangem os titulares das explorações e os membros dos respectivos agregados familiares que asseguram tarefas produtivas, comerciais e outras, a montante e a jusante da produção.

Na última década, o panorama do trabalho agrícola tem vindo a mudar em resposta fundamentalmente a três vectores: (i) os requisitos associados à melhoria da capacidade competitiva das explorações agrícolas e das pequenas unidades de agro-transformação de base rural; (ii) o desenvolvimento da multifuncionalidade das explorações enquanto produtoras de bens e serviços agro-rurais e ambientais; e (iii) a procura de melhoria da qualidade de vida dos actores rurais, com implicações na relação entre trabalho e lazer.

Do primeiro vector, vem a necessidade de profissionalizar a execução de tarefas mais específicas, de recrutar competências técnico-profissionais, de mobilizar elementos de inovação e de aceder a capital circulante indispensável à modernização das explorações, cujos encargos de investimento dificilmente são cobertos de forma autónoma pela capacidade financeira das explorações.

Do segundo vector, vem o desafio de diversificar actividades e melhorar as condições de gestão dos recursos naturais, produtivos e económicos das explorações e os recursos da envolvente patrimonial das mesmas, o que pressupõe novas competências de gestão e iniciativa para adoptar determinadas produções e culturas (artesanais, biológicas, …) e, sobretudo, proporcionar novos serviços (ambientais, agro-turismo, …), a dinamizar em rede, tendo em vista uma satisfatória valorização económica.

Do terceiro vector, vem a necessidade de substituir a mão-de-obra familiar por escassez desta, mas também em situações de doença, de gozo de férias, uma regalia não preenchida no passado.

 

Multifuncionalidade e melhoria das condições de vida e de trabalho no meio rural

A convergência potencial dos movimentos autónomos, com origem na procura de melhoria das condições de vida e de trabalho no meio rural, por parte dos agricultores, e na vertente da multifuncionalidade, constitui o terreno adequado para reflectir a renovação do trabalho agrícola, tanto em termos de composição/estrutura dos empregos, como em termos de conteúdos funcionais dos mesmos.

A absorção gradual das orientações políticas para o desenvolvimento rural, decorrentes da mais recente Reforma da PAC, pressupõe que a organização económica das actividades e formas de ocupação dos territórios agro-rurais e florestais se aproxime da agricultura multifuncional. Este conceito abrange os sistemas agro-económicos convencionais e um vasto conjunto de combinações económicas e de actividades que incluem, nomeadamente, os produtos biológicos, os produtos tradicionais de qualidade e respectivos sistemas de certificação, os produtos florestais associados a sistemas de uso múltiplo da floresta, a prestação de serviços agrícolas, a gestão e organização, a assistência técnica, a comercialização e o marketing, o associativismo e o cooperativismo (cf. Diagnóstico de Necessidades de Competências no Meio Rural , pg. 4, IESE para a CAP, 2007).

A diversidade assinalada reflecte uma perspectiva de “mosaico de actividades do mundo rural” que remete para formas de ocupação dos territórios rurais menos directamente ligadas ao sector agrícola, sendo de destacar a importância das actividades emergentes de que são exemplo a agricultura e a pecuária biológicas (integradas na matriz produtiva, ainda que segundo modos de produção não convencionais), o turismo em espaço rural, os serviços de animação e lazer, a preservação de recursos naturais, a gestão do património natural e da paisagem e as actividades de ordenamento do território.

Neste novo contexto, os agricultores são convidados a “protagonizar as dinâmicas do território” (1), evoluindo para empresários rurais de actividades diversificadas, acrescentando à sua vocação produtiva tradicional uma componente de actividade e iniciativa centrada numa nova oferta de bens e serviços. Esta nova oferta abrange os produtos genuínos, de qualidade e biológicos, a par da prestação de serviços à colectividade (gestão do património rural, natural e construído, gestão sustentável dos recursos – biodiversidade, qualidade da água e do ar, práticas amigas do ambiente, gestão de bacias hidrográficas, prevenção de incêndios e riscos naturais, etc.).

Os desenvolvimentos recentes da Política de Coesão da União Europeia vão no sentido de estimular esta nova agricultura, quer do lado das orientações estratégicas para o desenvolvimento rural (consagradas no novo instrumento de financiamento – FEADER), quer do lado das políticas regionais que valorizam significativamente a relação entre as redes urbanas/policentrismo e a valorização económica e sustentabilidade dos territórios, objectivos estratégicos contemplados nos instrumentos dos fundos estruturais (FEDER e Fundo de Coesão).

