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- JANUS 2009 -



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Conjuntura económica internacional

Manuel Farto * e Henrique Morais **

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No Janus 2008, escrevemos que «O crescimento mundial está sólido mas, nos últimos tempos, têm pairado algumas nuvens carregadas, em especial sobre a economia norte-americana […], com destaque para a evolução do mercado da habitação e dos preços […] O tempo dirá se a economia mundial será capaz de ultrapassar estas sombras que se perfilam no horizonte.»

O que o tempo nos tem demonstrado é que as nuvens se tornaram cada vez mais carregadas e, a acreditar no próprio Fundo Monetário Internacional, a deterioração das condições de crédito a que se vem assistindo, com mais incidência nos EUA, mas de forma transversal às economias avançadas, vai, muito provavelmente, induzir um abrandamento mais acentuado da actividade económica.

Mas atentemos com algum pormenor nos acontecimentos dos últimos doze meses.

 

Como a crise do subprime se transformou numa crise de confiança…

A crise do subprime começou por parecer circunscrita ao mercado norte-americano e, entre meados de 2006 e, seguramente, o início do 2.º trimestre de 2007, tudo parecia indicar que, por se tratar de um fenómeno muito localizado (mercado do crédito hipotecário de elevado risco), e não obstante a dimensão do problema, o mesmo poderia ser resolvido, com maior ou menor dano.

Mesmo quando os problemas começaram a alastrar, quer geograficamente, penalizando designadamente a Europa, quer ainda pondo em risco alguns dos pesos-pesados da banca de investimento dos EUA, julgou-se que um conjunto de intervenções concertadas de cariz monetário e orçamental poderia facilmente sanar o problema.

Por isso, as injecções massivas de liquidez, primeiro na Europa, mais tarde também nos EUA, onde, aliás, a política de cedência de dinheiro pelo Federal Reserve se tornou mais flexível do que alguma vez seria previsível, eram o lado mais visível de um estímulo de carácter monetário que acabaria por ter o seu máximo expoente na vertiginosa descida das taxas de juro oficiais nos EUA: de 4,25%, em Dezembro de 2007, para 2%, em Abril de 2008, nível em que se mantiveram até ao presente. (1)

Fiéis ao seu tradicional maior voluntarismo, e também mais pressionadas por uma crise do mercado da habitação e do crédito que assumia proporções mais expressivas do que em qualquer outro local, as autoridades norte-americanas lançaram ainda mão de um pacote de salvamento de cariz orçamental, com reduções de impostos às famílias de largas centenas de milhões de dólares que, assim se esperava, poderiam dinamizar o consumo privado e, deste modo, evitar uma recessão.

Todas estas medidas de estímulo monetário e orçamental, sobretudo as implementadas pelas autoridades norte-americanas, terão adiado/evitado uma recessão nos EUA: no 1.º trimestre de 2008, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 1%, em taxa de variação em cadeia anualizada (tvca), e, face aos dados disponíveis, é provável que o crescimento no 2.º trimestre se eleve a 2%, em tvca. Mesmo admitindo algum abrandamento no 2.º semestre de 2008, o crescimento no ano deverá rondar os 1,7%.

Apesar desta aparente capacidade de resistência do PIB norte-americano, o sentimento dos consumidores está em mínimos de 28 anos, a Bolsa acumula em 2008 perdas superiores a 17% (no Dow Jones), os resultados das empresas não financeiras começam a desiludir e, claro está, a crise no sector financeiro parece não ter fim, sendo sintomática a necessidade recente de uma intervenção do Tesouro para evitar a falência das duas entidades mais importantes no crédito hipotecário nos EUA: a Fannie Mae e a Freddie Mac.

Como entender estão este cenário algo deprimido?

 

…e como a evolução maligna dos preços ajudou a deteriorar o enquadramento!

Durante muitos meses, os agentes económicos sentiram-se estranhamente confortáveis com os sinais de que os problemas no mercado da habitação e do crédito se iam avolumando.

Na verdade, acreditava-se então que, como aliás ocorreu, os EUA dariam o mote na implementação de políticas monetárias mais expansionistas, e que outras zonas do globo os seguiriam (o que já só aconteceu parcialmente, tendo destoado, por exemplo, a área do euro, onde as taxas de juro oficiais acabaram mesmo por subir) (2), o que seria suficiente para recolocar as economias avançadas numa rota de crescimento sólido que, aliás, se verificava como nunca nas economias emergentes.

