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- JANUS 2008 -



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A internacionalização dos sindicatos: os actores e as práticas

Hermes Costa *

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No célebre Manifesto do Partido Comunista (1848), Marx e Engels afirmavam que numa revolução comunista “os proletários nada têm a perder, a não ser as suas grilhetas. Têm um mundo a ganhar. Proletários de todos os países, uni-vos!”. Por seu lado, no final do século XX, Lane Kirkland (presidente da central sindical americana AFL-CIO entre 1979-1995), afirmava: “não podes ser um sindicalista a menos que sejas um internacionalista. Não podes ser um verdadeiro sindicalista a menos que tenhas consciência que as condições de pobreza em qualquer parte do mundo constituem uma ameaça às boas condições e aos bons padrões em qualquer parte do mundo”.

Proferidas com 150 anos de intervalo, em quadrantes geográficos distintos e apoiadas em referenciais ideológicos não propriamente coincidentes, aquelas afirmações convergiam, no entanto, para uma das ambições fundadoras do sindicalismo: a ambição de internacionalização. De par com as ambições de emancipação da classe operária e de homogeneização do proletariado, a internacionalização dos sindicatos emergiu no século XIX e chegou ao século XXI sem ter podido cantar a vitória que pretendia.

 

Da internacionalização dos actores...

Os actores sindicais podem organizar-se transnacionalmente nos planos mundial, regional, sectorial e de empresa (Caire, 2000: 22-24). No plano confederal mundial , o destaque vai, nos últimos 50 anos, para a Federação Sindical Mundial (FSM), criada em 1945, e para a Confederação Internacional dos Sindicatos Livres (CISL), criada em 1949. A FSM construiu a sua identidade em torno da defesa das realizações económicas e sociais dos países socialistas, do apoio às lutas dos trabalhadores dos países colonizados e em vias de desenvolvimento, e da luta pela paz e contra o imperialismo. Por seu lado, a CISL reunia a maior parte dos sindicatos não alinhados com o Bloco de Leste: desde formas de sindicalismo reformista (de tipo socialista, social-democrata e trabalhista) a formas de sindicalismo corporativo gompersista (ligadas a Samuel Gompers, dirigente da American Federation of Labor ), estreitamente associadas ao departamento de Estado americano. Em bom rigor, FSM e CISL foram protagonistas formais da Guerra Fria no universo sindical. O esvaziamento progressivo da FSM em resultado do fim da Guerra Fria reforçaria o peso da CISL enquanto maior estrutura sindical mundial. Entretanto, a dissolução da CISL e da Confederação Mundial do Trabalho (de orientação católica e durante décadas “terceira via” entre a FSM e a CISL) levou (em Novembro de 2006) à constituição da Confederação Sindical Internacional (CSI), representando 168 milhões de trabalhadores e 305 organizações filiadas de 153 países e territórios (ITUC, 2007).

No plano regional , embora existam organizações por continente, o maior realce vai para a Confederação Europeia de Sindicatos (CES). Criada em 1973 como corolário do processo de construção europeia, é a maior organização europeia com cerca de 60 milhões de trabalhadores filiados, repartidos entre 81 confederações sindicais nacionais e 12 federações sindicais europeias (ETUC, 2007). Nas duas últimas décadas, a CES ampliou e diversificou a sua composição interna. Com a queda do Bloco de Leste, passou a acolher no seu seio organizações sindicais de tradição comunista. Por outro lado, e como corolário quer do processo anterior, quer do alargamento da UE, a CES passou a contar com mais organizações sindicais de novos países membros. Trata-se, por certo, da única organização sindical transnacional que abarca as várias correntes ideológicas de sindicalismo: socialistas “livres”, cristãos e ex-comunistas.

O plano sectorial é animado pelas Federações Sindicais Globais, FSGs (ex-Secretariados Profissionais Internacionais). Trata-se de organizações sindicais que representam mundialmente trabalhadores por sector de actividade. A International Transportworkers Federation (ITF), constituída em 1896, é uma das FSGs de maior dinamismo nos dias de hoje, manifestando solidariedade com sindicatos e federações sindicais de âmbito local, nacional e internacional. Registe-se, além disso, o importante papel que as FSGs podem desempenhar na negociação de acordos com as empresas multinacionais (acordos-quadro globais) com o propósito de fazer respeitar os direitos laborais nessas empresas.

