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Onde estou: | Janus 2008> Índice de artigos > O que está a mudar no trabalho humano > As relações de trabalho na empresa e o sindicalismo > [ O papel do neotaylorismo no início do século XXI ] | |||
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A rígida separação entre quem decide a concepção do trabalho e quem o executa, os incentivos materiais variáveis (do tipo salário à peça), o controlo dos níveis operacionais por chefias investidas de autoridade pelo poder hierárquico e a ausência de participação das bases operacionais na escolha dos modelos de organização ou na escolha da tecnologia a dever ser utilizada fazem do neotaylorismo uma realidade nos dias de hoje. A manutenção da polarização das qualificações é possibilitada por uma gestão tecnocentrada da tecnologia, que aposta em elites de concepção e na formalização do saber da máquina levado ao extremo, em detrimento das qualificações e da valorização da globalidade dos recursos humanos. Apesar de, como referiram Kern e Schumann, a própria valorização do capital depender da reintrodução da inteligência produtiva, a redução dos custos imediatos e directos, e a melhoria do controlo do processo produtivo continuam a constituir as principais preocupações da gestão de topo. Para além de ser alimentada pelo receio das hierarquias que objectivamente temem a perda dos poderes adquiridos, a estagnação dos modelos de organização do trabalho num estádio neotaylorista é possibilitada: • Pelas vicissitudes da internacionalização/globalização da economia que, em nome da competitividade, conduzem o tecido empresarial a escolher soluções de produção cuja preocupação dominante é a redução dos custos imediatos, e que por isso raramente consegue desenvolver uma humanização da organização e do trabalhador; • Pela evolução de um direito do trabalho que tende a transformar-se num “direito de empresa” (possibilitando a difusão dos contratos precários) e utilizando o recurso humano como um mero instrumento de produção; • Pelo distanciamento dos sindicatos da reorganização produtiva; • Pela presença de uma lógica de produção industrial no ensino. No que concerne à diversidade dos paradigmas organizacionais com peso na actualidade, alguns modelos, tais como os sistemas antropocêntricos na Europa ou a “lean-production” no Japão (embora esta não se possa dissociar totalmente da filosofia taylorista), são a prova evidente de que muitos teóricos e muitos técnicos da organização já se aperceberam da obsolescência funcional do sistema neo-taylorista. Contudo, por um lado a secular implantação deste sistema (nomeadamente nos EUA), e por outro a precariedade de certos mercados de trabalho (sobretudo em períodos de recessão económica como aquele que atravessamos de momento), ajudam sobremaneira a perpetuar esta visão deturpada do homem, da organização e do mundo em geral.
Taylorismo e capitalismo O neotaylorismo enquanto modelo de organização do trabalho vem negar a importância de um ser humano inteligente e participativo. Com efeito, a passagem tendencial da figura do operário para a figura do empregado de escritório ou dos serviços não conteve intrinsecamente nenhum pressuposto de valor acrescentado na execução de muitos trabalhos do sector terciário. Decididamente, as inevitáveis alterações quantitativas do emprego nos diversos sectores da economia não acarretam por si só a uma modificação na filosofia de base da utilização dos RH. Não obstante, provado foi que, mesmo dentro de um modelo económico capitalista, podemos chegar a formas de organização do trabalho mais evoluídas e, porventura, a um estádio de relações industriais mais desenvolvido, mais profícuo para as organizações, para os trabalhadores e para o desenvolvimento da economia em geral. O alargamento e enriquecimento de funções, a rotação de postos de trabalho, a criação dos grupos semi-autónomos e o trabalho em equipa foram prova disso a partir da década de 70. Contudo, para além da sua reduzida aplicação à escala ocidental, estes conceitos permanecem imbuídos da lógica capitalista do “dar mais para retirar mais”. Em última análise, poderíamos dizer que hoje o neotaylorismo constitui-se como o resultado natural da evolução de um meio de manipulação das ciências e das tecnologias (pseudoneutras) pelas forças políticas e económicas dominantes, tendo por objecto a legitimação de um modelo de relações laborais cada vez mais desequilibrado. A Organização