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Dinâmicas de prevenção de conflitos

João Marcelo Dalla Costa* e Leonardo Paz Neves **

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Prevenção de Conflitos pode ser entendida como uma gama de medidas, iniciativas ou até mesmo políticas que visam evitar a eclosão de um conflito violento. A grande dificuldade de tratar o tema da prevenção de conflitos pode ser atestada pela multiplicidade de meios que vão desde a simples diplomacia preventiva até a prevenção estrutural abrangente que trata das causas profundas dos conflitos. Uma abordagem bem estruturada, entretanto, deve levar em conta os atores envolvidos, suas ambições e o que é disputado. Também deve-se levar em conta se o conflito ocorre em âmbito local, regional ou global. Ainda, pode olhar a questão se a prevenção é transversal, o que significa passar por todas essas esferas. Finalmente, pode-se examinar a prevenção do ponto de vista de seus métodos ou mecanismos, civis, militares ou ambos: quais são os mais apropriados para tratar com o conflito em questão, como preveni-lo em sua fase germinal e como geri-lo em caso de eclosão.

Uma ideia prática de tratar o tema da prevenção de conflitos é a partir de algum caso concreto. Após observar suas particularidades, podemos analisar alguns mecanismos que são utilizados e testar sua eficácia. Um bom exemplo para esse tipo de análise é a crise que ocorreu na região andina entre Colômbia e Equador em Março de 2008.

No dia 1.º de Março, tropas do exército colombiano invadiram o território do Equador para atacar uma base das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).
O saldo desta incursão foi de vinte e quatro guerrilheiros mortos, entre eles um dos líderes conhecido como Raul Reyes. Esta ação militar não contou com a autorização do governo equatoriano, que julgou ter tido a sua soberania violada, já que, após o ataque, tropas colombianas ainda cruzaram a fronteira para purar os resultados do ataque-bombardeio.

Os momentos seguintes foram caracterizados por uma rápida escalada de ânimos entre os presidentes da Colômbia e do Equador, que trocaram acusações.
O ambiente ainda ficou mais tenso com a participação do presidente venezuelano que tomou posição ao lado do presidente equatoriano e, por vezes, foi ainda mais incisivo sobre a invasão. O ápice do episódio foi a decisão do governo venezuelano e equatoriano em posicionar suas tropas nas suas respectivas fronteiras com a Colômbia.

A tensão, no entanto, começou a diminuir em sua intensidade com a intervenção das outras partes nas negociações. Já no dia seguinte ao ataque, o presidente do Equador, Rafael Correa, solicitou a convocação imediata do Conselho Permanente da Organização dos Estados Americanos (OEA), para mediar à contenda. Desta forma, começaram a ser dado passos na direção de uma solução pacifica de controvérsias, norma que os países da região têm frequentemente evocado quando surgem conflitos entre seus Estados.

Em duas sessões e mesmo que não satisfizesse plenamente todas as partes, o Conselho Permanente da OEA logrou êxito em aprovar de uma resolução que confirmava a violação da soberania do Equador por parte da Colômbia, sem, no entanto, censurar ou punir o governo colombiano por essa falta.

Mas a questão foi resolvida, decididamente, poucos dias depois na Reunião do Grupo do Rio. Nessa ocasião, houve um pedido público de desculpas do presidente colombiano e todos os mandatários envolvidos selaram o fim das hostilidades com apertos de mãos.

Este episódio permite-nos observar um grande conjunto de mecanismos e métodos para a prevenção de conflitos armados. Nesse caso, podemos notar que os Estados envolvidos são membros de regimes regionais de segurança vigentes no âmbito das organizações regionais das quais fazem parte: a Organização dos Estados Americanos (OEA e Comunidade Andina de Nações (CAN). Para fazer parte dessas organizações, um país deve estar de acordo com um código de conduta, como o compromisso de solucionar pacificamente suas controvérsias. Os Estados, através, principalmente, das organizações regionais de que fazem parte, implementam sistemas de segurança cooperativa e coordenada para definir políticas e normas visando prevenir e, porventura, mitigar as raízes de um possível conflito na região. O Conselho Permanente da OEA e os foros regionais são frutos desses sistemas.

A construção de confiança mútua também é um dos mecanismos mais desenvolvidos na região sul-americana. Quase a totalidade dos Estados da região tem ratificado os principais tratados internacionais de segurança e tem declarado seu integral apoio aos princípios democráticos que viabilizam melhores canais de negociação.

Finalmente, o principal mecanismo presente no exemplo citado foi a diplomacia preventiva. A utilização desse mecanismo permitiu que diversos países da região atuassem de forma conjunta para mitigar as bases da tensão e ofereceram soluções para a contenda. A participação de terceiros permite que as negociações ganhem legitimidade internacional e funciona como um instrumento de pressão para que as partes envolvidas cedam em alguns pontos permitindo que uma solução seja atingida.