Por fim, para o plano empresarial muito contribuem os Conselhos de Empresa Europeus. Constituídos em resultado da Directiva 94/45/CE (de 22.09.1994), visam melhorar o direito à informação e consulta dos trabalhadores nas empresas/grupos de empresas de dimensão comunitária. Entretanto, em empresas mais receptivas a uma cultura de “parceria social” (como a Danone, a Volkswagen, a SKF, a DaimlerChrysler ou a Renault) foram mesmo constituídos Conselhos de Empresa Mundiais.

Importa dizer que estes planos se complementam mutuamente. Por exemplo, uma Federação Sindical Global actua quer no plano sectorial, quer internacional e fá-lo tentando resolver problemas denunciados a partir de sindicatos nacionais e locais.

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... à internacionalização das práticas

Mais do que falar em internacionalização de actores, importa falar em internacionalização de práticas. Estas conhecem, porém, vários obstáculos: excessiva ênfase na “agenda nacional”, considerada prioritária na determinação de salários, regimes jurídicos ou condições de trabalho; baixa percentagem (em torno dos 15%) da força de trabalho mundial com ligações directas à economia política global; escassez de recursos financeiros de suporte às acções internacionais; competição entre organizações sindicais do Norte e do Sul; défice de instituições de regulação política global que, como a OIT, salvaguardem os interesses laborais, etc.

É através de redes sindicais internacionais, da intervenção crítica em debates de alcance global ou de processos de mobilização transnacional que se superam obstáculos e vislumbram iniciativas concretas de internacionalização sindical. A Rede SIGTUR ( Southern Initiative on Globalisation and Trade Union Rights ) – que agrupa sindicatos de países do Sul (entendido o Sul política e não geograficamente), como a Austrália, África do Sul, Índia, Paquistão, Sri Lanka, Indonésia, Malásia, Coreia, Brasil, etc. – baseia-se nas tecnologias do ciberespaço e as organizações sindicais que a compõem estão ligadas pela Internet . Na segunda metade da década passada, a adopção de práticas anti-sindicais e anti-ambientais por uma das maiores empresas de mineração do mundo, a Rio Tinto, motivou uma campanha em que a SIGTUR se comprometeu com o programa da Federação Internacional da Química, Energia e Mineração no sentido de combater tais práticas.

Por sua vez, debates transnacionais como o debate sobre os padrões internacionais de trabalho e o debate do milénio abrem espaços de luta concreta por parte das estruturas sindicais. O primeiro debate prende-se com a pressão em torno da inclusão de uma “cláusula social” na Organização Mundial do Comércio. Porém, não existe conformidade entre o Norte e o Sul quanto a esta questão, facto que é extensível ao próprio movimento sindical. Os defensores (essencialmente do mundo desenvolvido) tendem a apoiar uma articulação entre padrões internacionais de trabalho e liberalização do comércio internacional, vendo na cláusula social um mecanismo para eliminar o dumping social, criar competição mais justa entre os próprios países em desenvolvimento, proporcionar mais direitos e melhores condições de vida aos trabalhadores, etc. Os opositores (sobretudo do mundo em desenvolvimento) consideram que a aplicação de padrões universais de trabalho nos países mais pobres levaria à destruição das capacidades desses países para competirem nos mercados mundiais e, por consequência, a um aumento do desemprego, a uma quebra nos padrões de vida e a um travão no desenvolvimento. Por outro lado, na viragem para o século XXI (e por iniciativa da CISL e da OIT), o chamado debate do milénio lançou o desafio da construção de um movimento sindical internacional mais unificado e homogéneo, dotado de poder de negociação com as empresas multinacionais e as instituições internacionais. Apesar de persistir excesso de “Norte” e escassez de “Sul” nos lugares de direcção das organizações sindicais internacionais, atestado pela relação desequilibrada entre brancos e negros, homens e mulheres ou entre anglo--saxónicos e os que não o são, a recente constituição da CSI terá um importante papel a desempenhar para conferir uma maior efectividade a este debate.

