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- JANUS 2009 -



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Gasta-se demais com a saúde em Portugal?

Carlos Gouveia Pinto *

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Como foi referido no texto anterior, a conclusão mais robusta a que chegaram os autores que analisaram o crescimento da despesa total em Saúde foi a de que o factor explicativo mais importante é, de longe, o aumento do rendimento. Contudo, a teoria aponta quatro razões adicionais para o fenómeno – o envelhecimento da população;
o aumento da cobertura dos seguros (públicos e privados); a indução da procura pela oferta; e a chamada «doença» de Baumol. As justificações para a inclusão destes factores são indicadas a seguir.

Os indivíduos valorizam muito a Saúde quer porque gostam de se sentir bem quer por ser uma condição necessária para poderem trabalhar. Assim, quanto mais elevado for o seu rendimento mais cuidados de saúde consomem. Quanto ao envelhecimento da população, parte-se do pressuposto que a despesa deve aumentar com a idade porque o consumo tem de crescer à medida que a idade avança para manter o nível de Saúde. Também uma maior cobertura da população pelo seguro (público ou privado) induz o aumento da despesa porque diminui o preço que as famílias têm de pagar no momento do consumo e, consequentemente, este aumenta.

O fenómeno da indução da procura deve-se ao facto de serem os profissionais de saúde (geralmente os médicos) quem escolhe os cuidados de saúde que são consumidos pelos doentes. Sucede que, sendo os médicos também agentes da oferta (nomeadamente fornecendo serviços de consultas), podem prescrever mais cuidados (consultas, se for o caso) do que os necessários para tratar o doente. Sendo agentes racionais como qualquer produtor e, portanto, tendo como objectivo obter, pelo menos, um dado rendimento, a probabilidade de tal acontecer é tanto maior quanto mais elevada for a densidade médica. Com efeito, quanto menor for o número de habitantes por médico menor será o número de clientes e, consequentemente, o aumento (ou, no mínimo, a não diminuição) do rendimento de cada médico pressupõe que a quantidade de serviços prestados aumente mantendo-se (ou diminuindo) o preço constante.

Finalmente, Baumol provou que o aumento dos salários nas empresas do sector dos serviços tem um maior impacto nos seus preços do que se ocorrerem em empresas dos outros sectores. Isto deve-se a que nestas últimas o acréscimo nos custos pode ser compensado pelo aumento da produtividade o que é mais difícil nas primeiras dada a sua tecnologia de produção.

Num artigo importante e que é único na literatura da Economia da Saúde, Newhouse (1992) estimou o impacto de cada um destes factores no aumento da despesa total em cuidados de saúde nos EUA. Embora seja muito difícil quantificar com rigor a responsabilidade de cada factor, Newhouse mostra que apenas o aumento do rendimento e da cobertura e o envelhecimento da população tiveram um efeito significativo sobre o acréscimo da despesa verificado entre 1950 e 1990 (calculado em 500%) sendo que cada um destes factores foi responsável por aumentos de 125%, 60% e 15%, respectivamente. Consequentemente, mesmo assumindo que o impacto da variação do rendimento poderá estar subestimado por a respectiva elasticidade ter sido obtida por análise seccional, só menos de metade do crescimento da despesa pode ser explicado desta forma. Portanto, o resto tem de ser explicado exogenamente – pela evolução da tecnologia – o que significa que o aumento da despesa reflecte fundamentalmente os preços muito elevados pagos pelos avanços verificados nas técnicas cirúrgicas ou nos medicamentos, por exemplo.

 

O recurso à tecnologia

Actualmente, o recurso cada vez maior à tecnologia é ditado não só pelo estilo de prática clínica como pela crescente prevalência de doenças com impacto na opinião pública e que exigem meios técnicos sofisticados para o seu tratamento (a Sida e o cancro são apenas dois exemplos). O recurso crescente a exames cada vez mais complexos para a elaboração do diagnóstico e do prognóstico (como é o caso das TAC e das ressonâncias magnéticas) ou a uilização de medicamentos com reduzido impacto no prolongamento da vida induzem dispêndios de verbas consideráveis, em alguns casos com benefícios relativamente diminutos.