Não somente os acordos bilaterais mas principalmente os mecanismos regionais de segurança (MRS) são fundamentais para prevenir o aparecimento de conflitos através da criação de confiança mútua entre os Estados. Em casos de mecanismos mais avançados (como a Política Externa e de Segurança Comum e a Política Europeia de Segurança e Defesa – PESC/PESD) também são importantes na rápida detecção de situações de grandes riscos, com o objetivo de estabilizar a região através da prevenção de conflitos e da intervenção humanitária (sob mandato explícito do Conselho de Segurança das Nações Unidas – CSNU). Em caso de intervenção humanitária, a utilização dos MRS acelera o processo de tomada de decisão e de ação, diminuindo os custos de transação e aumentando as chances de sucesso. A rápida ação dos MRS diminui o sofrimento da população local e aumenta a eficácia das Missões de Paz, que passam a contar com o comprometimento dos MRS, que dependem do sucesso da missão para a criação de um ambiente de paz sustentável, em suas respectivas regiões.

Para exemplificar melhor o que estamos discutindo apresentaremos alguns
dos conceitos mais importantes para o debate em torno dos mecanismos regionais de segurança (MRS).

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Segurança cooperativa, coordenada e coletiva

A ideia básica da segurança cooperativa significa que os Estados de uma dada
região decidem cooperar para a manutenção da segurança. Primeiramente, devem estar de acordo com um conjunto de normas de conduta. Em seguida, buscam desenvolver o hábito de dialogar para mostrar que suas ações estejam de acordo com essas normas (com o intuito de diminuir as más interpretações que podem levar a tensões – como, por exemplo, a conferência hemisférica da OEA).

A segurança coordenada implica que os Estados irão coordenar suas políticas de segurança para alcançar objetivos previamente acordados (por exemplo, a Guerra ao Iraque). Já a segurança coletiva implica que um grupo de Estados, tendo identificado uma ameaça, coordenam seus recursos para prevenir que o ataque a um dos membros do concerto significa o ataque a todos (por exemplo, a OTAN e o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca – TIAR).

 

Segurança cooperativa é uma abordagem que implica na cooperação informal e no diálogo entre os Estados da região, no desenvolvimento e implementação de um conjunto de princípios de conduta de comum acordo.

A segurança coordenada implica que os Estados irão coordenar suas políticas de segurança para alcançar objetivos previamente acordados.

A segurança coletiva implica que um grupo de Estados, após identificar uma ameaça, coordene seus recursos para mitigar esta ameaça, comprometendo-se a não atacar uns aos outros e defendendo-se mutuamente.

 

Regimes regionais de segurança

Não existe um padrão específico para os regimes regionais de segurança. Cada região desenvolve seus mecanismos próprios de acordo com sua história e necessidades. Os regimes de segurança não garantem que as diferenças entre as nações de uma determinada região sejam abandonadas e/ou resolvidas, ainda que gradualmente. O objetivo é que os Estados de uma região estabeleçam um conjunto de normas com o intuito de resolver as questões entre eles de modo que nenhum Estado recorra à violência para solucionar determinado conflito.

A essência dos regimes regionais de segurança não é a dissipação das diferenças entre os Estados mas sim a tentativa do desenvolvimento de um ambiente que reconheça a inevitabilidade da persistência das diferenças sem que elas saiam do controle e terminem na deflagração de um conflito. Assim, os regimes de segurança buscam mostrar aos Estados que a ocorrência de instabilidade e guerra acabe por causar prejuízos a todos os Estados da região. Dessa forma, diferentemente da segurança cooperativa, os regimes de segurança regionais buscam, em última instância, a criação de consenso sobre as questões fundamentais que afetam os Estados envolvidos.

 

Não existe um padrão ÚNICO de desenvolvimento para os regimes de segurança regionais.

O principal ponto é a adoção de um grupo de normas de comum acordo em uma determinada região que melhor expresse as tradições e desejos locais.

A criação de tais regimes não garante o fim do conflito mas significa um desejo de lidar com as diferenças, criando mecanismos que oferecem alternativas ao conflito.

Os regimes regionais de segurança devem ser inclusivos, ou seja, não devem excluir automaticamente nenhum ator que deseja participar e submeter-se as normas acordadas, mesmo que seus pontos de vista não sejam unanimidade.

 

Construção de confiança mútua

Através da construção de confiança mútua, busca-se criar um ambiente regional/internacional mais estável e seguro. Podemos destacar a importância de desenvolver um conjunto de princípios básicos a fim de garantir um entendimento comum e uma abordagem para as relações inter-estatais na região. Ademais, percebemos a necessidade de se considerar abordagens abrangentes da segurança regional.