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A diversidade dos empregos em meio rural

A análise prospectiva dos empregos do sector agrícola e rural vai no sentido de desenhar duas tipologias mais dinâmicas:

(i) Uma, ancorada nos segmentos competitivos da agricultura convencional, que agrupa empregos que reflectem a especialização e a renovação qualificante dos processos de trabalho associadas, nomeadamente, à incorporação de práticas inovadoras (novas sementes e produções, novas operações culturais, novos equipamentos e sistemas de rega e de fertilização, novas formas de organização e comercialização das produções primárias, …). Estes empregos correspondem a um modelo de profissionalização tendencialmente competitiva do trabalho agrícola.

(ii) Outra, de características mais difusas, que compreende empregos que evoluem no campo delimitado pela diversificação da economia rural que integra novas (e velhas) actividades não agrícolas, p.e., agro-turismo, serviços de recreação e lazer, actividades pedagógicas nas quintas rurais, fabrico artesanal e semi-artesanal de produtos tradicionais e venda directa e online de produtos locais.

As dinâmicas de emprego assinaladas têm desenvolvimento e expressão na estrutura profissional de suporte às actividades, bem como nos perfis de competências/qualificações a fixar nas unidades económicas.

Em termos profissionais, as dinâmicas que resultam da análise prospectiva das dinâmicas económicas e empregadoras do sector agrícola são evidenciadas no quadro da caixa complementar e reflectem os resultados de um trabalho empírico muito recente, da iniciativa da Confederação de Agricultores de Portugal (CAP), no qual assumimos responsabilidades de coordenação. Esse estudo analisou em profundidade as perspectivas de renovação do emprego agrícola num quadro de evolução a médio/longo prazo fortemente marcado pelas lógicas da multifuncionalidade e da diversificação do mosaico de actividades das economias rurais.

As dinâmicas de emprego reflectidas neste quadro-síntese reclamam uma renovação de competências a acompanhar pelo reajustamento da oferta de formação escolar e profissional, que evolua nas direcções seguintes:

• Funções directamente ligadas à produção – actualização das técnicas e tecnologias ligadas às operações culturais e dos requisitos regulamentares em termos de qualidade dos produtos, de protecção ambiental e de bem-estar animal; e a reciclagem e actualização dos conhecimentos dos activos agrícolas e dos consultores das explorações agro-pecuárias e florestais.

• Funções enquadradoras da gestão e organização – adequação à crescente complexidade das tarefas decorrentes da gestão das explorações e unidades agro-transformadoras (organização, planeamento, coordenação e avaliação custo-benefício das actividades produtivas, de transformação, comerciais, ...).

• Funções relacionadas com a comercialização e o “ marketing ” – aprofundamento de conhecimentos dirigidos à integração na cadeia produtiva-comercial e à diversificação de actividades, numa óptica de aproveitamento de oportunidades que aumentem o valor acrescentado; e aquisição de capacidades técnicas e conhecimentos associados à identificação de oportunidades de negócio.

• Funções ligadas ao associativismo, cooperativismo e apoio técnico – desenvolvimento das competências dos dirigentes (análise contextual da realidade do sector e da envolvente política e legal; e oportunidades e dinâmicas dos mercados, estratégias e estabelecimento de parcerias).

• Funções associadas à prestação de serviços – especialização e reforço do apoio técnico e do trabalho agrícola, a par da qualificação da consultoria de gestão e da formação profissional, através do alargamento do leque de competências dos consultores/técnicos nos domínios técnico e organizativo.

 

Prestação de serviços às explorações agrícolas e empresas agro-rurais

A renovação do emprego agrícola deve ser avaliada de par com as tendências de evolução relativas à prestação de serviços às explorações agrícolas e às empresas agro-rurais, na medida em que essa vertente económico-empresarial faz parte integrante dos processos de transformação do panorama do trabalho agrícola.

Nessa transformação ganha relevo a introdução de novas normas jurídicas e sociais no domínio do trabalho agrícola, com destaque para a externalização, a gestão previsional dos empregos e das competências e a difusão de modos de gestão próprios da indústria (2).

A externalização sob a forma de prestação de serviços às explorações tem vindo a ganhar expressão económica enquanto campo de soluções para a renovação do potencial humano e da capacidade competitiva das unidades rurais. Em várias regiões francesas (Beauce, Bretanha, ...) (3) tem sido ensaiado um padrão de prestação de serviços que compreende:

• Oferta de máquinas e outros equipamentos pelas cooperativas de utilização de material agrícola (CUMA), em regime de prestação de serviços e assegurando um serviço completo que vai da preparação das sementeiras à recolha das produções. Esta solução aumenta os meios de trabalho ao dispor das pequenas explorações agrícolas e reduz os encargos das mesmas (p. e., menor investimento em capital fixo).

