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Existe um certo consenso de que as migrações representam uma grande oportunidade para a União Europeia. Considera-se que irão contribuir para afrouxar o processo de envelhecimento populacional, contrariar a implosão demográfica e promover o potencial económico pelo aumento da população em idade activa. No entanto, a abertura à imigração pode representar um outro desafio: emergem novas necessidades, aos vários níveis institucionais, a população torna-se mais heterogénea e em constante movimento, exigindo a adaptação a um contexto de coexistência sociocultural.
As Migrações e a saúde Ao focalizar na «saúde e nas migrações na União Europeia», é necessário considerar, em primeiro lugar, que se trata de uma questão de direitos humanos e de não-discriminação, tal como está consagrado na carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. É também indispensável considerar as desigualdades no acesso aos cuidados de saúde e os determinantes da saúde. Principiaremos por salientar as condições de estabelecimento no país de destino, isto é, as circunstâncias em que decorreu o processo migratório, desde a partida até à instalação no país de acolhimento, e considerar as segundas e terceiras gerações. Esta trajectória representa a especificidade das populações migrantes. Determinadas doenças são específicas de certas regiões do mundo, como a malária ou a febre-amarela. Os emigrantes estão expostos ao risco de infecções de doenças das regiões de onde vieram, não por causa de uma vulnerabilidade biológica particular mas devido às circunstâncias vividas no país de origem. A viagem é frequentemente traumática e processa-se em condições de privação e medo, particularmente entre refugiados e vítimas de tráfico. Na União Europeia, as circunstâncias não têm sido favoráveis à entrada e fixação de migrantes, originando maior vulnerabilidade e riscos para a saúde. As questões legais relacionadas com a imigração criam dificuldades e barreiras ao acesso aos cuidados de saúde. As situações de ilegalidade, muito frequentes, traduzem precariedade, más condições de trabalho e maiores riscos para a saúde. Toda esta complexidade representa também um desafio para as sociedades de acolhimento ao nível dos sistemas escolar, de segurança social e de saúde. Confrontam-se com comunidades vulneráveis e altamente diferenciadas. Por outro, lado também os efeitos da globalização estão a ter um importante impacto no risco de contrair doenças, infecciosas e não infecciosas, não só pela mobilidade populacional atribuível às migrações como também devido ao turismo e aos movimentos de animais e de produtos alimentares (R. WEISS, 2008). Tal como a mobilidade humana, também os alimentos viajam agora do local onde são cultivados ou criados para a mesa e o prato de quem os consome, percorrendo grandes distâncias. Também as alterações climáticas têm contribuído para estimular os movimentos migratórios, concorrendo para alterar o padrão de certas doenças infecciosas, tal como tem acontecido na Europa. Os imigrantes podem representar uma fonte de contágio como portadores da doença e constituir-se como reservatórios da nova doença. Acontece com os parasitas humanos da malária que se propagam através dos mosquitos europeus (R. WEISS, 2008). Uma outra dimensão das migrações diz respeito às doenças genéticas próprias de determinados grupos humanos. Mas o que caracteriza actualmente o fenómeno na Europa é o conjunto das circunstâncias em que decorre a migração e o estabelecimento no país de acolhimento que criam novos padrões de exposição ao risco. Nos casos particulares das doenças transmissíveis, como a tuberculose, a hepatite, o HIV e outras infecções sexualmente transmitidas, a evidência aponta para uma mistura da história passada de saúde, incluindo um esporádico acesso a cuidados de saúde de qualidade, e para as circunstâncias em que alguns emigrantes, especialmente os ilegais, vivem nos países de acolhimento. A tuberculose é um sério problema de saúde na União Europeia e, pelo facto de ter sido uma doença eficazmente controlada no passado, representa um grande desafio europeu face aos níveis de prevalência atingidos. Nas populações infectadas com HIV/SIDA, a tuberculose tornou-se a principal causa de morte. Também fora da Europa, na região subsariana, entre 1990 e 2005, a incidência de tuberculose triplicou em países com alta prevalência de HIV/SIDA. A tuberculose transformou-se numa infecção relacionada com o HIV. Foi sempre considerada uma doença da pobreza, apesar de nem todos os que a contraíam serem pobres. Actualmente, continua associada às condições de pobreza, mas agora nas populações migrantes, particularmente as que têm origem em países ou regiões com elevados níveis de prevalência, factor que, associado a dificuldades no acesso a cuidados de saúde, amplia o risco de infecção e contágio (M. CARBALLO, 2007-1). Um estudo sobre as condições de vida de imigrantes oriundos de Cabo Verde para Portugal evidencia as más condições de habitabilidade em que vivem: um terço das casas improvisadas não tem água canalizada, 19% não tem cozinha independente e 13% não tem sequer instalações sanitárias ou electricidade (M. CARBALLO, 2007-1). A hepatite é também uma doença infecciosa que está relacionada com situações ambientais degradadas, deficientes condições sanitárias e densificação populacional, que são as condições que os imigrantes frequentemente encontram. Além destes factores, higiene e condições sanitárias, o volume crescente de imigrantes oriundos de zonas onde a hepatite é endémica e onde não existe profilaxia, origina um aumento do número de casos na Europa. As viagens de turismo também constituem factor de risco, principalmente as que têm como destinos os países com elevada prevalência da doença. Embora, historicamente, as medidas relativas à saúde de imigrantes se tenham orientado para as doenças transmissíveis, a situação emergente na União Europeia (e noutras partes do mundo) sugere que as doenças não transmissíveis e os problemas de saúde crónicos estão a transformar-se, muito rapidamente, num grande desafio para os imigrantes e para os sistemas de saúde dos países de acolhimento. Ao longo da última década, tornou-se claro que, dependendo dos países de origem e da qualidade da adaptação aos novos ambientes, alguns emigrantes correm um risco mais elevado do que as populações locais de desenvolver uma doença cardiovascular, hipertensão ou diabetes do tipo 2. Esta nova realidade, relativa às doenças crónicas, leva-nos a afirmar que a elevada mobilidade humana das últimas décadas tem contribuído para alterar o padrão epidemiológico das doenças no continente europeu. (M. CARBALLO, 2007-2)
