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- JANUS 2009 -



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Saúde em todas as políticas: uma reflexão

José Maria Albuquerque * e Maria do Céu Machado **

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Margaret Chan, Directora-Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), no seu discurso à Assembleia Regional da Europa, em Setembro, exortou os líderes políticos a fazerem da saúde uma preocupação de todas as áreas dos governos – Saúde em Todas as Políticas .

O conceito de Saúde em Todas as Políticas (SeTP) é muito mais do que uma estratégia política de intersectorialidade na saúde.

É a convicção de que os ganhos em saúde dependem de forma indissociável dos estilos de vida de cada indivíduo e do ambiente que o rodeia.

A saúde e a doença dependem de como e em que grau as populações controlam os seus determinantes de saúde, definidos como o conjunto de factores genéticos
e ambientais que são condicionados pelas realidades sociais, económicas e culturais e que influenciam significativamente o seu estado de saúde e bem-estar.

A SeTP é, ainda a garantia de que a saúde é integrada nas iniciativas políticas de outras áreas, que devem ser coerentes com as prioridades das políticas de saúde.

Em 1978, a Declaração de Alma-Ata, sobre Cuidados de Saúde Primários, dá relevo aos determinantes não clínicos e à necessidade de acções transversais a múltiplos sectores como a educação, a habitação e as políticas industriais ou agrícolas. E, em 1986, a Carta de Otawa sobre Promoção de Saúde identifica a paz, a habitação, a educação, a alimentação, a estabilidade do ecossistema, os recursos sustentáveis, a justiça social e a equidade como pré-requisitos chave nos determinantes da saúde. Em 2000, os determinantes da saúde foram também o tema da Presidência Portuguesa da União Europeia (EU). A Presidência Finlandesa, em 2006, retomou a SeTP, dando continuidade à prática de políticas de saúde horizontais, com os ganhos em saúde a resultar do desenvolvimento dos cuidados de saúde preventivos e curativos e também da criação e manutenção de condições de vida e de estilos de vida saudáveis, através da educação em saúde e das oportunidades de escolhas saudáveis.

O recente Livro Branco da Comissão Europeia Juntos para a Saúde , faz eco desse esforço trans-sectorial, conferindo uma centralidade nova à saúde, a nível das políticas regionais e do ambiente, fiscalidade sobre o tabaco, regulamentação de produtos farmacêuticos e alimentares, coordenação dos regimes de segurança social, entre outras políticas e acções essenciais para o crescimento económico, emprego e competitividade, consagradas na Estratégia de Lisboa.

A preocupação de colmatar o fosso em saúde que separa os mais afluentes dos desfavorecidos sob o ponto de vista educacional e social, obrigam a políticas que melhorem o acesso a produtos e serviços promotores de saúde, mas igualmente que promovam a criação e a salvaguarda de ambientes físicos favoráveis. São determinantes complexos que não respondem a um modelo clássico de causa-efeito, pois os resultados não são visíveis de forma imediata.

As políticas sociais devem ser orientadas para a redução das desigualdades das condições (factores de risco) que potenciam a probabilidade de se declarar ou desenvolver uma doença.

 

Os determinantes da saúde

O National Institute of Public Health de Estocolmo avaliou para a população da EU a fracção atribuível a cada um dos principais determinantes na doença salientando-se o consumo de tabaco (9%) e de álcool (8,4%), o excesso de peso (3,7%), os riscos ocupacionais (3,6%) e a pobreza relativa (3,1%), a desigualdade de rendimento (2,1%) e desemprego (2,9%) entre outras.

Outros estudos mais recentes sobre a população mundial consideram cenários de exposição típicos, classificando os determinantes como indirectos (a pobreza ou a desigualdade social), directos e ambientais (dieta e a poluição do ar) ou fisiológicos (tensão arterial ou seropositividade). E ainda desagregados por género, com diferentes níveis de causalidade e abordados nas suas interacções.

A descrição quantificada e pormenorizada da magnitude e distribuição das doenças é fundamental para a elaboração de estratégias de promoção da saúde das populações (padrões de mortalidade, morbilidade e carga de doença) sobretudo na necessidade de ajustar os serviços de saúde nas suas áreas preventivas, curativas ou paliativas. A tentativa de integrar a descrição da exposição das populações aos factores de risco e suas consequências procura promover a ligação entre os determinantes causais da saúde e as diversas disciplinas de saúde pública, como as ciências da vida, as ciências médicas, as ciências naturais as ciências sociais e humanidades.