Mesmo quando os preços da energia, com particular destaque para o petróleo, intensificaram o movimento ascendente que se vinha a observar desde o início do 2.º trimestre de 2003 mas que se intensificou a partir de 2007, a generalidade dos analistas não se mostrou particularmente preocupada, acreditando que os efeitos da globalização, numa tendência que parecia inexorável de descida global da inflação, se sobreporiam a um petróleo que se aproximava vertiginosamente dos 100 dólares por barril, para num ápice, testar depois os 150 dólares por barril.

Acontece que os tão propagandeados efeitos benignos da globalização nos preços acabaram por não resistir aos efeitos de segunda ordem dos acréscimos da energia, que se manifestaram nas economias avançadas em aumentos salariais incomportáveis, sobretudo para as economias que ancoravam a sua política económica em objectivos muito explícitos em matéria de preços (3).

Para que este fenómeno se materializasse, foram determinantes dois factores: por um lado, alguns dos países que mais «exportavam deflação», isto é, que contribuíam para um enquadramento de inflação baixa a nível mundial pelo facto de concorrerem nos mercados internacionais através de estratégias de baixo preço, começaram progressivamente a sentir internamente fenómenos de acréscimo da procura e, concomitantemente, de aumento da inflação (exemplo? A República Popular da China!); por outro lado, o fenómeno de acréscimo dos preços, que teve origem nos bens energéticos, acabou por se alastrar a outro tipo de produtos, designadamente os bens alimentares e, especialmente, os cereais.

Independentemente da origem do problema (lei da oferta e da procura e/ou especulação), a verdade é que estavam lançadas as bases para uma tempestade perfeita: num ápice, a economia mundial sentia a aproximação de uma recessão na sua principal locomotiva (os EUA) e, simultaneamente, confrontava-se com o espectro da inflação cuja ausência de longa data teria feito muitos duvidarem de que alguma vez pudesse regressar.

E assim voltava aos jornais uma velhinha palavra dos ainda mais idosos livros de economia: estagfação , i.e., estagnação do crescimento económico a conviver com cenários inflacionistas.

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O estado das economias: dos sinais recessivos nos EUA…

Os dados disponíveis a nível das contas nacionais dos EUA para 2008 são claros mas escassos: o crescimento do PIB no 1.º trimestre quedou-se pelos 1,0% em taxa de variação em cadeia anualizada (tvca), ainda assim ligeiramente acima dos 0,6% registados no 4.º trimestre de 2007, mas a revelar o abrandamento expressivo do crescimento económico.

Embora as perspectivas para o 2.º trimestre sejam mais animadoras, até porque se assistiu a um importante estímulo fiscal por volta de finais de Maio/princípios de Junho, tudo indica que, no conjunto do ano, dificilmente o PIB norte-americano crescerá mais de 2%.

Para este arrefecimento da economia tem sido determinante a desaceleração do crescimento do consumo privado, que, no 1.º trimestre, aumentou apenas 1,1%, em tvca (e 2,3% no 4.º trimestre de 2007), quando, entre 2005 e 2007, evidenciou um crescimento médio anual de 3,1%. As famílias norte-americanas, que durante largos meses foram acomodando uma inflação cada vez mais elevada, (4) bem como efeitos de riqueza negativos oriundos da queda da Bolsa e, sobretudo, dos preços das habitações, começam agora a denotar algum «stress», a que também não será alheio o comportamento do mercado de trabalho: entre Janeiro e Junho de 2008, o emprego não agrícola diminuiu em 440 mil postos de trabalho, tendo a taxa de desemprego passado de 4,9% para 5,5%.

O outro factor principal para a deterioração económica tem sido o comportamento do investimento: depois do fulgor de 2005 (crescimento de 6,9% em taxa de variação em cadeia anualizada) e do bom ritmo de crescimento observado em 2006 (2,4%), no ano seguinte assistiu-se a uma contracção de 2,9% e, no 1.º trimestre de 2008, a um recuo de 6,9%. Os sinais de contracção da actividade, sobretudo na indústria transformadora (desde o 4.º trimestre de 2007) mas que, paulatinamente, parecem alastrar para o sector dos serviços, têm sido determinantes para um recuo do investimento, até porque, entretanto as condições de crédito têm vindo a tornar-se cada vez mais restritivas, face às dificuldades vividas pelas instituições financeiras.

Ao invés, as contas externas têm beneficiado da queda do dólar (5) e contribuído para atenuar a desaceleração do crescimento: entre o 2.º trimestre de 2007 e o 1.º trimestre de 2008, as contas externas contribuíram, em média, 1,1 pontos percentuais para o crescimento do PIB.