Científica do Trabalho, o determinismo tecnológico e o modo de emprego das potencialidades das novas tecnologias de informação convergem para uma mesma linha “filosófica” no que respeita à questão da organização do trabalho, encobrindo a alienação do homem pela técnica e pela máquina, através das quais se continua a procurar formas de controlo social que assegurem a possibilidade da manutenção do grosso da produtividade e do lucro nas mãos de uma minoria dominante. Conceitos tayloristas como o do “homo economicus” ou da supervisão funcional foram-se gradualmente esbatendo, dando lugar a fórmulas híbridas (fruto da fusão das diversas teorias organizacionais, nomeadamente das teorias clássicas e da Escola das Relações Humanas). Contudo, nota-se também nesta evolução um carácter reformista que tem o propósito claro de manter um determinado tipo de relação de poder, que persiste na divisão entre as elites (que decidem e concebem) e os níveis operacionais (que genericamente confinam a sua actividade à execução). Por outro lado, como o próprio Taylor postulou em 1911, o taylorismo não consiste numa aplicação pontual deste ou daquele princípio, a Organização Científica do Trabalho tem que ser vista como um sistema que para perdurar não pode deixar que se apliquem só algumas parcelas ou variáveis deste sistema de uma forma isolada e não sistemática. Pode-se então admitir que, tal como o afirmava Braverman no final da década de 70, o neotaylorismo dá o nome a um tipo de modelo organizacional, mas muito mais que isso, representa um modo de encarar o mundo empresarial e a própria sociedade, constituindo-se assim como uma doutrina ou mesmo uma filosofia organizacional que se estende aos domínios político, económico e social, sendo por outro lado fruto deles mesmos.Informação Complementar Sistemas de ensino e modelos de organização do trabalho: A escola organiza-se de forma ousada e pretensamente científica, à imagem da fábrica e da sociedade hierarquizada, e prossegue fins rigorosamente pré-estabelecidos de forma a cumprir as exigências de um mundo mecanizado” (2). Apple alertava para o carácter sistemático e irreflectido com que no fim do século XX se continuava a transpor o modelo de organização industrial para a escola. De facto, enquanto nos diversos sectores de actividade (tanto no contexto do sector secundário como do terciário) se foram preconizando modelos de organização do trabalho baseados na distinção entre um pequeno núcleo responsável pela concepção e pelo controlo da produção, e um vasto nível operacional com tarefas meramente executivas, rotineiras e repetitivas, no capítulo do ensino foi-se concebendo “uma produção intelectual” que podemos apelidar de “tecnocrática”, determinada e reproduzida por critérios de ordem mecânica e não psicológica. Nos nossos dias, o aluno continua a exibir uma dedicação à escola muitas vezes viciada pela ameaça dos exames e pelo medo de não acatar normas e directivas que lhe podem valer o insucesso social e profissional. Tal e qual como acontece frequentemente nas organizações do trabalho neotayloristas, à semelhança dos trabalhadores operacionais, também é frequente os alunos desconhecerem o verdadeiro fim, a utilidade prática daquilo que aprendem, não percebendo na maioria das vezes a lógica de aprendizagem à qual são submetidos. No início da década de 60 o ensino repetitivo e fragmentário de métodos e técnicas muito específicas era já visto como desfavorável à verdadeira compreensão de matérias mais complexas. Nos sistemas de ensino de hoje, regra geral, faltas, atrasos, incompreensão da matéria ou trabalhos não entregues a tempo são automaticamente sancionados. “Recusa-se deliberadamente a confiança nos alunos, antes procura-se infantilizá-los”, tal e qual fazia Taylor com os seus operários. Desenvolve-se assim a “forma escolar” escolhida pelas sociedades industriais. Esta não deve ser encarada como determinista, mas antes como uma configuração histórica particular moldada e concebida por agentes sociais interessados na sua perpetuação. A forma escolar vigente existe pois “como uma organização da educação caracterizada pela constituição de um universo separado para as crianças, com regras de aprendizagem, com uma organização racional do tempo, com a repetição de exercícios sempre dentro da lógica das mesmas regras.” Ora, se organizarmos o ensino fornecendo aos estudantes a instrução necessária para que eles atinjam um resultado pré-fixado, estamos a contribuir para