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As trajectórias de vida, ou os padrões de ciclos de vida, como mais comumente se designam, constituem um utensílio metodológico de grande potencialidade quando, para uma dada geração, pretendemos fazer a cronologia das tendências evolutivas mais marcantes ao longo dos diferentes escalões etários. Consideremos, por exemplo, a tendência para o envelhecimento demográfico e para o aumento das taxas de dependência que caracterizam nos nossos dias a maioria das sociedades ocidentais: o fim do baby boom do pós-Segunda Guerra Mundial, associado ao aumento progressivo da escolarização e do aumento da idade mínima de trabalho, contribuíram sucessivamente para alongar “à esquerda”, isto é, antes da entrada no mercado de trabalho, a fase de dependência em ciclo de vida; o estabelecimento da(s) idade(s) de reforma e, posteriormente, a prática insistente de reformas antecipadas em muitos sectores de actividade, a par da crescente longevidade das populações, induziram, por sua vez, um alongamento progressivo “à direita”, isto é, após a reforma da actividade, daquela taxa de dependência. A seguinte figura permite ilustrar, esquematicamente, tal evolução: Mas as condições de esgotamento do anterior modo de produção, aceleradas pelos desígnios da actual fase de globalização, têm feito com que as transformações dos ciclos de vida individuais se tenham vindo a acentuar e complexificar, para além do que aquela representação permite traduzir, por razões que entroncam em três eixos estruturantes de referência: • o comportamento da competitividade e o desfasamento relativo, face a este indicador, de certas regiões do globo: a Europa em perda de velocidade, em contraste nítido com os níveis que os EUA têm até agora registado, que o Japão conheceu durante duas décadas consecutivas e que as chamadas novas economias emergentes ameaçam ultrapassar de forma determinada e célere; • a heterogeneidade das oportunidades de criação de emprego e da qualidade do mesmo, situação que confronta igualmente as diversas regiões do globo, desigualmente dotadas em recursos humanos em idade activa, como nos mostra de forma bem elucidativa o quadro seguinte: • por fim, a qualificação média da mão-de-obra ao serviço e, consequentemente, os níveis de produtividade do trabalho e de competitividade, assim se fechando o círculo relativamente ao primeiro dos factores considerados. Ora, num mundo complexo, turbulento e imprevisível, em que os ciclos da inovação e da competitividade se tornam cada vez mais curtos, este terceiro eixo tem vindo a constituir-se em desígnio prioritário da política económica, sob a forma de Aprendizagem ao Longo da Vida (ALV), designadamente em fora como a Organização Internacional do Trabalho e a União Europeia, através da Estratégia Europeia para o Emprego. Vejamos como se complexificam, então, os ciclos de vida face às novas condições de aprendizagem, emprego e competitividade. ALV e novos padrões de ciclos de vida As debilidades e insuficiências em qualificação dos recursos humanos são habitualmente consideradas numa dupla perspectiva: a do fluxo de qualificados que, periodicamente, saem das instituições de educação formal, por tipo de cursos, nível de ensino, área de formação...; a da mão-de-obra ao serviço no mercado de trabalho, ocupada nos diferentes sectores e organizações e, tendencialmente, muito heterogénea quanto a idades, qualificações e competências. Facilmente se conclui que entre ambas as perspectivas se estabelece uma enorme interdependência funcional, já que quanto mais desactualizadas e rudimentares forem as qualificações da população ao serviço, mais se espera que essa insuficiência possa ser compensada pela formação adequada dos jovens que progressivamente se vão inserindo no mercado de trabalho. No entanto, estas interdependência e complementaridade, mesmo que bem sucedidas – o que está longe de se verificar necessariamente – não esgotam as necessidades de qualificação dos recursos humanos nem, portanto, o foco das intervenções das políticas de qualificação e aprendizagem. E assim sucede porque, por um lado, é necessário prover às condições de desenvolvimento sustentado e renovado das competências dos trabalhadores ao serviço, com tanto mais premência quanto maior o volume de reconversões sectoriais, inerente probabilidade de desemprego e, tendencialmente, o risco de exclusão social, sobretudo se em presença de sistemas de segurança social em falência. Mas, também, porque, por outro lado, muitos jovens saem das instituições do sistema educativo ou