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Esta afirmação pode parecer radical ou utópica, se considerarmos que as políticas migratórias continuam a pautar-se pela priorização da regulamentação dos fluxos. No entanto, reflectindo sobre as lições da História e a análise da dinâmica mais recente do fenómeno migratório, à luz das teorias sobre comércio internacional, desenvolvimento socioeconómico desigual e mercados de trabalho (1), podemos inferir que está em marcha um processo de liberalização das migrações, protagonizado pelos mais diversos actores: migrantes, empregadores, cientistas e até políticos.
O Homem é por natureza um animal migratório O aparecimento do Homem sobre a Terra e o surgimento das primeiras civilizações estão, indissociavelmente, ligados a movimentos migratórios em busca de sustento e de segurança. Quando as sociedades se complexificaram as migrações adquiriram novos contornos, por vezes de extrema violência, motivados pela procura das populações em satisfazerem as suas necessidades ou de buscar oportunidades que lhes permitissem melhorar as condições de vida. Na Antiguidade e nos Tempos Modernos, verificaram-se, também, migrações massivas forçadas associadas à prática da escravatura. Muitos outros exemplos poderiam ser citados, pois a História foi sendo construída por um perpétuo e contínuo movimento de migrações. Recordemos ainda que, com o advento da Revolução Industrial, a interrelação entre migrações e mercado de trabalho se tornou mais forte e evidente, na medida em que o trabalho passou a ser uma mercadoria sujeita à lei da oferta e da procura.
Contribum as migrações para o dumping social? Precisamente, neste âmbito, a perspectiva liberal da economia do mercado de trabalho defende que os salários devem resultar da relação oferta/procura, sendo este um dos principais argumentos utilizados pelos defensores das políticas de restrição às imigrações para os países desenvolvidos, como forma de prevenir o dumping salarial. Na realidade, os estudos sobre o mercado de trabalho nos países desenvolvidos que são receptores de imigrantes, demonstram a persistência de uma bipolarização do mercado de trabalho entre dois segmentos distintos, a saber, o dos good jobs e o dos bad jobs (2). Os primeiros, que se caracterizam por uma maior estabilidade de emprego, associada a melhores condições de trabalho e de remuneração, são preferencialmente ocupados por nacionais. Pelo contrário, é nos bad jobs , com relações de trabalho e remunerações instáveis, que se concentram os imigrantes. A título de exemplo, referimos o caso da França. Aí, em 2002, o Ministério do Plano (3) constatou que os imigrantes activos estavam concentrados na base da escala social, com taxas médias de desemprego 1,6 vezes superior à dos nacionais. Simultaneamente, no grupo dos trabalhadores com estudos superiores, as taxas de desemprego de imigrantes e nacionais eram de 16 e de 8%, respectivamente. Por outro lado, no que concerne o dumping social, há que não esquecer o aumento acelerado das deslocalizações, facto que constitui uma outra vertente do fenómeno das migrações relacionadas com as pressões do mercado do trabalho, desta vez do lado da procura de mão-de-obra mais barata ou mais qualificada. A aceleração das deslocalizações é uma consequência directa da liberalização dos fluxos de mercadorias, serviços e capitais e é facilitada pela difusão, a nível global, das novas tecnologias na área da comunicação, que favorecem, sobretudo, os sectores da prestação de serviços e o sector financeiro. Por sua vez, nos países de origem das deslocalizações, o aumento do desemprego e o insuficiente aumento de novos empregos conduzem ao aparecimento de fluxos emigratórios de trabalhadores qualificados. Também, a desagregação do bloco soviético e a crise económico-social e política que se lhe seguiu contribuíram decisivamente para o aumento dos fluxos migratórios de trabalhadores altamente qualificados (4). Consequentemente, podemos afirmar que está em desenvolvimento a mundialização do mercado de trabalho. Uma nova tendência: as migrações do capital humano Até bem recentemente, os estudos sobre migrações internacionais concentraram-se sobre os fluxos na direcção Sul-Norte, enquanto os fluxos Norte-Norte eram considerados como um mero fenómeno da mobilidade laboral. Mas a crescente mundialização do mercado de trabalho, em consequência dos factores acima enunciados e de outros tais como regimes de impostos, acesso a cuidados de saúde e a sistemas de educação de elevada qualidade, vieram alterar os dados do problema (5), passando a haver uma maior preocupação com o que se passou a chamar migração do capital humano. Em 2005, segundo o relatório da Organização Internacional para as Migrações (IOM) (6) a percentagem de trabalhadores qualificados e respectivas famílias cresceu significativamente durante a última década, representando mais de 50% do influxo total de imigrantes na Austrália, Canadá e Nova Zelândia e quase 1/3 no Reino Unido. A estes imigrantes haveria, ainda, que acrescentar os imigrantes qualificados admitidos com vistos de trabalho temporários e cujo volume é muito superior ao dos imigrantes qualificados admitidos com autorização de residência a longo prazo. Por exemplo no Reino Unido, em 2000, os trabalhadores qualificados com visto temporário eram o triplo dos admitidos a longo prazo. Ao contrário dos trabalhadores não qualificados, poucos são os trabalhadores qualificados em situação ilegal nos países de acolhimento. No entanto, nem todos entram directamente para ocupar um posto de trabalho. Com efeito, uma das formas de penetração nos mercados de trabalho dos países de acolhimento, que se tem vindo a desenvolver, é através da frequência do sistema de ensino. Em 1990 e em todo o mundo, 3,8% do número total de estudantes frequentavam cursos no estrangeiro (7). Muitos destes estudantes, sobretudo os doutorados, acabam ficando no país de acolhimento. Este fenómeno tem um impacto directo sobre o nível salarial dos trabalhadores altamente qualificados. Estima-se que um aumento de 10% da oferta de trabalhadores doutorados leva a um decréscimo dos respectivos salários médios entre 3 a 4% (8).
