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A cidade e a saúde De facto, apesar dos benefícios imputáveis à urbanização, a evidência vem demonstrar que ritmos acelerados de crescimento da população urbana podem ser obstáculo ao desenvolvimento e fazer precipitar os problemas inerentes ao meio ambiente (físicos e sociais). As três principais razões de degradação do ambiente físico são a poluição do ar, a má gestão de resíduos e a contaminação da água potável, com impactes na saúde, medidos na baixa esperança média de vida à nascença e em altas taxas de mortalidade infantil e de crianças de idade inferior a 5 anos, por exemplo. O forte crescimento urbano nos primeiros anos do século XXI parece ser responsável pela inversão da associação positiva entre taxa de urbanização e esperança média de vida que se tinha observado em 1990. A população urbana dos países pobres tem uma carga dupla de problemas de saúde que incluem as doenças transmissíveis e as que, tipicamente, se associam a sociedades economicamente desenvolvidas, como as doenças mentais, as doenças crónicas e os acidentes. As taxas de prevalência destas doenças são elevadas e estão associadas aos determinantes sociais (falta de condições da habitabilidade, por exemplo), aos comportamentos (consumo de álcool e tabaco), estilos de vida sedentários e alteração dos padrões alimentares (1).
Os desafios do século XXI Sendo a população urbana, tendencialmente, mais numerosa do que a rural e tendo o fenómeno da urbanização recente efeitos de sentido contrário, será possível encontrar o ponto de equilíbrio? Conseguir esse equilíbrio é o maior desafio que se colocará à governabilidade urbana, enquanto garante da justiça social e equidade em saúde. Apesar de os países menos desenvolvidos registarem taxas mais baixas de urbanização (40,9%) quando comparados com os países mais desenvolvidos (75,2%), era nos primeiros que residia, em 2001, mais de 2/3 da população urbana (69,3%), com consequências previsíveis na pobreza e vulnerabilidade destas populações. O crescimento acelerado da população nas áreas urbanas e suburbanas requer atenção urgente, principalmente na identificação das questões críticas da saúde pública, associadas às condições do planeamento, ordenamento e gestão do território e, ainda, às alterações climáticas. De facto, nos países em desenvolvimento, o número crescente de migrantes pobres que se deslocam diariamente das áreas rurais para as urbanas, ou entre cidades, potencia conflitos sociais e económicos, com resultados mensuráveis no aumento da pobreza urbana, dos conflitos sociais, da violência e das iniquidades em saúde, se o processo demográfico da urbanização não for acompanhado do desenvolvimento de infraestruturas e serviços adequados ou, ainda, de uma melhor redistribuição da riqueza. A capacidade de resiliência das cidades é uma condição fundamental na redução da pobreza global, especialmente no mundo em desenvolvimento. Quando as infraestruturas são deficientes, os sistemas públicos (ou de acesso público) de prestação de serviços inadequados, e persistem debilidades nos mercados de emprego, ou seja, as oportunidades são limitadas, é difícil construir cidades saudáveis onde seja possível alterar a cadeia dos determinantes da pobreza/doença/pobreza. Os desafios que se colocam à saúde, em consequência da intensa e rápida mobilidade e transformação demográfica que se intensificará no século XXI, exigem soluções inovadoras e adequadas de acordo com as especificidades das regiões, países e grupos populacionais. Sendo a saúde (ou a contrario a doença) determinada por uma ampla gama de factores, envolvendo todos os sectores da sociedade, as soluções para os problemas da saúde nas cidades são de âmbito transversal e atingir uma urbanização sustentável e saudável no mundo é uma responsabilidade que deve ser partilhada por todos. A saúde deve ser colocada no centro da agenda política e social das cidades. Em alguns países desenvolvidos, os elevados níveis de esperança média de vida à nascença foram atingidos porque as políticas públicas foram desenhadas e implementadas no sentido de conhecer e intervir sobre os determinantes sociais, económicos e políticos da saúde. Melhores condições de habitação, saneamento, disponibilidade de água potável, segurança ambiental nos locais de trabalho, recreio e residência, acesso a serviços de saúde e de educação e redes adequadas de transportes públicos são alguns exemplos dos determinantes sociais da saúde que podem ser atingidos através de uma boa governação urbana. A diminuição das iniquidades em saúde e a erradicação das condições materiais e imateriais de pobreza e privação em áreas urbanas e suburbanas requerem e exigem recursos – ajudas, investimentos públicos e privados – e, em simultâneo, um forte comprometimento em melhorar a governação urbana, sendo o planeamento urbano um processo-chave para que seja possível criar os suportes ambientais – físicos e sociais – para a sustentabilidade e equidade em saúde. Todavia, ainda está longe de existir um compromisso social e político de avaliação e monitorização de impactes dos determinantes do ambiente físico e social na saúde das populações e das comunidades urbanas, numa perspectiva inter-sectorial (habitação, educação, transportes, segurança, indústria, turismo, agricultura, etc.) e de multi-nível (cidadãos/comunidade/país/região). A complementaridade de acções e a comunicação entre as instituições/departamentos governamentais e não governamentais tem sido fraca nos países do Norte e do Sul. Por outro lado, é necessário que as instituições locais tenham poder, responsabilidades, recursos e capacidades para levar avante uma «gestão urbana saudável». Desde os anos 70 que se sabe que os serviços de saúde são insuficientes, por si só, para obter ganhos em saúde. A declaração de Alma-Ata, há precisamente 30 anos, chamava a atenção para o papel das várias instituições e sectores de actividade na prevenção da doença e na promoção da saúde, principalmente nos países de maior vulnerabilidade económica e social. O que tem vindo a acontecer, na prática, é a canalização de investimentos sobretudo em serviços de saúde curativos, focados em doenças específicas. É necessário expandir a avaliação, o planeamento e as acções de saúde pública para além do campo restrito do sector da saúde. A comemoração dos 30 anos de Alma-Ata poderá ser a rampa de lançamento para colocar em prática as orientações então preconizadas. As acções inter-sectorais serão possíveis através do esforço conjunto, de instituições e governos, na comunicação e coordenação de actividades, com o objectivo de obter mais ganhos e maior equidade em saúde. Por exemplo, o aumento dos níveis de educação, principalmente das mulheres, tem efeitos positivos directos na saúde da população e das comunidades, particularmente na redução das mortalidades materna e de crianças. Em 1985, alguns anos após Alma-Ata, a OMS adopta o tema «cidades saudáveis», sublinhando que população saudável não é apenas a que tem acesso aos cuidados de saúde mas, fundamentalmente, a que tem oportunidade de viver em contextos saudáveis e prósperos, participando activamente na vida da comunidade (2). Hoje, o movimento das cidades saudáveis inclui projectos em mais de 1000 cidades em todo o Mundo. Em Portugal, contam-se 21; a primeira a aderir foi a Amadora, em 1994.