de formação inicial com níveis de aprendizagem muito baixos, protagonizando muitas vezes processos de abandono ou saída precoce da escola; e, ainda porque, mesmo quando detentores de um diploma de estudos de nível médio ou superior, não se encontram, frequentemente, apetrechados com as indispensáveis competências profissionais. De forma muito sintética, pode dizer-se que o núcleo do modelo de desenvolvimento dos recursos humanos comporta, nas sociedades dos nossos dias, a combinação e as sucessivas recomposições dos parâmetros escolaridade inicial, frequência de acções de formação profissional, aprendizagens em contextos de trabalho sucessivos, eventual retoma de programas de escolaridade previamente interrompidos ou redireccionamento para novas áreas de formação e, até, desgaste e obsolescência das competências detidas quando em períodos de desemprego e/ou inactividade. A projecção desta multiplicidade de efeitos sobre as condições de aprendizagem em ciclo de vida pode fazer-se, de forma estilizada, por recurso ao modelo inicialmente proposto por Weiss (1986) para a taxa de crescimento do stock de capital humano, dK / dt, cuja equação central assume a forma: dK / dt = K0hg1 ( Kt) – ∂g2 (Kt), em que K 0 traduz a escolaridade ou formação inicial, h as aprendizagens resultantes das experiências de trabalho nos sucessivos empregos ou ocupações, as quais se combinam, por sua vez, com os resultantes de novas aprendizagens formais, aqui representadas por g1 (Kt); aquela dinâmica de desenvolvimento de competências sofrerá, por outro lado, as consequências do desgaste que se fará sentir nos períodos de desemprego, segundo uma taxa de obsolescência (∂), a não ser que programas de formação, ou o eventual prosseguimento de estudos, intervenham para compensar parcialmente, através de g2 (Kt), aquele desgaste. Num contexto marcado pelas dificuldades de inserção laboral, pela precariedade e instabilidade do emprego e, portanto, pelo desemprego recorrente em ciclo de vida, aqueles processos de ALV implícitos na modelização de Weiss podem esquematizar-se através da figura seguinte: Ou seja, independentemente das formas e modalidades que venha a assumir, a ALV tende a acompanhar todas as fases das trajectórias individuais. No entanto, torna-se claro que se, do ponto de vista individual, o desenvolvimento de competências surge como uma estratégia de inserção laboral e mesmo de combate à exclusão, nos momentos de maior instabilidade laboral e precariedade de rendimento é difícil pô-la em prática. Veremos, então, como a imbricação da ALV na estrutura de interdependências discutida no início deste texto exige dos diferentes agentes (1) novas formas de interacção institucional.
Novas formas de regulação do mercado de trabalho Retomando o triângulo de forças inicial – competitividade, criação de emprego, qualificação – discutamos então o interesse dos outros intervenientes institucionais, designadamente as organizações empresariais e as políticas públicas, na promoção da ALV. Relativamente às empresas e outras instituições empregadoras, trata-se, desde logo, de adaptar às necessidades dos processos produtivos as qualificações dos jovens saídos do sistema escolar e de as desenvolver e formatar no sentido da “cultura da casa”. Mas também de promover a actualização e reconversão dos activos já ao serviço, segundo a dinâmica das inovações tecnológicas e organizacionais que vão sendo implementadas. A revisão da legislação laboral não deixa margem para grandes dúvidas a este respeito, como nos mostra a evolução das disposições sobre desajustamento técnico ou a abertura para a introdução de figuras contratuais que tendem a reduzir os prazos de vinculação aos ritmos da produtividade. Relembrando o modelo de Weiss, reflectiremos, no entanto, sobre a grande heterogeneidade de comportamentos empresariais que se nos deparam quanto a este aspecto, correndo-se o risco de, muito frequentemente, tanto o esforço de inovação como os valores de h (experiência e formação profissional) serem muito insuficientes. As consequências em termos de produtividade e, tendencialmente, de competitividade de comportamentos empresariais pautados pela pouca exigência em competências e insuficiente empenho na sua promoção decorrem logicamente. Se se estiver perante estratégias de desenvolvimento económico que articulem sistemicamente indicadores e metas de crescimento com objectivos e políticas de recursos humanos, os poderes públicos deverão intervir incentivando e assistindo tecnicamente os agentes económicos na promoção das estratégias de ALV mais