E em Portugal? Em Portugal, segundo a Organização Internacional do Trabalho (9) (OIT), no período 1995-2002, o influxo acumulado de trabalhadores imigrantes foi de 31.056, enquanto o fluxo acumulado de trabalhadores portugueses emigrantes foi de 208.136. Registou-se, portanto, um saldo migratório negativo correspondente a uma taxa de 85%, ou seja, por cada 100 trabalhadores portugueses que emigraram só houve 15 novos imigrantes que vieram trabalhar para Portugal. Deve precisar-se que estes dados se referem apenas aos trabalhadores a quem foi concedido o estatuto de residência. Consequentemente, não estão contabilizados os emigrantes portugueses com visto de trabalho temporário nem os trabalhadores imigrantes com autorização de permanência, com visto de trabalho temporário ou sem qualquer tipo de autorização legal para trabalhar em Portugal. No que concerne os trabalhadores imigrantes, segundo o SEF, de 2001 a 2004 foram concedidas 183.833 autorizações de permanência, 95% das quais nos anos 2001 e 2002. Comparando a repartição, por região de origem, dos imigrantes com autorização de permanência e com autorização de residência (10) (embora neste último grupo também estejam incluídos os respectivos familiares que não são trabalhadores) verificam-se algumas diferenças significativas (Gráfico 1). A primeira é que cidadãos provenientes de países da União Europeia representam 28% dos estrangeiros residentes, não estando naturalmente representados no grupo dos imigrantes com autorização de permanência. A segunda grande diferença é que os países africanos representam a maior fatia dos imigrantes residentes (47%), contribuindo apenas com 16% para as autorizações de permanência conferidas no período acima referenciado. Pelo contrário, 55% das autorizações de permanência tiveram como destinatários os cidadãos de países da Europa Central e Oriental, os quais só representam 4% das autorizações de residência. O perfil profissional dos trabalhadores imigrantes residentes pode ser perspectivado através da análise cruzada dos Gráficos 2 e 3. Desta análise podemos concluir que, apesar de continuarem a preponderar as ocupações pouco qualificadas, ou seja, os bad jobs , constata-se uma evolução no sentido de uma maior presença de trabalhadores qualificados. Relativamente à repartição por sexo desses trabalhadores, por grupo profissional, é de referir que 69% dos trabalhadores não qualificados, 71% do pessoal de serviços e vendedores e 66% do pessoal administrativo são do sexo feminino. De referir, ainda, que 47% dos especialistas das profissões intelectuais e científicas são, também, do sexo feminino. Estes dados comprovam o facto de, em 2004, 46% dos trabalhadores imigrantes, com estatuto de residentes, serem do sexo feminino (11). No caso dos trabalhadores imigrantes com estatuto de autorização de permanência, não encontrámos estatísticas oficiais que permitam estabelecer o respectivo perfil profissional. No entanto, se atendermos aos resultados de um estudo sobre os imigrantes do Leste europeu (12), podemos traçar o seguinte perfil socioprofissional: trabalhadores do sexo masculino e que, embora com elevadas qualificações académicas, estão em ocupações pouco qualificadas nos sectores da Construção Civil, Hotelaria, Restauração e Serviços a Empresas. Quanto aos emigrantes portugueses, a informação disponível (13) permite-nos estabelecer o seguinte diagnóstico: verifica-se uma tendência para o aumento da população emigrante com menos de 29 anos de idade, enquanto o ritmo de emigração da população mais velha tende a manter-se constante; a taxa de crescimento da emigração permanente é superior à da emigração temporária; na emigração permanente verifica-se uma quase paridade entre os dois sexos, enquanto a emigração temporária permanece essencialmente masculina; a emigração de trabalhadores qualificados tende a crescer mais do que a dos trabalhadores não qualificados.Informação Complementar Direitos humanos e trabalhadores migrantes O trabalhador migrante não é um produto do século XX. Homens e mulheres têm abandonado os seus países, em busca de trabalho noutros