• Criação de empresas de trabalhos agrícolas (ETA) que asseguram tarefas do ciclo de operações culturais e prestam serviços a diversas explorações rentabilizando as máquinas e equipamentos, bem como mão-de-obra com competências diversificadas. A remuneração destes serviços alterna entre um “forfait” para os custos e um retorno sobre os benefícios esperados.

• Serviços de substituição sob a forma de trabalho temporário externo e respondendo a necessidades decorrentes: da diminuição das ajudas familiares (abandono dos campos pelos familiares mais jovens, atracção por actividades urbanas de proximidade, menos pesadas e melhor remuneradas, ...); de necessidades de substituição do chefe de exploração (frequência de formação, férias, doença, ...); e de necessidades suplementares de mão-de-obra das explorações.

A criação destas empresas deve mobilizar competências decorrentes quer da reconversão profissional (via formação técnica especializada) de activos originários do sector agrícola, quer de novas qualificações técnicas e profissionais (p. e., gestão e mercados e execução de tarefas específicas), dinamicamente ajustadas à modernização das explorações e ao aproveitamento económico de novas oportunidades.

Estas experiências, com assinalável presença também em Espanha e Itália, têm uma expressão ainda reduzida em Portugal, tendo começado por uma prestação de serviços mais terciarizada (contabilidade, gestão, ajudas técnicas à comercialização,...) para evoluir, nos últimos anos, para a prestação de serviços aos proprietários florestais, às explorações pecuárias e de serviços agro-ambientais e às explorações agrícolas.

No horizonte do novo período de programação (2007-2013), as ajudas enquadradas pelo Regulamento do FEADER irão contemplar o apoio à aquisição/incorporação de serviços, na óptica da qualificação/modernização da actividade económico-produtiva das explorações agro-florestais e das unidades agro-transformadoras, uma componente de ajudas que se admite possa vir a preencher também uma função de renovação/ recomposição do emprego no sector agrícola.

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Informação Complementar

Principais dinâmicas de emprego

A reestruturação das actividades agro-económicas tende a ser acompanhada, de forma cada vez mais intensa, por uma diversidade de novos bens e serviços oferecidos a partir das explorações agrícolas e da sua envolvente de recursos.

Essa evolução tem efeitos sobre os empregos e a estrutura de perfis profissionais, desenhando um novo panorama dos empregos rurais, entre profissões em emergência e profissões em crescimento.

Profissões em emergência
• Animador rural
• Consultor comercial
• Consultor de marketing turístico
• Controlador de qualidade dos produtos agrícolas
• Empresário-gestor de empresa de prestação de serviços
• Fiscal de boas práticas agrícolas
• Gestor de montados
• Gestor de recursos hídricos
• Gestor de produtos agrícolas e/ou pecuários
• Gestor de propriedades rurais
• Guia agro-turístico
• Monitor turístico (turismo activo, agro-turismo, …)
• Operador agro-turístico
• Promotor de eventos no espaço rural
• Técnico de energia
• Técnico de marketing territorial
• Técnico de sistemas de rega
• Técnico de turismo (rural, ambiental, etc.)
• Vigilante da natureza

Profissões em crescimento
• Agricultor biológico
• Apicultor
• Controlador de qualidade dos produtos agrícolas
• Empresário-gestor de unidade de turismo rural
• Empresário-produtor florestal
• Fiscal de rega
• Agricultor [floricultor, fruticultor, horticultor]
• Operador agrícola
• Operador de máquinas e equipamentos
• Prestador de serviços agro-pecuários
• Sapador florestal
• Técnico de qualidade e segurança alimentar
• Trabalhador florestal
• Técnico/consultor agro-pecuário e florestal – assistência e apoio técnico
• Técnicos de manutenção de máquinas e equipamento agrícola
• Tirador de cortiça

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1 - Cf. LACOMBE, Philippe (Coord.) – L' Agriculture à la recherche de ses futurs (2002). DATAR: Éditions de l'aube.

2 - MIRAMONT, Y. (2007) – “Permanences et ruptures dans les représentations sociales des salariés agrícoles”. Document de travail. Séminaire de Recherche Les mondes agrícoles en politique, 2007, Paris: INRA.

3 - HARFF, Y. e Lamarche , H. (1998) – “Le travail agricole en France”. In L' Économie Rurale, n.º 244 de Março-Abril 1998.

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*António Oliveira das Neves

Licenciado em Economia pelo ISEG. Pós-graduado em Políticas e Gestão de Recursos Humanos pelo ISCTE. Especialista em estudos de emprego e formação e em avaliação de políticas públicas.

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