adequadas ao modelo de desenvolvimento. Muitas vezes, não é essa a situação... Mas é nos períodos de desemprego e inactividade que mais se justifica a intervenção das políticas de aprendizagem. Com efeito, em tais momentos, que a instabilidade económica tende a tornar recorrentes durante os ciclos de vida, os indivíduos sofrem um duplo processo de perda de competências: porque deixam de as exercer e praticar, por vezes por longos períodos; porque perdem contacto com as inovações tecnológicas que o tecido empresarial vai entretanto incorporando. Se se tornam prementes as intervenções das políticas de emprego no sentido do apoio à reinserção, não o são menos as de promoção da ALV e das condições, também materiais, de acesso à mesma, sem cujos efeitos aquela corre o risco de não se efectivar. Do ponto de vista do Estado, a promoção da (re)inserção laboral e da aprendizagem intervêm num mesmo sentido, o de conciliar a diminuição da taxa de dependência (e inerente pressão sobre a Segurança Social) com os necessários aumentos de produtividade e competitividade. Os parceiros sociais, nos seus vários alinhamentos, não questionam o sentido de evolução daquela tendência coincidente. A grande questão, em discussão neste momento nas instâncias de decisão da Europa integrada e em muitos dos Estados-membros, tem sobretudo a ver com a melhor forma, ou modelo de regulação mais adequado para prosseguir tal desígnio, no qual as políticas de garantia de rendimento durante o desemprego constituem requisito indispensável. Como módulo nuclear de um tal modelo – se é que de solução única se trata – tem surgido a proposta de flexigurança, com origem nos países escandinavos e contando actualmente com tantos aderentes incondicionais quanto detractores irredutíveis. Não sendo oportuno neste contributo trazer mais achas para tal, não deixaremos, no entanto, de finalizar com dois ou três indicadores de caracterização daqueles Estados-membros do Norte da Europa, bem elucidativos da especificidade do contexto de emergência daquela proposta. O regime da flexigurança desenvolveu-se com especial incidência na Dinamarca, num ambiente de crescimento ímpar da produtividade sem grandes repercussões sobre o emprego (à excepção da Finlândia), de desregulamentação moderada dos mercados de trabalho (2), com base numa estratégia de desenvolvimento assente na terciarização e na difusão massiça das tecnologias da informação e da comunicação, estratégia essa servida por uma das mais elevadas taxas de inovação, mesmo nas PME, e, por fim, mas não em último lugar, pela implementação de modelos sustentados e consistentes de ALV, ao dispor de populações com doze anos de escolaridade média. Talvez estes dados nos ajudem a reflectir sobre os limites e riscos da importação mimética de modelos de regulação.1 - A literatura da especialidade tem vindo a propor a designação de stakeholder neste contexto, o que deixa claro a partilha implícita de interesses que os processos de ALV têm subjacente. 2 - Pascal Petit, em contributo recente, desenvolve este aspecto e caracteriza os países do “modelo escandinavo” como de flexibilidade moderada. * Margarida Chagas Lopes Licenciada em Economia. Docente no ISEG onde obteve o Doutoramento e a Agregação. Professora visitante no ISCTE e na Universidade Aberta. Membro do Grupo de Peritos do Observatório do Emprego e da Formação Profissional. Investiga e publica nas áreas de: Economia do Trabalho, Políticas de Emprego, Economia e Políticas da Educação e Estudos de Género. Referências bibliográficas LOPES, M. Chagas (2007, no prelo) – “Aprendizagem ao longo da vida e novas formas de gestão dos mercados de trabalho”. In Cadernos Sociedade e Trabalho. Lisboa: Ministério do Trabalho e Solidariedade Social; PETIT, P. (2006) – “Technological Change in a Plural Europe: Key Issues Regarding Employment”. In I. S. Lança & A. C. Valente (eds.) Technological Innovation and Employment – the Portuguese Case. Lisboa: Dinâmia; UN (2006), Trade on Human Terms; Asia – Pacific Human Development Report 2006, acessível online em: http://www.undprcc.lk/rdhr2006/G2235H835352H/P24314143234344343242 In O. Ashenfelter, & R. Layard, (eds.) – Handbook of labour economics. Amsterdão: North Holland. Dados adicionais Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas (clique nos links disponíveis) Aumento da taxa de dependência em ciclo de vida População activa (% da população com mais 15 e mais anos) Interdependência entre os planos da aprendizagem e do trabalho nos ciclos de vida individuais
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