a degradação daquilo que deveria ser uma tarefa de pesquisa transformando-a numa tarefa de produção. Por outro lado, uma vez que não prepara as pessoas para a generalidade, para a criatividade e para a resolução dos problemas não estruturados, o tipo de ensino protagonizado pelas escolas ocidentais não está em conformidade com as necessidades expressas por uma Sociedade do Conhecimento que requer a formação/promoção de cidadãos e de trabalhadores tendencialmente mais pensantes e comportamentalmente mais flexíveis. Contrariando muitas das mais recentes teorias de gestão e de organização que insistem na necessidade de se fazer um esforço de adaptação à velocidade exponencial de mudança que se vive no mundo moderno, os sistemas de ensino (apesar de em teoria existirem já inúmeros modelos que incitam à democratização e à participação nas estruturas de ensino) persistem em perpetuar modelos de educação que privilegiam a repetição de respostas, em detrimento de um sistema em que se levantem questões com um carácter de novidade que possam potenciar o desenvolvimento da criatividade, da cooperação, do pensamento divergente, da inovação e de uma “inteligência viva”. O principal papel da escola continua a ser então o de preparar o sucesso individual. Ela transmite os princípios da competição, da selecção e da hierarquia. Desta forma, apresenta muitas semelhanças com as organizações industriais/empresariais mecanizadas, hierarquizadas e fragmentadas. Ainda que não existam muitos autores que comparem modelos de ensino e modelos de organização do trabalho, talvez pelo receio de caírem em análises minadas pela imprecisão, facto é que, tal como no mundo organizacional, onde existe uma enorme interdependência entre o sistema técnico e o sistema social, também nas escolas existe esta mesma interdependência entre a estrutura das várias disciplinas (o seu entrosamento) e o sistema social (ver figura I). Não obstante, tal como na empresa taylorista, nas escolas persiste-se no ensino específico e isolado de cada matéria, evitando-se assim a aprendizagem interdisciplinar e a cooperação entre professores, e entre alunos e professores. A predominância das estruturas de tarefas fechadas e minuciosamente preparadas, e a segmentação exacerbada das diferentes disciplinas existentes em nada contribui para que se manifeste uma democratização de processos na escola e, por conseguinte, na organização do trabalho. Com efeito, a interacção entre as estruturas das tarefas escolares e o sistema social (ver figura I) continua sem se fazer de forma “natural”. Senão vejamos: - Os processos de ensino resultantes dum tipo de estruturas fechadas inibem as aptidões de pesquisa. Isto reflecte-se na vida activa, onde poucos são os que procuram novas respostas; - As tarefas escolares pré-programadas e os exames individuais inibem o sentimento cooperativo, o que dificulta que este venha a ser aceite e compreendido pela pessoa no presente e no futuro; - Os programas de estudo tendem a ser estáticos, enquanto novos problemas e novos conhecimentos surgem num ritmo exponencial fora do meio escolar; - A estrutura de tarefas fechada dificulta a criação de projectos interdisciplinares e o tratamento de problemas e de situações espontâneos que apareçam dentro ou fora da escola. A caracterização de um processo de aprendizagem deste tipo produzirá uma massa de futuros trabalhadores obedientes mas acríticos. Como o demonstraram as supracitadas experiências de Blichfeldt, só a diversificação dos problemas a nível académico e a liberdade de pesquisa concedida aos alunos poderão levar a mudanças na aprendizagem que consequentemente contribuirão para uma abertura na sociedade e nos modelos de organização do trabalho.1 - Como foram os casos das experiências da Volvo nas fábricas de Kalmar, Torslanda e Uddevale levadas a cabo durante as décadas de 70 e 80, que romperam com a prática dos “prémios de produtividade” como forma de focalizarem a atenção dos trabalhadores no factor qualidade em detrimento do factor quantidade. 2 - MACHADO, Fernando Augusto (1995). Do perfil dos tempos ao perfil da escola, Colecção Perspectivas actuais/Educação. Rio Tinto: Edições Asa, p-32.* César Madureira Mestre em Sociologia Organizacional. Doutor em Gestão de Recursos Humanos, Investigador do Instituto Nacional de Administração (INA). Professor Auxiliar da Universidade Lusíada de Lisboa. Estrutura das tarefas e sistema social
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