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- JANUS 2008 -



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Mercado de trabalho: a fonte do sucesso das nações

Mário Centeno * e Álvaro Novo **

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Numa economia moderna ocorrem diariamente inúmeros “encontros” entre potenciais empregadores e potenciais empregados. A língua alemã, sempre com uma preocupação filosófica na sua construção, permite apreender de forma muito directa o papel de cada um destes agentes no mercado de trabalho ao designar os primeiros como arbeitgeber (aqueles que dão trabalho) e os segundos como arbeitnehmer (aqueles que aceitam trabalho). Esta relação entre aqueles que dão trabalho e aqueles que aceitam trabalho é o mais extraordinário fenómeno que ocorre no mercado de trabalho e da sua eficiência e fluidez depende o sucesso económico de um país.

 

Mercado de trabalho: procura, oferta e preço

Os economistas designam por mercado a estrutura em que as vontades de vendedores e compradores se encontram para transaccionar o bem ou serviço que uns podem fornecer e outros desejam usufruir. Como resultado desse encontro determinam a quantidade transaccionada e o preço por unidade. Visto nesta perspectiva, o mercado de trabalho não difere de outros mercados, obedecendo aos princípios básicos de funcionamento que regulam a oferta e procura num mercado de bens ou serviços. Nele é transaccionado um serviço (o trabalho), cuja quantidade transaccionada é medida através do número de trabalhadores empregues, e em que o preço é o salário pago ao trabalhador.

A oferta de trabalho é composta por todos os indivíduos disponíveis para trabalhar num determinado momento do tempo, com ou sem emprego (aqueles que aceitam trabalho). O conjunto destes indivíduos numa economia constitui a sua população activa e representa, sem dúvida, o mais importante capital produtivo de qualquer país. A procura de trabalho decorre da necessidade que as empresas têm de utilização dos serviços prestados pelos trabalhadores (aqueles que dão trabalho). Estes serviços são úteis à empresa (na medida em que são produtivos) e em troca deles a empresa está disposta a pagar um determinado salário. Este reflecte a produtividade do trabalhador, ou seja, a sua contribuição para o sucesso da produção na empresa.

O mercado de trabalho organiza de forma descentralizada estas duas vontades independentes, que prosseguem objectivos muito próprios e por vezes antagónicos. Na verdade, o mercado de trabalho difere dos outros mercados numa importante dimensão – o serviço transaccionado tem vontade própria. De facto, o salário tem nele uma dupla função: não se limita a equilibrar a oferta e a procura, remunerando as características produtivas do trabalhador, mas serve também para o motivar, tendo portanto impacto na sua produtividade. Assim, o salário não só remunera as capacidades produtivas dos trabalhadores, como é utilizado para alinhar os interesses dos trabalhadores e das empresas.

Esta dimensão adicional do emprego e do salário no mercado de trabalho é importante para caracterizar a sua complexidade e as razões que determinam o sucesso do seu funcionamento. No entanto, como iremos argumentar, este sucesso depende de forma crucial do ritmo e da eficiência com que as duas partes se encontram no mercado para conciliar as respectivas vontades.

 

Em busca do par perfeito

As estatísticas revelam que nas economias desenvolvidas decorre um processo incessante de criação e destruição de emprego. Este fenómeno, com espírito darwinista, é caracterizado pela busca do par perfeito entre trabalhadores e empresas, num processo de “tentativa e erro”. Através da criação e destruição de emprego que lhe está associada garante-se o crescimento da produtividade da economia. Os melhores pares trabalhador/empresa vão sobreviver e perdurar no tempo, os maus pares vão ser dissolvidos e substituídos por outros que, em média, serão mais produtivos.

A compreensão deste mecanismo de crescimento da produtividade é crucial para perceber que numa economia não existem nem “maus trabalhadores”, nem “más empresas”, existem sim pares trabalhador/empresa ineficientes. Nesta procura pelo “par perfeito” é importante reconhecer que nem os trabalhadores devem ficar presos a empregos de baixa qualidade face às suas características produtivas, nem as empresas devem ser obrigadas a perpetuar empregos pouco produtivos e que acabarão por pôr em causa a viabilidade de muitos outros empregos.

