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Da “sociedade de risco”... à “sociedade de desastres” O risco é ubíquo numa economia de mercado baseada em inovação. Por risco é comum entender-se a probabilidade de ocorrência de um dano. Quanto maior essa probabilidade e/ou maior o dano tanto maior o risco. O risco desperta sensações de ansiedade e precariedade que se materializam frequentemente nas experiências vividas pelo cidadão comum no reboliço do quotidiano. São sobretudo dos “novos riscos” de natureza tecnológica que falam os sociólogos quando se referem ao conceito de “sociedade de risco”. A presença de amianto nos edifícios modernos, as colheitas transgénicas, a radiação de equipamentos de telecomunicações são casos exemplares deste tipo de análise. O risco tornou-se numa noção central para compreender a organização e a dinâmica das sociedades modernas. Contudo, apesar de pertinente, uma perspectiva de risco não esgota o campo de análise. Esta perspectiva tem privilegiado casos em que existe uma exposição longa a efeitos nocivos de intensidade moderada; referindo-se menos a acontecimentos de curta duração mas de gravidade elevada. Certos eventos sem precedentes, cujos contornos desafiam a imaginação e a própria viabilidade dos sistemas ecológicos e sociais, podem eclodir violentamente e com consequências estruturais de muito longo prazo. Ao propormos uma linguagem baseada nos “desastres” o objectivo é tentar lidar explicitamente com fenómenos a) historicamente singulares, b) psicologicamente surpreendentes, c) de surgimento abrupto e d) de efeitos irreversíveis. Isto é, na nossa reflexão estamos a referir-nos sobretudo a “riscos radicais”, a acontecimentos não negligenciáveis de contornos novos cuja ocorrência impõe uma transição conturbada para configurações do mundo até aí desconhecidas. Duas notas sobre terminologia e definição. [1] Vários termos quase-sinónimos são usados neste texto. Esta é uma área em que definições são, por definição, difíceis. Uma diversidade de conotações é vista como forma de sublinhar o carácter multifacetado do nosso objecto de estudo. A palavra “desastre” é empregue para evidenciar a magnitude elevada (e devastadora) dos eventos em causa. O termo “colapso” serve para reforçar a ideia da destruição de uma ordem existente cujo fim é sinalizado pela ocorrência de um desastre. Com “catástrofe” pretende-se sublinhar o aspecto dramático, por vezes terrível, do evento e do processo de transição que lhe está associado. [2] É importante notar que seguimos certas convenções da literatura, isto é, quando nos referimos a desastres (colapsos, catástrofes, etc.) estamos a falar de eventos com causas próximas na “natureza” ou na “tecnologia” mas cujas consequências são sobretudo sentidas nos ecossistemas e nas sociedades. Decorre deste ponto uma limitação conceptual: a literatura ainda cobre deficientemente desastres de origem sócio-económica ou político-militar, sejam eles produto de acções “involuntárias” (hecatombes bolsistas, crises económicas, etc.) ou actos “voluntários” (guerras, atentados terroristas, etc.). Natureza e Tecnologia: Um sistema padrão de classificação de desastres foi acordado recentemente por uma rede de actores que incluiu centros de investigação (Centre for Research on the Epidemiology of Disasters, Asian Disaster Reduction Center), empresas de re-seguros (MünichRe, SwissRe) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. A dicotomia principal é entre crises cuja causa-raiz é “natural” ou “tecnológica”. A primeira categoria inclui seis subclasses cobrindo origens Biológicas (epidemias, pragas), Climatológicas (seca, temperatura extrema, fogo), Geofísicas (sismos, vulcões), Hidrológicas (cheias), Meteorológicas (tempestades) e Extra-Terrestres (meteoritos). O registo histórico mostra as categorias com maior incidência como sendo (por esta ordem) cheias, tempestades, sismos e epidemias. Os desastres simultaneamente mais mortíferos e financeiramente mais penosos são as cheias e as tempestades. É de notar que os desastres produzem mais prejuízos nos Estados Unidos e na Europa, enquanto a maior parte das mortes tem lugar nos continentes mais populosos e mais pobres. A segunda categoria refere-se a causas humanas (ou “tecnológicas”). Esta categoria é essencialmente composta por acidentes industriais e outros (explosões, envenenamento, radiação) e acidentes de transporte (caminhos de ferro, acidentes aéreos, naufrágios e acidentes rodoviários). Tipicamente os acidentes relacionados com sistemas de transporte são os mais comuns.