Por fim, algumas mobilizações de âmbito transnacional devem ser referenciadas:

i) a greve europeia da Renault, em 1997, em resultado do anúncio do fecho da fábrica belga de Vilvoorde. Apesar do encerramento, o “caso Vilvoorde” reforçou a necessidade de criar formas de contrapoder sindical nas multinacionais, alertando estas para a necessidade de consultarem e informarem a priori os Conselhos de Empresa Europeus das empresas em fase de reestruturação e susceptíveis de reduzir significativamente o número de trabalhadores. Duas decisões do tribunal de Versailles (de Maio de 1997) apelaram justamente nesse sentido.

ii) a mobilização contra a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), desencadeada no hemifério americano desde que, em Dezembro de 1994, a administração Clinton se propôs criar, até 2005, uma ampla zona de livre comércio no hemisfério americano, do Alasca à Terra do Fogo. Para o não sucesso da ALCA muito contribuíram as organizações sindicais, ainda que as múltiplas campanhas contra a ALCA tenham contado com o envolvimento amplo da sociedade civil, através da formação de uma Aliança Social Continental.

iii) a campanha despoletada em 2005 e 2006 contra a proposta de Directiva Bolkestein que, visando a criação de um mercado único de serviços na UE, incorporava o “princípio do país de origem” que instigava a formas de concorrência desleal entre trabalhadores. Assim, uma empresa de um Estado-membro da UE poderia prestar um serviço noutro Estado-membro, mas continuando a reger-se pelas normas laborais do seu país de origem. Esta campanha, liderada pela Confederação Europeia de Sindicatos e apoiada pelas organizações suas filiadas, teve como desfecho a aprovação (Novembro de 2006) de um texto final de Directiva já sem o referido princípio.

iv) os protestos (greves por turnos, campanhas de sensibilização na Internet, info meetings , plenários de trabalhadores, etc.) realizados em Junho e Julho de 2006 nas várias fábricas da General Motors-Europa contra a decisão da GM encerrar a fábrica portuguesa da Azambuja. Apesar de a “morte anunciada” se ter consumado em Dezembro de 2006, foram evidentes as acções de solidariedade dos trabalhadores da GM, ao ponto de os trabalhadores alemães terem mesmo accionado um fundo de greve em favor dos trabalhadores portugueses. Não colocar a força de trabalho da GM contra si mesma, apostando numa estratégia de “partilhar a dor”, foi talvez a “conquista” mais meritória dos protestos, inclusive não negligenciada pelos trabalhadores portugueses afectados.

Apesar de pouco frequentes e por vezes com resultados apenas simbólicos, as práticas sindicais transnacionais coordenadas constituem uma chamada de atenção para a urgência em conferir aos processos de normatividade laboral internacional um carácter vinculativo, que imponha comportamentos eticamente responsáveis a quem os não adopte ou desrespeite. Este é, por sinal, um passo crucial para uma internacionalização mais efectiva das práticas sindicais.

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* Hermes Costa

Sociólogo. Professor Auxiliar da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e investigador do Centro de Estudos Sociais (membro do Núcleo de Estudos do Trabalho e Sindicalismo). Tem publicados vários artigos e livros sobre as relações laborais e o sindicalismo numa perspectiva transnacional, bem como sobre Conselhos de Empresa Europeus.

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Referências bibliográficas

CAIRE, G. (2000) – “Syndicalisme ouvrier et mondialisation”. In Fouquet, A. ; Rehfeldt, U. e Le Roux, S. (orgs.) – Le syndicalisme dans la mondialisation. Paris: Éditions de l'Atelier, 21-30.

COSTA, Hermes A. (2005) – Sindicalismo global ou metáfora adiada? Os discursos e as práticas transnacionais da CGTP e da CUT (Tese de Doutoramento em Sociologia). Coimbra: Faculdade de Economia, 854 pp.

ETUC (2007) – “Our members” (http://www.etuc.org).

ICFTU (2004) – A trade union guide to globalisation (http://www.icftu.org/pubs/globalisation/globguide.html).

ITUC (2007) – “ITUC List of Affiliates” (http://www.ituc-csi.org/spip.php?rubrique140).

WEBSTER, E.; LAMBERT, R. (2004) – “Emancipação social e novo internacionalismo operário: uma perspectiva do Sul”. In Santos, B. S. (org.) – Trabalhar o mundo: os caminhos do novo internacionalismo operário. Porto: Afrontamento, 65-111.

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