 

… ao recuo europeu!

O crescimento do PIB da área do euro no 1.º trimestre de 2008 foi de 2,9%, em taxa de variação em cadeia anualizada, surpreendendo mesmo os mais optimistas e beneficiando do fortíssimo crescimento registado na Alemanha (6,2%, em tvca).

Todavia, os indicadores económicos entretanto divulgados têm vindo a indiciar uma marcada desaceleração no 2.º trimestre, sendo possível que se assista a uma contracção do PIB na ordem dos1,5%. Como não se esperam melhorias substanciais até ao final do ano, o PIB, em 2008, deve aumentar entre 1,0% e 1,3%, claramente abaixo dos 2,7% observados em 2007.

O factor determinante para a evolução menos favorável da economia europeia é a subida do preço do petróleo, não só pelos seus efeitos no nível do consumo das famílias, mas também pela deterioração das margens das empresas, que, nesta fase do ciclo, dificilmente podem «passar» para os consumidores os acréscimos dos preços dos inputs a que estão sujeitas por via do acréscimo dos custos com a energia.

Outro factor que está a condicionar negativamente o crescimento económico europeu é o «aperto» generalizado das condições financeiras. Por um lado, o mercado de capitais acumula perdas, com reflexos directos na riqueza das famílias; por outro, os padrões creditícios mais restritivos que os bancos foram impondo à medida que crescia a parte visível do iceberg financeiro que abalou os mercados desde o Verão de 2007 foram deteriorando as condições de acesso ao crédito de famílias e empresas e agravando os custos dos financiamentos.

Uma vez mais, a origem dos problemas esteve do lado de lá do Atlântico mas, bem feitas as contas, os últimos a recuperar serão novamente aqueles que estão do lado de cá desse oceano!

 

Conclusões

Há agora mais razões para se temer pelo futuro próximo da economia mundial do que, há um ano a esta parte.

Agora como então, as principais preocupações prendem-se com a evolução do mercado da habitação (e do crédito hipotecário) e com o comportamento dos preços. Na Europa, países como a Espanha e a França (e Portugal!) poderão, dada a sua forte exposição à crise do imobiliário, vir a revelar abrandamentos económicos mais expressivos.

Das intervenções das autoridades nacionais, tanto em matéria de política monetária e orçamental, como na capacidade que tiverem em incutir confiança nos agentes económicos, poderá depender a materialização apenas de uma fase de maior abrandamento económico, eventualmente de recessão confinada, ou, ao invés, a entrada da economia mundial numa fase de profunda depressão, que muitos já ousam perspectivar ao nível do que ocorreu nos anos 30 do século passado.

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1 - Este texto está a ser concluído em finais de Julho de 2008.

2 - Em 3 de Julho de 2008, o Banco Central Europeu aumentou a taxa directora em 25 p.b., para 4,25%, pondo fim a um longo período de 13 meses de estabilidade da taxa.

3 - Designadamente os países em que a política monetária «persegue» um objectivo quantitativo para a inflação, o chamado «inflation target», ou aqueles países ou áreas económicas (por exemplo, a área do euro) em que existe uma marcada preocupação em não deixar a inflação ultrapassar determinado patamar.

4 - O crescimento médio do índice de preços no consumidor foi de 2,9%, em 2007. Ora, entre o 4.º trimestre de 2007 e o 2.º trimestre de 2008, o IPC aumentou, respectivamente, 4,0%, 4,1% e 4,4%!

5 - O chamado Índice de Taxa de Câmbio Efectiva (real) do dólar desceu 1,6%, em 2005, 1,1% em 2006 e 4,7%, em 2007. Nos dois primeiros trimestres de 2008, perdeu, em variação em cadeia, 2,2% e 0,5%.

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* Manuel Farto

Licenciado em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Gestão. Doutorado em Economia pela Universidade de Paris-X. Docente no ISEG. Docente visitante da Universidade de Orléans (França) e da Universidade Federal da Paraíba (Brasil). Subdirector do Observatório de Relações Exteriores da UAL.

 

** Henrique Morais

Licenciado em Economia. Mestre em Economia Internacional pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). Docente na Universidade Autónoma de Lisboa e na Universidade do Algarve. Assessor do Banco de Portugal. Membro do Conselho Directivo do Observatório das Relações Exteriores da UAL.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

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Link em nova janela Taxas de crescimento do PIB (%)

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