Os extremos como norma O mundo experimentou e continua a experimentar desastres de magnitude e carácter sempre novo. A geologia e a arqueologia transmitem-nos a evidência de cataclismos ocorridos há muito. A literatura disponível mostra que os desastres são um estado temporário nos sistemas evolutivos mas com consequências profundas e até permanentes em alguns casos. Nada na história recente indica que a propensão para os grandes desastres não continue a imiscuir-se no futuro das nossas sociedades.Informação Complementar A desigualdade social da destruição O jornal The Times de 12 de Abril de 1912 dava a notícia: “Um desastre marítimo, sem precedentes na história, aconteceu no Atlântico.” Este viria a ser um naufrágio de enorme repercussão na cultura ocidental. Um aspecto menos conhecido é como este caso ilustra o modo como os efeitos dos desastres são estruturados por linhas de género e classe. Três vezes mais mulheres e crianças sobreviveram em comparação com os homens. Daqui viria a resultar uma percepção de nobreza e sacrifício da parte dos cavalheiros que encontrou ressonância na leitura popular da tragédia. No entanto, as mulheres e as crianças mais ricas tiveram o dobro das oportunidades de se salvarem quando comparadas com as pobres. Ao estudarmos as vítimas por origem de classe observamos uma faceta, infelizmente mais mundana, do desastre: 62% dos passageiros da 1ª-classe sobrevivem contra 41% da 2ª-classe e 25% da 3ª-classe. Os desastres não são cegos aos agrupamentos sócio-económicos em que se encontram as vítimas. Obras fundamentais para compreender e gerir desastres Extinction: How Life Nearly Ended 250 Million Years Ago (livro de Douglas H. Erwin, publicado em 2006 pela Princeton University Press): uma catástrofe de proporções gigantescas provocou a maior crise biológica da história do planeta há 250 milhões de anos quando 95% das espécies desapareceram. Embora até hoje não haja consenso sobre exactamente o que se passou é, no entanto, claro que toda a vida na terra foi influenciada por essa crise. Natural Disasters and How We Cope (R. Coenraads, 2006 – Millenium House). Os mega-eventos naturais, são diversificados e nunca pararam de evoluir. Apocalypse: Earthquakes, Archeology and the Wrath of God (A. Nur, 2006 – Princeton University Press): a fúria dos céus, e não épicos feitos humanos, podem ter tido um papel mais central na ascensão e queda de várias cidades e civilizações da antiguidade do que geralmente se pensa. Earthquakes in Human History: The Far Reaching Effects of Seismic Disruptions (J.Z. de Boer e D.T. Sanders, 2005, Princeton University Press) e Volcanoes in Human History: The Far Reaching Effects of Major Eruptions (de Boer e D.T. Sanders, 2002, Princeton): dois tipos específicos de calamidades, ligadas à actividade sísmica e vulcânica, parecem ter tido uma influência multi-secular na evolução das civilizações. O Terramoto de 1755: Impactos Históricos (organizado por A.C. Araújo, J.L. Cardoso, N.G. Monteiro, W. Rossa e J.V. Serrão, 2007 – Livros Horizonte): o terramoto de 1 de Novembro de 1755, Dia de Todos os Santos, aconteceu numa das principais capitais económicas e culturais da Europa de então e em pleno Iluminismo. Esta catástrofe tem sido referida várias vezes como o evento que mais influenciou a concepção do ser humano sobre o seu lugar na natureza. The End is Nigh: A History of Natural Disasters (Henrik Svensen, 2009 – Reaktion Books): mesmo que sejam de origem natural os desastres têm consequências “artificiais”. É da combinação dos resultados directos da destruição e dos resultados das escolhas das sociedades que se juntam os elementos que constroem a história. Collapse: How Societies Choose to Fail or Succeed (Jared Diamond, 2005 – Penguin): os desastres naturais podem, no entanto, ser induzidos pela acção humana. O equilíbrio dos ecossistemas pode ser quebrado pelo comportamento social levando à sua miséria ou mesmo ao seu fim. The Next Catastrophe: Reducing Our Vulnerabilities to Natural, Industrial, and Terrorist Disasters (C. Perrow, 2007 – Princeton University Press): os acidentes são uma parte normal das sociedades industriais e pós-industriais, muito mais comuns e sérios do que atentados terroristas. Responder aos desastres, conter os danos e prevenir os desastres também