O planeamento urbano não é um luxo, é uma necessidade A saúde associada ao planeamento urbano tem ganho cada vez mais espaço nos fora de discussão académica e política. A influência do contexto na saúde é complexa e holística, porque o contexto é formado por múltiplos ambientes: o físico, o social, o económico e o cultural. Estes ambientes desdobram-se em diversos factores, de que se destacam a poluição atmosférica, a qualidade da água, o capital social, as oportunidades locais (de bens e serviços), entre outros. Planear lugares mais saudáveis, capazes de promover a saúde e a qualidade de vida dos seus habitantes é não esquecer nenhuma destas dimensões. Hoje, o centro/eixo nas políticas de ordenamento do território e planeamento urbano, além dos aspectos tradicionais, eminentemente físicos (traçado de vias e meios de comunicação, por exemplo), deverá relevar dimensões imateriais (percepção da segurança, sentido de pertença a um lugar, confiança, solidariedade, comunhão/participação/relação, etc.) e de equidade; de bem comum como síntese da ordem e da justiça. Neste contexto, devem ser equacionadas novas metodologias e práticas que incorporem as questões das iniquidades na redistribuição da riqueza produzida, na subsidiariedade, na justiça social, nos níveis de saúde e bem-estar das populações, na qualidade de vida, na qualidade do ambiente, enquanto princípios básicos do planeamento urbano do século XXI. É como um retomar da Polis para satisfação do bem-viver, o(s) bem(ns) comum(ns) ou Eu-Zeinas, visando a felicidade possível do Homem no Mundo, de acordo com Aristóteles, no seu livro «A Política». Na cidade, hoje, vivem e convivem as mais variadas contingências, contradições/oposições (a fome e a abundância; os muito pobres e os muito ricos; os bem informados e os mal informados, ...) com consequências por vezes imprevisíveis, na segurança e na sustentabilidade da própria vida n(d)a cidade. Para planear é preciso identificar com precisão as características ambientais que, potencialmente, determinam o bem-estar e a qualidade de vida humana. De acordo com Charles Landry (3) (2006), «[...] the challenge for all professions concerned with the city [...], is to look for the city trough the prism of health [...], para que viver na cidade seja um factor de aperfeiçoamento e não de degradação da vida humana. Enfim, para que seja possível contar uma nova história da cidade!Informação Complementar Um mundo sonhado Se os desafios que se colocam no início do século XXI à(s) cidade(s) foram ultrapassados poderemos esperar viver, em 2040, num mundo «sonhado» por Fran Baum (4), em 2008: Os cidadãos globais deixaram de olhar para o crescimento económico como medida do seu progresso, preferindo-lhe o bem-estar humano, a saúde, a felicidade e a disseminação da equidade. O consumismo dominante dos finais do século XX e dos princípios do século XXI é encarado como um período de loucura. Em 2040, a satisfação resulta da convivialidade, da visita a locais de beleza natural, de manifestações artísticas ao vivo, da slow food , entre outras. Os recursos naturais são utilizados com cautela e parcimoniosamente e a reciclagem está na moda entre os jovens, fazendo parte dos hábitos adquiridos.1 - MONTGOMERY, M., 2008 – «The Health of Urban Populations in Developing Countries». United Nations Expert Group Meeting on Population Distribution, Urbanization, Internal Migration and Development. UN/POP/EGM-URB/2008/11, 14 de Janeiro, Nova Iorque. 2 - HARPHAM, T; BURTON, S; BLUE, I., 2001 – «Healthy City Projects in Developing Countries: The First Evaluation», Health Promotion International, Vol. 16, n.º 2, pp. 111-125. 3 - LANDRY, C., 2006 – The Art of City Making. Londres: Earthscan, p. 319. 4 - BAUM, F., 2008 – The New Public Health (Third Edition). Oxford: University Press, p. 583. * Paula Santana Investigadora e Professora Catedrática do Instituto de Estudos Geográficos da Universidade de Coimbra. Docente e investigadora nas áreas da Geografia da Saúde e Planeamento Urbano Sustentável. Indicadores de urbanização e de saúde
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