Nos países desenvolvidos, em que Portugal se insere, as causas principais de perda de qualidade de vida são o tabaco (12,2%), a tensão arterial elevada (10,9%), o álcool (9,2%), os níveis de colesterol elevado (7,6%) e o excesso de peso (7,4%), factores que contribuem para a doença crónica nomeadamente cardiovascular e cancro.

Entre as situações mais frequentes, identificadas como causas da diminuição de Anos de Vida Ajustados à Incapacidade (DALY's), em que a carga da doença é medida por um indicador agregado de morbilidade e mortalidade, encontram-se o baixo peso ao nascer, o sexo desprotegido, a tensão arterial elevada, mas também a inactividade física e em menor grau a poluição urbana.

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A Avaliação de Impacto na Saúde (AIS) e nos Sistemas de Saúde (AISS)

Os estudos de Avaliação de Impacto na Saúde (AIS) e de Impacto nos Sistemas de Saúde (AISS) são um instrumento táctico na estratégia de SeTP, uma vez que alertam os decisores políticos para a potencial repercussão que as iniciativas legislativas, programas ou projectos em sectores exteriores ao da saúde terão na saúde das populações, implicando um esforço de coordenação nos vários ministérios e serviços numa acção coerente.

Na União Europeia, setenta e três de 137 avaliações de impacto estudadas não referiam sequer o termo saúde. A Política Agrícola Comum que nunca foi alvo de AIS e constitui um instrumento de investimento em nutrição saudável, poderá ser um exemplo do que deveria ser feito, uma vez que afecta directamente o tipo e o custo dos alimentos postos à disposição do consumidor. A assimetria de subsídios à produção de lacticínios, quando comparados com os atribuídos à produção de legumes e vegetais, promove a produção e o consumo de produtos com alto teor de gorduras saturadas importando com isso um impacto directo em factores de risco de algumas doenças crónicas.

Recentemente, tem sido dada uma atenção especial ao impacto de políticas sobre os sistemas de saúde. Alterando-se o modo como os cuidados de saúde são organizados, oferecidos e até percepcionados, influencia-se o modo como os seus objectivos de ganhos em saúde das populações serão atingidos. Um exercício piloto abordou, na área da Saúde e Segurança no Trabalho, a futura regulação em perturbações músculo-esqueléticas.

As avaliações de impacto envolvem peritos com perfil de formação e sensibilidades tão diferentes como os de organizações não governamentais, as autoridades locais e os media , tornando-se num instrumento valioso de comunicação e aprendizagem entre os sectores e entre estes e o cidadão. Os promotores de AIS aumentam a sua responsabilização e, através de informação e transparência, dão maior credibilidade às suas decisões.

 

Exemplos sectoriais de saúde em todas as políticas

O Plano Nacional de Saúde português, em execução desde 2004, tem por base a filosofia da SeTP. Além da abrangência dos programas de acção, intersectoriais e com envolvimento da sociedade civil e capacitação do cidadão, prevê o acompanhamento por uma Comissão Plenária que integra representantes não só dos organismos do Ministério da Saúde (MS) como de outros ministérios: da Presidência, do Ambiente, do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional, do Trabalho e da Solidariedade Social e da Educação. Esta Comissão torna possível a execução do PNS de forma transversal, conferindo uma dimensão que ultrapassa o MS.

Um outro exemplo é a saúde dos imigrantes, tema da presidência portuguesa da EU em 2007, com análise extensa dos determinantes da saúde dos imigrantes e factores de iniquidade.

Além das doenças endémicas específicas dos países de origem e das condições de imigração e integração outros factores como a habitação precária, a pobreza extrema, a deficiente nutrição, os baixos níveis de educação e a potencial marginalização e exclusão potenciam a vulnerabilidade à doença, num contexto condicionado de acesso aos cuidados de saúde e ao mercado de emprego. No entanto, em 2001 e de forma precursora, Portugal teve uma iniciativa legislativa que estabelece a universalidade de acesso aos cuidados de saúde e assistência medicamentosa dos imigrantes, no âmbito do Serviço Nacional de Saúde.

 

Reflexão

O aumento da esperança média de vida e da qualidade de vida, o nível elevado de protecção social nos estados-providência, a melhoria dos níveis de educação e dos conhecimentos em saúde em particular e a democratização das sociedades aumentou a expectativa no sistema de prestação de cuidados médicos e nas suas possibilidades.