Mas também as próprias características do mercado de cuidados de saúde levam
à utilização mais intensiva da tecnologia. Com efeito, a escolha do médico pelo doente é feita com base num critério de qualidade que tem frequentemente por base o domínio que o profissional tem da tecnologia mais recente (1). Neste caso, se o mercado for concorrencial e não existir qualquer restrição à utilização das novas tecnologias, poderá assistir-se à sua sobreutilização, isto é, ao consumo de uma quantidade de cuidados em que o custo incorrido é superior ao seu benefício. Esta situação pode ser agravada pelo facto de o doente suportar apenas uma parte dos custos dos bens e serviços que consome.

Existem duas formas de intervir no mercado de forma a diminuir a possibilidade de que este fenómeno ocorra. Uma delas é fazer com que os consumidores contribuam do seu bolso para financiar uma maior percentagem dos custos dos cuidados esperando que tal os leve a moderar o consumo. Contudo, como já foi afirmado, esta opção é criticável desde logo porque as despesas privadas em Saúde em Portugal já são muito elevadas quando comparadas com o que se passa nos outros países. Mas, além disso, como uma das maiores parcelas da despesa é a realizada em cuidados consumidos devido a patologias que diminuem em muito a qualidade de vida dos doentes – cancro, sida, diabetes e doenças cardio-vasculares, em especial – a imposição de maiores contribuições nestes casos não só seria uma dupla penalização (além de sofrerem da doença, os indivíduos ainda teriam encargos financeiros acrescidos) como também afectaria fundamentalmente as classes de menor rendimento que são aquelas a que pertence a esmagadora maioria dos mais doentes (Pereira e Pinto, 1993).

Mas existe uma terceira razão pela qual a actuação pelo lado da procura através da elevação da percentagem do financiamento privado pode não conduzir ao resultado desejado. Com efeito, pretendendo-se que o consumo seja mais racional (isto é, que os gastos sejam compensados pelos benefícios do consumo dos cuidados), tal não é assegurado dando maior responsabilidade aos consumidores na escolha uma vez que quem selecciona os cuidados na maioria dos casos não é ele mas o médico. Ora, a tendência destes profissionais (inclusivamente, devido às normas éticas que regem o exercício da profissão) é prescreverem os cuidados que julgam que contribuem, mesmo que apenas marginalmente, para a melhoria do doente apesar do seu custo poder ser muito elevado. Assim, ao não ter em conta o preço dos cuidados, os médicos contribuem para o consumo excessivo destes bens e serviços.

A única alternativa é intervir do lado da oferta incentivando os médicos a tomar decisões que tomem em consideração os custos dos cuidados. Dados os limites da extensão deste texto e a complexidade do tema, apenas é possível fazer uma abordagem geral deste tópico.

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Avaliação clínica e económica das tecnologias

Além da implementação de esquemas mais ou menos restritivos de referenciação dos doentes já descritos acima, as acções a tomar passam fundamentalmente por descentralizar a decisão responsabilizando directamente os médicos pelo impacto financeiro das opções que tomam. Um exemplo é a autonomização da gestão dos hospitais (criação dos hospitais EPE) e dos centros de saúde (transformação em unidades de saúde familiar) passando o financiamento a ser garantido pelo Ministério da Saúde com base na produção prevista de serviços. O que está subjacente a estas mudanças institucionais é permitir que o pagamento seja feito de acordo com o desempenho sendo os profissionais premiados monetariamente se os objectivos contratualizados forem ultrapassados e penalizados se não forem atingidos, a custos unitários pré-fixados.