Entre os aspectos principais desse mecanismo podemos citar: a promoção de medidas que reforcem a confiança mútua (principalmente a transparência nos assuntos militares); o desenvolvimento de mecanismos de diplomacia preventiva; o desenvolvimento de mecanismos de resolução de conflitos.

Desejamos destacar a importância da transparência nas políticas de defesa
e o aumento do diálogo entre as autoridades de defesa para elevar os níveis de entendimento e criação de confiança.

Neste sentido, devemos perceber que os períodos de rápido crescimento econômico são geralmente acompanhados por mudanças significativas nas relações de poder. Tal fato pode levar ao recrudescimento das relações e pode resultar no ressurgimento de antigas rivalidades. Uma das dificuldades de implantar outros mecanismos são as diversidades existentes em países de uma mesma região. A construção de confiança mútua é uma tentativa de arrefecer as possíveis tensões que as diferenças podem trazer. Deve-se reconhecer
e aceitar as diferentes abordagens para a paz e segurança existentes e tentar atingir uma visão compartilhada dos assuntos de segurança.

Como exemplos bem sucedidos de construção de confiança mútua podemos citar: participação nos programas de registro de armas convencionais das Nações
Unidas, publicação de livros brancos de defesa e a implementação de exercícios militares conjuntos.

 

Diplomacia preventiva

A finalidade da diplomacia preventiva é de aliviar as tensões antes que elas escalem e se transformem em crises. A diplomacia preventiva busca atuar com rapidez para conter crises e mitigar as origens de suas tensões. A diplomacia preventiva pode ser utilizada por diversos atores: as Nações Unidas, as organizações regionais, os Estados com seus governos democráticos e as Organizações da Sociedade Civil (OSC). Cada um dos atores possui peculiaridades que lhe garantem vantagens comparativas a fim de cumprir papel legitimado pelas partes em conflito.

Podemos observar que a diplomacia preventiva tem como objetivos: prevenir o surgimento de disputas e conflitos entre Estados; evitar que tais disputas/conflitos escalem para confrontações armadas; e prevenir que tais disputas e conflitos se disseminem. As medidas incluem: o não uso da força nas relações inter-estatais; solução pacífica de disputas; não interferência nos assuntos internos dos Estados; flexibilidade e consenso nas questões discutidas; acomodação de interesses conflitantes e consultas mútuas.

A diplomacia preventiva deve ambicionar o diálogo, o entendimento e a confiança mútua para melhorar a cooperação e promover a paz, a estabilidade e a prosperidade na região. Além do diálogo e do entendimento mutuo, a diplomacia preventiva deve cumprir sua função de atuar para que a prevenção seja um eficaz instrumento para resolver o conflito, antes mesmo que ele ocorra e dissemine a violência.

 

Conclusão

Essas são algumas das visões básicas que buscamos encontrar para entender
a análise da prevenção de conflitos, através dos Mecanismos Regionais de Segurança. Mas isso não significa que esses mecanismos sejam auto-excludentes ou que não possam ser utilizados em conjunto para a análise dos mecanismos regionais de segurança. Existem outras visões que podem ser utilizadas, como os Complexos Regionais de Segurança – Regional Security Complex Theory – RSCT. Há ainda outras visões importantes para a compreensão do tema, como: alerta preventivo, ajuda humanitária, intervenção preventiva, missões de peace-keeping, peace-making, peace enforcement e peace building, que também devem ser explorados para uma melhor compreensão do tema.

Os resultados da prevenção de conflitos são complexos de se perceber, pois não há como ter certeza se a tensão entre as partes, de fato, resultaria na deflagração de um conflito armado. Esta dificuldade de comprovar seus resultados tem dificultado enormemente os esforços para se implantarem mecanismos de prevenção de conflitos e, sobretudo, utilizar as missões de paz preventivas. Para atestar esse fato, até a presente data foi organizada apenas uma Missão Preventiva de Paz das Nações Unidas, na Macedônia, na década de 1990.

É imprescindível que se produzam mais análises e estudos sobre a prevenção de conflitos. O que podemos afirmar é que existe um consenso de que a prevenção de conflitos tem menor custo humano e financeiro, em relação à alternativa da resolução de conflitos.

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* João Marcelo Dalla Costa

Doutorando em Relações Internacionais na Universidade de Tübingen, Alemanha. Membro do GT III do Grupo de Análise de Prevenção de Conflitos Internacionais (GAPCon), Universidade Cândido Mendes, Brasil.

 

** Leonardo Paz Neves

Mestre em Ciências Políticas pelo Instituto de Pesquisa Universitário do Rio de Janeiro (IUPERJ/UCAM). Coordenador do GT III – Paz e Segurança Regional, do Grupo de Análise de Prevenção de Conflitos Internacionais (GAPCon), Universidade Cândido Mendes (UCAM), Brasil.

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