Este processo parece impiedoso e desumano, já que os trabalhadores são “abandonados à sua sorte no mercado de trabalho”. Nada mais errado. São estas características do funcionamento do mercado que permitem aos indivíduos equacionar de forma óptima os seus mais importantes investimentos no mercado de trabalho: educação e procura de novos empregos.

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Investimento no mercado de trabalho: Educação e rotação

Assim como o sucesso de uma empresa é função da qualidade dos seus investimentos, também o sucesso do indivíduo no mercado de trabalho depende da forma como investe, seja nas suas capacidades produtivas (através de educação e formação), seja na procura de um emprego que constitua uma eficiente utilização dessas capacidades.

A educação é, seguramente, o mais importante desses investimentos. Se o capital humano é o maior stock de capital produtivo de uma nação, a sua qualidade é função do grau de escolaridade do conjunto dos seus trabalhadores. O gráfico ilustra a forte relação que existe entre a escolaridade média e a riqueza de um país (medida pelo rendimento por pessoa). Mas se é óbvio que a escolaridade aumenta a produtividade do conjunto da sociedade, de um ponto de vista individual ela expande o leque de opções (de trabalho) que o trabalhador tem disponíveis, o que não é menos importante.

Portugal ocupa o último lugar da União Europeia no nível do mais importante investimento produtivo da sua força de trabalho. O descalabro produtivo (e social) em que se envolveu e envolve a sociedade portuguesa não é dissociável deste posicionamento. Se, por um lado, esta situação decorre das decisões privadas e individuais, por outro lado estas decisões são função dos incentivos recebidos através do mercado de trabalho. Em Portugal, estes incentivos não têm sinalizado adequadamente a necessidade de uma maior formação, condicionados que são pelas diferentes formas de regulação dos mercados do trabalho e do produto.

Outro importante investimento no mercado de trabalho é o da procura de novos (e melhores) empregos. Este investimento é preferencialmente realizado por indivíduos desempregados, se bem que também seja uma actividade empreendida por aqueles que já têm um emprego. Não tendo o efeito de aumentar as capacidades produtivas dos trabalhadores, a rotação entre empregos, dinamizada através de um eficaz esforço de procura, permite aos trabalhadores retirar o máximo proveito dessas capacidades, garantindo a sua rentabilização e evitando empregos para os quais estivessem sobre-qualificados.

Os dados revelam que os indivíduos investem activamente nesta procura do “par perfeito” ao longo da sua participação no mercado de trabalho. De início a rotação é muito intensa, sendo aí que se concentra a maior parte das mudanças de emprego e também dos ganhos salariais que estão associados a essas mudanças. Mais tarde, a rotação reduz-se até ao momento em que o indivíduo encontra o “par perfeito”. Este par é duradouro e trabalhador e empresa permanecem juntos por um período longo de tempo. Assim, apesar da rotatividade inicial, o emprego de longa duração é o mais típico emprego nas sociedades modernas. É importante reconhecer também aqui que a regulamentação do mercado de trabalho afecta estes investimentos, devendo ser elaborada de forma a não os distorcer.

 

Regulação do mercado de trabalho: vantagens e limites

Como qualquer outro mercado, o mercado de trabalho está também sujeito a falhas no seu funcionamento. A constatação dessas dificuldades levou a que fossem emergindo um conjunto de instituições com o objectivo de regular o seu funcionamento. Na prática, estas instituições interferem a diferentes níveis e nem sempre cumprem de forma desejável o propósito com que, a seu tempo, foram criadas.

As principais instituições do mercado de trabalho são: o salário mínimo, os sindicatos, a legislação de protecção ao emprego e as políticas activas e passivas do mercado de trabalho.