Este sistema é extremamente complexo e a sua implementação coloca inúmeros problemas. Desde logo porque podem verificar-se impactos negativos sobre a qualidade dos cuidados. Mas também porque a equidade pode ser prejudicada pois implicitamente incentiva-se as unidades de saúde a seleccionarem os indivíduos com doenças mais fáceis de tratar. Portanto, não é claro que esta política sem medidas complementares obtenha o efeito pretendido.

Assim, na generalidade dos países têm sido criadas instituições que têm como objectivo avaliar clínica e economicamente as tecnologias. Partem da hipótese, verificada empiricamente, que nem todas as tecnologias demonstram as vantagens que lhes são atribuídas, verificando-se inclusive que, em muitos casos, são utilizadas de forma incorrecta (2). A sua existência reflecte a percepção de que a alteração do perfil organizacional do sistema de saúde alterando as normas de gestão das unidades prestadoras não é suficiente para fazer com que a utilização das tecnologias seja mais eficiente (3).

Em última análise, a sua actividade tem como resultado a produção e/ou a validação de estudos que comparam os custos e os benefícios das diferentes alternativas de tratamento para serem utilizados na decisão sobre o seu financiamento. Estes estudos são realizados quando um novo meio terapêutico está para ser lançado no mercado, sobretudo quando o seu preço é muito elevado. Calculado, assim, o custo por unidade de benefício para cada alternativa, é possível saber qual é a melhor para cada situação de Saúde. A realização deste cálculo é fundamental porque é a única forma dos diferentes agentes no mercado (Ministério da Saúde, médicos e doentes) saberem se estão a pagar o custo mais baixo por cada acréscimo no nível de Saúde, avaliada, por exemplo, em número de anos de vida ganhos. Em Portugal, isto apenas é efectuado para os medicamentos, sendo a instituição avaliadora o INFARMED.

Infelizmente, apesar de nos últimos anos se ter progredido muito no aperfeiçoamento das metodologias, os estudos não têm ainda o nível de rigor desejável. Por outro lado, em muitas circunstâncias, não se deve utilizar apenas critérios económicos na decisão sobre o financiamento de uma alternativa tecnológica. Por exemplo, se se utilizasse apenas o custo por ano de vida ganho para decidir sobre a comparticipação pelo SNS de um medicamento para a doença dos pezinhos, provavelmente este nunca seria co-financiado porque o reduzido número de doentes (a dimensão do mercado) obriga a que o seu preço seja muito elevado, a fim de compensar o seu custo de produção, onde se inclui a investigação. Assim, apesar de serem um instrumento fundamental para a racionalização da despesa, estes estudos não têm ainda o estatuto que merecem. Suspeita-se, contudo, que linhas de investigação actualmente em curso, em particular sobre novas metodologias, que incluam a consideração de critérios de equidade permitirão que esse estatuto seja atingido no curto prazo.

 

Considerações finais

A despesa em saúde em Portugal apresenta características sui generis . Por um lado, se tomarmos como referência o PIB, isto é, a riqueza criada, podemos dizer que se gasta muito quando comparamos com os 15 países-membros da União Europeia (antes do alargamento). No entanto, se considerarmos a despesa per capita , chegamos à conclusão que é baixa, sendo mesmo a mais baixa dos países de referência. Esta conclusão é reforçada se se atender a que temos a menor esperança de vida à nascença e a mortalidade evitável mais elevada e, portanto, que necessitaríamos de gastar mais do que os outros.

O que estes números indicam é que o nosso problema fundamental não é o de ter uma despesa elevada mas antes um PIB baixo. Tal é confirmado pelo facto de a despesa total e a despesa pública terem sido bastante eficientes na última década pois foi registada em Portugal a evolução mais favorável dos indicadores de Saúde utilizados na UE 15, sobretudo da taxa de mortalidade infantil.

Significa isto que se deve permitir que a despesa continue a aumentar a um ritmo elevado, a uma taxa maior do que a do crescimento económico? É evidente que não até porque não se pode retirar muito mais verbas ao funcionamento dos outros sectores ou, alternativamente, aumentar indefinidamente o endividamento do Estado. Assim, há que diminuir o ritmo de crescimento da despesa mas, dado o nível relativamente baixo de Saúde da população, aumentando a sua eficiência. Isto é, diminuir os custo por unidade de resultados obtido, eventualmente por ano de vida ganho.

