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Onde estou: | Janus 2009> Índice de artigos > Aspectos da conjuntura internacional > [ Economia mundial: a tempestade perfeita? ] | |||
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Nas economias emergentes, que até há bem pouco tempo pareciam imunes a esta crise que parecia apenas financeira, os sinais são agora muito negativos: na China, a Bolsa de Valores caiu 70% em doze meses, levando as autoridades a abandonar o discurso da necessidade de «arrefecimento da economia»; os preços das matérias-primas começam a recuar (fortemente, no caso do petróleo), deixando antever dificuldades adicionais para os exportadores de commodities , sobretudo para as pequenas economias abertas dos mercados emergentes; no Brasil, em apenas um mês, o real depreciou-se 15% face ao dólar, temendo-se que uma fuga generalizada de capitais externos possa fazer recuar o crescimento económico notável que vem sendo observado desde 2004. Os pequenos países europeus que não adoptaram o euro começam a sentir a sua vulnerabilidade, de que é sintomático o exemplo da Islândia, onde o Governo teve de intervir para evitar a falência do 3.º maior banco nacional, solicitar empréstimos de emergência à Rússia, assistir impotente à revisão em baixa do rating da dívida pública e à penosa depreciação da moeda local face ao euro. Nas próximas linhas tentaremos descrever a trajectória que levou a esta autêntica tempestade financeira, a reacção das autoridades nos países mais afectados pela crise e, finalmente, iremos discutir em pormenor algumas das ilações que se podem retirar destes acontecimentos.
A crise financeira… A deterioração dos mercados financeiros a nível das principais economias mundiais não terá passado despercebida, mesmo aos mais distraídos, e vinha já a observar-se desde o Verão de 2007. Em rigor, os primeiros sinais surgiram ainda mais cedo nos Estados Unidos, com a intensificação do abrandamento do mercado da habitação desde 2006 e, em seguida, o aumento dos incumprimentos no segmento de maior risco de crédito, o famigerado subprime. Após longos anos de política de «dinheiro barato», que se havia iniciado em 2001 e que colocaria a taxa de referência da Reserva Federal norte-americana em 1%, desde Junho de 2003 até Maio de 2004, as condições monetárias ficariam gradualmente mais restritivas até a referida taxa central se situar em 5,25%, em meados de 2006. Estavam, deste modo, criadas as condições para que a bolha especulativa do imobiliário pudesse finalmente rebentar! Entretanto, na área do euro, o Banco Central Europeu continuava o seu ciclo de subida das taxas directoras, que havia iniciado em Dezembro de 2005, perante os sinais de que a inflação continuava a ser a principal ameaça para uma instituição cujo mandato assenta fundamentalmente na procura da estabilidade dos preços. Neste contexto, não admirou ninguém que os primeiros sinais de crise tivessem surgido nos EUA e nos chamados hedge funds , isto é, sociedades que se assemelham a fundos de investimento e que actuam captando poupanças para aplicar, em regra, nos produtos de maior risco. Contrariamente aos fundos de investimento clássicos, os hedge funds tentavam «escapar» aos mecanismos de supervisão dos sistemas financeiros em que actuavam, pelo que, quando se chegou ao Verão de 2007, estava criada uma enorme bolha especulativa em activos de alto risco. No entanto, o facto dos activos do subprime nos EUA representarem uma parcela relativamente reduzida face à grande maioria dos activos imobiliários e, sobretudo, porque se julgava que o problema estava localizado no Continente Americano e seria rapidamente sanado por uma conjuntura económica global muito sólida, as autoridades de supervisão (e os analistas económicos), em geral, mantiveram-se inicialmente na expectativa, incomodadas mas não actuantes face às notícias de dificuldades naquele mercado. Ao invés, os investidores desenrolaram o leque habitual de soluções em situações de crise: começaram a abandonar os mercados de risco, não só a nível destes produtos mas também do segmento accionista e das emissões de dívida privada, tanto de empresas financeiras, como não financeiras. Num ápice, os grandes bancos de investimento mundiais começaram a dar sinais de exaustão, o que se agravou com a falência do Bear Stearns (o grande sinal mediático da primeira vaga da crise) e as dificuldades de grandes bancos europeus: primeiro o encerramento de fundos do BNP Paribas, depois a ajuda de emergência ao alemão IKB. De permeio, as autoridades monetárias continuaram a injectar vigorosamente liquidez no mercado, convencidas que pareciam continuar de que o problema era essencialmente de liquidez. Só bastante mais tarde, na terceira vaga da crise, se viria a tornar claro que a situação era bem mais grave… … o aumento dos receios… Após o Verão agitado de 2007, uma ilusória acalmia haveria de se suceder, sobretudo nos mercados do crédito, até próximo do final do 1.º trimestre de 2008. Nessa altura, assistiu-se a uma segunda vaga de dificuldades nas instituições financeiras, ironicamente alicerçada no maior escrutínio que elas próprias, e as autoridades de supervisão, impunham à concessão de crédito e que estava a limitar drasticamente o negócio da intermediação financeira, criando simultaneamente fortes receios quanto à evolução da economia. A economia, aliás, começava a dar sinais de cansaço: penalizados pela deterioração de duas das suas principais fontes de riqueza (a habitação, cujo preço descia, nalguns casos vertiginosamente, e as aplicações de capital no mercado de acções, muitas vezes efectuadas a pensar nas próprias pensões de reforma), os consumidores norte-americanos estavam agora também a sentir os efeitos do desemprego. No primeiro semestre de 2008, perderam-se no sector não agrícola 460 mil postos de trabalho, tendo a taxa de desemprego ultrapassado os 6%. As empresas, por outro lado, mostravam indícios de esgotamento, e não só nos EUA. Embora houvessem conseguido, durante anos, acomodar, através da redução das respectivas margens de lucro, os efeitos duplamente penalizadores de uma globalização que «empurrava» os preços para a baixa e de um conjunto de custos dos factores de produção (designadamente do trabalho) que se mantinham elevados, as novas condições de acesso ao crédito, substancialmente mais restritivas, revelavam-se agora ruinosas e difíceis de ultrapassar. Estavam assim criadas as condições ideais para que o eventual aparecimento de uma terceira vaga de crise financeira viesse a originar uma tempestade perfeita. E a terceira vaga de crise acabaria mesmo por surgir, com uma intensidade e rapidez que surpreenderia tudo e todos!