O acumular de vasta evidência científica permite, hoje em dia, ter plena consciência do impacto e da interacção destas instituições sobre o mercado de trabalho. Por exemplo, é comum referir-se o elevado grau de protecção de que gozam os empregos com contrato permanente na legislação portuguesa. Esta protecção, cuja origem na nossa ordem jurídica remonta, nalguns aspectos, ao período do Estado Novo, é justificada, já em pleno processo democrático, pela forma incipiente com que o sistema de protecção no desemprego foi criado. Se é verdade que em qualquer legislação do mercado de trabalho é desejável um certo grau de protecção ao emprego (ela de facto está presente, em maior ou menos grau, nos ordenamentos jurídicos de todos os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), não é menos verdade que nalguns casos estamos perante situações em que existe “demasiado de uma coisa boa”. Portugal é claramente um exemplo desta situação.

Este excesso de protecção tem impacto na taxa de criação de empregos, mais do que no nível de emprego da economia e, portanto, afecta o número de novas oportunidades de emprego. E, sem estas novas oportunidades de emprego, os indivíduos tomam decisões de investimento sub-óptimas, com especial destaque para a educação. A analogia com um mercado de produtos pouco competitivo é óbvia. Empresas monopolistas não só baixam os seus níveis de investimento, como também fazem baixar o de potenciais rivais. Da mesma forma, o grau de protecção existente no mercado de trabalho condiciona negativamente os investimentos em educação. Na presença de uma elevada protecção, os titulares não investem em mais formação e os pretendentes (jovens estudantes) em face das poucas oportunidades à sua disposição (e da futura protecção) baixam também o nível de investimento em educação.

Esta situação é agravada se tivermos em conta que o sistema de protecção no desemprego se foi tornando, de forma gradual, muito mais generoso e universal. As sucessivas reformas deste sistema aumentaram não só a duração das prestações, como também o montante dos seus benefícios. Na medida em que o subsídio diminui o custo do lazer, é natural que se observe uma redução no investimento feito na procura de emprego. Em Portugal, o resultado mais directo desta prática tem sido a elevada duração de desemprego, que é o factor mais relevante na avaliação dos custos de estar desempregado.

Numa economia com uma taxa de desemprego de 10 por cento e uma duração média do desemprego de 1 mês, os desempregados têm maior probabilidade de transitar para o emprego, do que numa sociedade com 5 por cento de desemprego e 12 meses de duração média do desemprego. De facto, nesta última, em média, um desempregado leva mais 11 meses a encontrar emprego do que na primeira. Não é muito difícil imaginar em qual destas economias qualquer indivíduo gostaria de participar. Em Portugal têm coexistido uma baixa taxa de desemprego e uma elevada duração do desemprego (ver Gráfico). Esta situação é o reflexo das imperfeições existentes no mercado de trabalho em Portugal e que a regulamentação existente tem vindo a agravar.

O mercado de trabalho foi descrito com todos os ingredientes que fazem dele a verdadeira fonte de sucesso das nações. Sem um mercado de trabalho que una eficientemente os méritos (investimentos) dos trabalhadores e das empresas não é possível garantir um processo continuado de crescimento da produtividade. Neste contexto, o desemprego que surge do processo de criação e destruição de empregos é um fenómeno caracterizado por uma “inevitabilidade desejável”. Isto será tanto mais verdade quanto os períodos de desemprego forem produtivos em termos de procura de empregos com melhor qualidade. O papel da regulamentação do mercado deverá ser sempre o de facilitar estes processos de transição, não alterando os incentivos e induzindo níveis adequados de investimento por parte de trabalhadores e empresas.

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* Mário Centeno

Doutor em Economia pela Harvard University – EUA. Desempenha funções de Director-Adjunto no Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal. Os seus interesses de investigação científica concentram-se no mercado de trabalho e na microeconometria, tendo, nessas áreas, publicações em revistas científicas internacionais.

 

** Álvaro Novo

Doutor em economia pela University of Illinois, Urbana-Champaign – EUA. Economista no Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal. Os seus interesses de investigação científica concentram-se no mercado de trabalho e na microeconometria, tendo, nessas áreas, publicações em revistas científicas internacionais.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
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Link em nova janela Taxa de desemprego e desemprego delonga duração

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