lugares, desde que existe o sistema do trabalho remunerado. Porém, hoje, a diferença está em que o número de trabalhadores migrantes é muito superior ao verificado em qualquer outro período da história da humanidade. Milhões de pessoas que ganham a vida – ou procuram um emprego remunerado – chegaram na qualidade de estrangeiros aos Estados onde residem. Não há nenhum continente ou região no mundo que não tenha o seu contingente de trabalhadores migrantes. Porque se emigra? A pobreza e a impossibilidade de ganhar ou produzir o suficiente para garantir a própria subsistência, ou a da família, são as principais razões da migração de trabalhadores. Estes factores não são específicos da migração dos países pobres para os países ricos; a pobreza também está na origem dos movimentos migratórios de países em desenvolvimento para aqueles onde as perspectivas de trabalho parecem ser melhores – pelo menos, à distância. Existem outras razões pelas quais se vai para o estrangeiro à procura de trabalho. A guerra, os conflitos internos, a insegurança ou a perseguição derivadas da discriminação por motivos de raça, origem étnica, cor, religião, língua ou opiniões políticas, são factores que contribuem para o fluxo migratório de trabalhadores. Série das Nações Unidas, n.º 24
Uma nova abordagem em construção: o co-desenvolvimento Os migrantes podem ser vectores fundamentais para o desenvolvimento, tanto nos países de origem como nos países de acolhimento. Mas para isso é necessário que: • Se integrem os migrantes no processo político de gestão dos fluxos migratórios; • Os países de origem e de acolhimento estabeleçam parcerias, em termos paritários, visando o aproveitamento mútuo dos benefícios das migrações.1 - TARAN, A. Patrick; GERONIMI, Eduardo – Globalization, Labour and Migration: Protection is Paramount – International Migration Programme, ILO, 2003, Geneva. 2 - FERREIRA, E. Sousa; RATO, Helena; MORTÁGUA, Maria João – Viagens de Ulisses, Efeitos da Imigração na Economia Portuguesa. Observatório da Imigração. Lisboa: ACIME, 2003. 3 - COMMISSARIAT GÉNÉRAL DU PLAN – Immigration, marché du travail, integration. Rapport du Séminaire, presidé par François HÉRAN. Paris, 2002 4 - VAVRECKOVÁ, Jana et al . – Skilled Labour Migration and the Need for Qualified Labour. In Risk of a Possible Brain Drain from the Czech Republic, projecto financiado pelo Ministério checo do Trabalho e Assuntos Sociais, Praga 2006. 5 - MAHOROUM, Sami – Highly Skilled Globetrotters: the international migration of human capital, DSTI/STP/TIP (99) 2 FINAL, Institute for Prospective Technological Studies, Joint Research Center of the European Commission, Sevilha, 1999. 6 - World Migration 2005: Costs and benefits of International Migration, IOM . 7 - MAHOROUM, Sami, idem. 8 - BORJAS, George J. – Immigration in High-Skill Labour Markets: the impact of foreign students on the earnings of doctorates, Harvard University, 2004. 9 - International Labour Migration Data Base (ILM), http://www.abetech.org/ilm 10 - SEF, Relatório Anual de 2005; os dados referem-se a 2004. 11 - SEF, idem. 12 - FERREIRA, E. Sousa; RATO, Helena; MORTÁGUA, Maria João – Novos Caminhos da Europa, A Imigração de Leste, Oeiras: Celta Editora, 2005. 13 - INE, Estatísticas – 2003; http://pt.altermedia.info/sociedade/a-nova-emigrao-portuguesa; http://www.teiaportuguesa.com/cinquentenarioemigraçaocresceu.htm * Helena Rato Licenciada em Economia pela Universidade Livre de Bruxelas. Mestre em Econometria. Doutora em Economia pela Universidade Técnica de Lisboa. Directora do Departamento de Investigação e de Desenvolvimento do Instituto Nacional de Administração, onde detém a categoria de Investigador Principal. Membro do Conselho Editorial da Galileu, Revista de Economia e Direito da Universidade Autónoma de Lisboa. Trabalhadores qualificados no volume total de emigração para alguns países (1991-2001) Origem dos trabalhadores imigrantes em Portugal, 2006 Grau de instrução dos trabalhadores imigrantes residentes Grupos profissionais dos trabalhadores imigrantes residentes
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