Uma solução possível seria aumentar o financiamento privado. Contudo, o seu peso já é relativamente elevado e, além disso, tal agravaria as desigualdades. Acresce que o doente não tem informação suficiente para saber se o que paga é compensado pelos resultados em Saúde e os médicos (que são quem decide) geralmente não tomam em conta os custos.

Assim, a alternativa é regular a oferta influenciando a decisão dos médicos responsabilizando-os pelas consequências económicas das decisões que tomam e informando-os sobre as melhores alternativas terapêuticas em termos de custos por unidade de resultados. Os estudos de avaliação económica das tecnologias permitem fazer exactamente isto e deveriam ser mais utilizados para basear a decisão. Mas também eles levantam problemas designadamente em termos de rigor da metodologia.

Assim, a solução para esta questão deve ser procurada considerando um conjunto de medidas de política mas onde os estudos de avaliação das tecnologias deverão ter um papel central. A razão principal é o facto de se estimar que a adopção de novas tecnologias é responsável por mais de metade do ritmo de crescimento da despesa.

Contudo, toda a argumentação desenvolvida parte do pressuposto de que é o consumo de cuidados de saúde que é o principal responsável pela melhoria da Saúde. Tal não é verdade, como McKeown provou. Muito mais importante é melhorar o nível de vida da população e adoptar estilos de vida saudáveis. Ora tal não implica um aumento substancial da despesa em Saúde...

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1 - Veja-se Pinto (1995) para uma discussão mais aprofundada deste tema.

2 - A rede Cochrane foi fundada exactamente para validar as tecnologias utilizadas nas diferentes abordagens terapêuticas. Reúne especialistas de todo o mundo e a sua actividade está documentada em http://www.cochrane.org.

3 - Não confundir sistema (nacional) de saúde com serviço (nacional) de saúde. Quando se refere o primeiro, está a considerar-se o conjunto de todas as unidades de saúde (públicas e privadas) enquanto no segundo se incluem apenas as unidades públicas.

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* Carlos Gouveia Pinto

Professor do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa (ISEG/UTL) e Coordenador de Investigação do Centro de Investigação Sobre Economia Portuguesa (CISEP).

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Referências bibliográficas

GERDTHAM, U.-G. e JÖNSSON, B. – «International Comparisons of Health Expenditure: Theory, Data and Econometric Analysis». In Handbok of Health Economics, Volume 1A, A. Culyer and J. Newhouse (ed.s). Amsterdam: Elsevier, 2000, 11-53.

McKEOWN, T. – The Modern Rise of Population. New York: Academic Press, 1979.

MOSSIALOS, E.; ALLIN, S. e DAVAKI, K. – «Analysing the Greek health system: A tale of fragmentation and inertia». Health Economics 2005; 14: S151-S168.

NEWHOUSE, J. – Medical care costs: How much welfare loss? Journal of Economic Perspectives 1992; 6(3): 3-21.

OCDE, Economic Surveys Portugal 2004. Paris: OCDE, 2004.

PEREIRA, J. A. e PINTO C. G. – Portugal. In Equity in the Finance and Delivery of Health Care: An international perspective, VAN DOORSLAER, E .; WAGSTAFF, A. e RUTTEN, F. (ed.s). Oxford: Oxford University Press, 1993, 181-200.

PINTO, C. G. – «Competition in the health care sector and welfare». APES, Documento de Trabalho 1/95 . Lisboa: Associação Portuguesa de Economia da Saúde.

SEN, A. – Commodities and Capabilities. Amsterdam: North-Holland, 1985.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Despesa total e despesa pública per capita em cuidados desaúde ($EUA em PPP) e respectivas taxas de crescimento médio anual (%)

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