deveriam ser parte das decisões normais de responsáveis públicos e privados. Global Catastrophes and Trends: The Next Fifty Years (V. Smil, 2008 – MIT Press): a mudança decorre de tendências graduais e persistentes ou de descontinuidades improváveis mas fatais. No futuro é possível esperar uma amálgama mais intensa destes dois tipos de fontes de mudança. Key Readings in Crisis Management: Systems and Structures for Prevention and Recovery (organizado por D. Smith e D. Elliot, 2006 – Routledge): quando os desastres ocorrem o tecido das organizações e dos grupos sociais é posto à prova como em poucas outras situações. O investimento em competências para gerir insegurança massiva em tempo real exige um compromisso duradouro. Shock Capitalism: The Rise of Disaster Capitalism (N. Klein, 2007 – Penguin): seria errado pensar que numa sociedade sob a pressão de um desastre não existem conflitos de interesse. Existem grupos cujos interesses são postos em causa pelas estratégias que poderiam resolver o problema. Mas, mais importante, podem haver sectores activamente empenhados na exploração de um momento de fragilidade máxima, parasitando esforços de auxílio e as próprias vítimas. Os Portugueses e os Novos Riscos (coordenado por M.E. Gonçalves, 2007 – Imprensa de Ciências Sociais): três episódios recentes que envolveram riscos ambientais e de saúde pública em Portugal como a “doença das vacas loucas”, co-incineração de resíduos industriais e o urânio empobrecido nas munições militares são exemplos de “novos riscos” tecnológicos e industriais. Estes casos têm vários aspectos em comum com muitos outros: estão associados a actividades de alta intensidade tecnológica, têm incidência transnacional e são politicamente carregados. Worst-Case Scenarios (C.R. Sunstein, 2007 – Harvard University Press) e Precautionary Politics: Principle and Practice in Confronting Environmental Risk (K.H. Whiteside, 2006 – MIT Press): as ameaças ambientais têm gerado uma abordagem abrangente e ambiciosa conhecida como o “princípio da precaução”, isto é, a premissa de que nem a certeza política nem a incerteza científica justificam a inacção. Inovações na participação pública contribuem para alcançar resultados positivos. Managing Strategic Surprise: Lessons from Risk Management and Risk Assessment (coordenado por P. Bracken, I. Bremmer e D. Gordon, 2008 – Cambridge University Press, 2008): os princípios da gestão do risco têm sido progressivamente aplicados fora dos campos originais, relacionados com catástrofes naturais e tecnológicas. Os novos riscos, sobretudos os mais radicais, estão a exigir novos equipamentos decisionais aos agentes púclicos e aos actores económicos privados. The Risk Society at War: Terror, Technology and Strategy in the Twenty-first Century (M. V. Rasmussen, 2007 – Cambridge University Press, 2007): as próprias doutrinas de segurança estão a evoluir em linha com as dificuldades de um ambiente natural e humano incerto, um ambiente simultaneamente pós-industrial e pós-Guerra Fria. Worst Cases: Terror and Catastrophe in the Popular Imagination (L. Clarke, 2006 – Chicago University Press): a tragédia e o desespero que rodeiam casos historicamente monstruosas fornecem material abundante para a cultura futura. Se as sociedades podem recuperar de alguns desastres, pelo menos parcialmente, a cultura sofre mutações profundas e, não raramente, irreversíveis. Textbook of Disaster Psychiatry (organizado por R.J. Ursano, C.S. Fullerton, L. Weisaeth e B. Raphael, 2007 – Cambridge University Press): nem todos os danos imediatos são visíveis. Talvez por isso o tratamento do trauma não seja tradicionalmente uma parte substancial das respostas a colapsos e catástrofes. As necessidades mentais decorrentes da exposição a desastres merecem uma atenção por parte das autoridades de saúde pública, das organizações não governamentais e dos vários círculos comunitários que circundam os indivíduos mais afectados. * Sandro Mendonça Docente no Departamento de Economia do ISCTE. É membro da Comissão Executiva do Obercom – Observatório da Comunicação e colabora no Dinâmia, ERC, UECE e CISEP. Doutorando do SPRU, Universidade de Sussex. Número devítimas de desastres naturais por 100.000 habitantes (entre 1986 e 2005)
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