… a tempestade perfeita! No início de Setembro, o governo norte-americano anunciou cautelosamente que passaria a deter o controlo da Fannie Mae e da Freddie Mac, as duas «gigantes» do mercado do crédito hipotecário nos EUA, responsáveis por mais de metade daquele mercado e que estavam ameaçadas de falência. Esta operação, que mais não era senão uma nacionalização, passava pela injecção de capitais públicos até cerca de 100 mil milhões de dólares nas duas empresas, bem como pela compra da dívida que tinha sido avalizada pela Fannie Mae e pela Freddie Mac. Na mesma semana, o Lehman Brothers, o quarto maior banco norte-americano, confirmava o que muitos já suspeitavam: registo recorde de prejuízos, a deixar evidente o espectro da falência, a necessidade de desmantelamento de unidades de negócio do banco e de entrada de dinheiro «fresco» no seu capital. Apesar das tentativas apadrinhadas pelo Tesouro norte-americano de evitar o colapso do Lehman, nomeadamente promovendo negociações com outro gigante da banca nos EUA (Bank of America) tendentes à aquisição de uma participação no banco de investimento, a verdade é que, nesse mesmo fim-de-semana, o Lehman estava falido. O mundo ficou também a saber que só uma intervenção decisiva do Bank of America (BoA) evitaria que nesses dias sem paralelo recente mais um gigante da finança tombasse: referimo-nos à Merrill Lynch, que viria a ser adquirida pelo BoA. Mas o pior estava ainda para vir. Antecipando dificuldades nos mercados monetários, a Reserva Federal dos EUA havia anunciado um conjunto de medidas de alargamento do colateral exigido nas suas operações de cedência de liquidez aos bancos, cujo objectivo óbvio era assegurar que estes não continuariam a sentir dificuldades no acesso aos fundos de que necessitavam, num contexto de deterioração dos seus activos. Todavia, a abertura dos mercados na segunda-feira, dia 15 de Setembro, foi muito tumultuosa. Talvez receando que a falência do Lehman sinalizasse uma nova posição das autoridades norte-americanas em relação à situação (e aos erros do passado) dos bancos, dado que até então tinha havia a preocupação de não os deixar tombar, as instituições financeiras arrasaram literalmente o mercado monetário interbancário, não cedendo fundos e colocando-se numa perspectiva de manter o máximo de liquidez possível. Este facto pode ser facilmente verificado pelos gráficos dos chamados TED Spreads (2) nos EUA e na área do euro (que denotaram forte aumento), bem como pelo gráfico que expressa os níveis das taxas de juro Euribor a 6 e a 12 meses e da taxa central do Banco Central Europeu (a taxa repo ) – em que se observa um afastamento muito acentuado das taxas Euribor face à taxa repo , em relação ao padrão normal. Esta postura dos bancos, embora incompreensível de um ponto de vista puramente racional, justificava-se num contexto de claras dificuldades contabilísticas, de incerteza geral e, sobretudo, de desconfiança em relação a «quem seria o próximo a falir?» Estes problemas foram particularmente fortes nos EUA, mas obrigaram os bancos centrais das principais economias avançadas a intervenções massivas de cedência temporária de liquidez. A Reserva Federal, só no dia 15 de Setembro, injectou, através de repos overnight, 70 mil milhões de dólares, na que foi a maior operação diária desde o 11 de Setembro de 2001. Nessa mesma semana, a AIG, a maior seguradora norte-americana, foi salva da falência pela intervenção directa do Tesouro, que adquiriu 80% do respectivo capital e lhe garantiu um financiamento próximo de 85 mil milhões de dólares. Considerada demasiado grande para falir, a AIG era a prova de que a principal nação capitalista do mundo estava agora pronta para nacionalizar o que fosse necessário para salvar o sector financeiro e, quem sabe, a economia dos EUA.1 - Os artigos na área da economia, em particular a nível da conjuntura, tiveram como deadline editorial o final de Julho de 2008. Excepcionalmente, e tendo em conta os acontecimentos registados posteriormente, optou-se por introduzir novas entradas sobre a Crise Financeira Internacional. No caso presente, este artigo baseia-se em informação recolhida até 10 de Outubro de 2008. 2 - O TED spread resulta da diferença entre as taxas de juro interbancárias num determinado prazo e a taxa para esse prazo correspondente a um título da dívida pública. Quanto maior for a diferença em causa, i.e., o TED spread , mais acentuada é a escassez de liquidez ou o aumento do prémio de liquidez.* Henrique Morais Licenciado em Economia. Mestre em Economia Internacional pelo Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). Docente na Universidade Autónoma de Lisboa e na Universidade do Algarve. Assessor do Banco de Portugal. Membro do Conselho Directivo do Observatório das Relações Exteriores da UAL. EUA e área do euro: TED spread (%) Área do euro: taxa repo e euribor a 6 e 12 meses (%) Índice de acções (base 31/01/2001)
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