À medida que a saúde e o bem-estar aumentam, cresce a exigência de ainda melhor saúde e o reconhecimento que a própria sociedade se tornou um ambiente de risco, como exemplificam fenómenos recorrentes de alimentos adulterados, poluição atmosférica, qualidade do ar interior ou más condições nos locais de trabalho, bem como ameaças à saúde, de natureza terrorista ou como grandes pandemias.

Na sociedade moderna, as escolhas saudáveis são mais complexas, com emergência de riscos não expectáveis, sobre os quais o indivíduo não tem controlo. E ainda outros, consequência do próprio progresso da sociedade, como os riscos ambientais.

As contradições inerentes à procura complexa das “causas das causas”, fazem da saúde um elemento prevalente no discurso político e social. A promessa de universalidade e cidadania inclusiva e os fenómenos de exclusão são mais tangíveis e até mais amplamente mediatizáveis, e muitas vezes debatidos segundo os valores e objectivos em saúde, como os binómios público/privado, sistema/serviço.

É muitas vezes através da saúde que se estabelecem identidades políticas e também onde se verifica a expressão da sociedade civil em movimentos e plataformas de reivindicação de espaço negocial, no reconhecimento, prevenção, na investigação em doenças raras ou outras.

A definição de promoção da saúde reconhece as pessoas como actores sociais e agentes e o investimento na sua capacitação como um processo de envolver e responsabilizar o cidadão pela sua saúde.

Que passos se devem dar ao nível do decisor político no sentido de incluir saúde em todas as políticas, melhorando por exemplo os processos de AIS e AISS?

A AIS deve ser obrigatória a nível da EU como acontece com as avaliações de impacto ambiental. Em países como a Inglaterra, qualquer proposta política é previamente discutida e analisada sob três pontos de vista: efeitos nos serviços de saúde, nos determinantes de saúde e nos factores de risco associados aos estilos de vida. Se se considerar que tem efeitos potenciais, é iniciado um processo formal de AIS.

No entanto, as prioridades dos governos e dos sectores estão muitas vezes condicionadas e dependentes de compromissos supra-nacionais. No tratado de Amesterdão, a UE assume a responsabilidade de proteger a saúde em todas as políticas europeias, havendo uma pressão positiva, por exemplo, nas alterações à Política Agrícola Comum, ou reforçando a obrigação legal de, nos relatórios, constarem as implicações em saúde de todas as políticas.

Um exemplo negativo é a provável associação do aumento de incidência, prevalência e mortalidade por tuberculose nos países da ex União Soviética com a adesão a programas de ajuda económica do Fundo Monetário Internacional. Os regimes de austeridade fiscal e contenção de despesa pública, remoção de barreiras alfandegárias, privatizações e cortes de subsídios governamentais acordados como condicionantes de adesão aos programas estariam na base de um desinvestimento na prestação de cuidados de saúde e outros determinantes de saúde, com as consequências referidas.

O que mais uma vez é demonstrativo de que no cenário mundial actual, de crise financeira grave e global, a noção de SeTP é a única forma de evitar que a saúde das populações experimente um retrocesso dos ganhos das últimas décadas, com aumento da mortalidade e da morbilidade.

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* José Maria Albuquerque

Doutorado em Ciência e Engenharia de Materiais pela Lehigh University, EUA. Alto-comissário Adjunto da Saúde. Co-autor do Plano Tecnológico do XVII Governo Constitucional. Perito avaliador da Comissão Europeia nas áreas de Nanotecnologia e Nanociências. Coordenador de vários projectos científicos e tecnológicos do V e VI Programas Quadro de Investigação e Desenvolvimento da Comissão Europeia.

 

** Maria do Céu Machado

Licenciada em Medicina e especialista em Pediatria. Alta Comissária de Saúde. Professora Associada de Pediatria da Faculdade de Medicina de Lisboa. Presidente da Comissão Nacional de Saúde da Criança e Adolescente. Delegada do Board Europeu de Pediatria. Competência em Gestão de Serviços de Saúde e Subespecialidade de Neonatologia pela Ordem dos Médicos. Prémio Bial de Medicina Clínica 2002 e 2006. Prémio de Qualidade Amélia de Mello 2005.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

Link em nova janela Os principais determinantes da saúde

Link em nova janela Proporção da carga da doença total atribuível aos 7 principais factores de risco, região europeia da OMS (2000)

Link em nova janela Anos de vida ajustados à incapacidade UE-27 (2002)

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