Desafios para os sistemas de saúde na União Europeia A maioria dos países europeus não dispõe da informação necessária e adequada ao desenvolvimento de políticas de saúde que tenham em conta a diversidade étnica e cultural das populações migrantes. O problema é, em primeiro lugar, de ordem conceptual e coloca em confronto a ambiguidade de conceitos como raça, etnia, migrante, nacionalidade e cidadania. Existe já algum consenso na organização de fontes de informação para a utilização da designação «país de nascimento» e «país de nascimento dos pais». São vários os factores que determinam a acessibilidade e a utilização dos cuidados preventivos e curativos de saúde. A sensibilidade cultural e a capacidade de comunicação através da mediação linguística são algumas das barreiras informais que dificultam o acesso dos imigrantes aos cuidados de saúde. As boas práticas no domínio da prestação de cuidados de saúde indicam que os sistemas de saúde deverão integrar profissionais das várias minorias étnicas como intermediários (intérpretes, mediadores culturais e profissionais de saúde) que, como prestadores de cuidados, deverão melhorar a acessibilidade aos cuidados de saúde, o que contribuirá também para uma melhor integração dos indivíduos na sociedade com impactos positivos na saúde. É desejável facilitar o acesso aos cuidados de saúde e melhorar a continuidade de cuidados às populações migrantes após uma intervenção aguda, nomeadamente ao nível preventivo, dos cuidados de saúde primários. Em Portugal, tal como noutros países europeus, os imigrantes têm acesso ao Sistema Nacional de Saúde mediante a apresentação de documentação comprovativa de residência, de permanência ou de visto de trabalho. O Plano Nacional para a Integração dos Imigrantes (Resolução do Conselho de Ministros n.º 63-A/2007, Série I) define um roteiro de compromissos concretos que afirma o Estado como sendo o principal aliado da integração dos imigrantes e, que reconhece o contributo económico, social e cultural dos imigrantes e que assume o compromisso pelo bom acolhimento e pela integração plena das comunidades imigrantes na sociedade portuguesa. Na saúde, propõe-se promover o acesso dos imigrantes aos cuidados de saúde através de uma grande diversidade de acções de formação de profissionais e de mediadores culturais e na promoção do acesso à saúde de estrangeiros em situação irregular.Informação Complementar Carta dos direitos fundamentais na União Europeia Artigo 34.º Segurança social e assistência social 1. A União reconhece e respeita o direito de acesso às prestações de como a maternidade, doença, acidentes de trabalho, dependência ou velhice, bem como em caso de perda de emprego, de acordo com o direito comunitário e as legislações e práticas nacionais. 2. Todas as pessoas que residam e que se desloquem legalmente no interior da União têm direito às prestações de segurança social e às regalias sociais nos termos do direito comunitário e das legislações e práticas nacionais. 3. A fim de lutar contra a exclusão social e a pobreza, a União reconhece e respeita o direito a uma assistência social e a uma ajuda à habitação destinadas a assegurar uma existência condigna a todos aqueles que não disponham de recursos suficientes, de acordo com o direito comunitário e as legislações e práticas nacionais. Artigo 35.º Protecção da saúde Todas as pessoas têm o direito de aceder à prevenção em matéria de saúde e de beneficiar de cuidados médicos, de acordo com as legislações e práticas nacionais. Na definição e execução de todas as políticas e acções da União, será assegurado um elevado nível de protecção da saúde humana. (2000/C 364/01), PT 18.12.2000, Jornal Oficial das Comunidades Europeias C 364/1.
Acesso à saúde por parte dos imigrante (Portugal) 1. É facultado aos cidadãos estrangeiros que residam legalmente em Portugal o acesso, em igualdade de tratamento, aos beneficiários do Serviço Nacional de Saúde, adiante SNS, aos cuidados de saúde e de assistência medicamentosa, prestados pelas instituições e serviços que constituem o SNS. 2. Para efeitos de obtenção do cartão de utente do SNS, instituído pelo Decreto-Lei n.º 198/95, de 29 de Julho, na redacção que lhe foi dada pelos Decretos-Lei n.º 468/97, de 27 de Fevereiro, e n.º 52/2000, de 7 de Abril, deverão os cidadãos estrangeiros exibir, perante os serviços de saúde da sua área de residência, o documento comprovativo de autorização de permanência ou de residência, ou o visto de trabalho em território nacional, conforme as situações aplicáveis. Despacho n.º 25.360/2001. * Ana Alexandre Fernandes Doutorada em Sociologia/Demografia. Professora Associada com Agregação no Departamento de Saúde Pública da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. Em 2007 foi a responsável científica da organização da Conferência Europeia sobre Saúde e Migrações no âmbito da Presidência Portuguesa da União Europeia. Referências bibliográficas CASTLES, S., 2005 – Globalização, Transnacionalismo e Novos Fluxos Migratórios. Dos trabalhadores Convidados às Migrações Globais, Fim de Século. CARBALLO, M., 2007-1 – «Communicable Diseases», in FERNANDES, A., CARBALLO, M., MALHEIROS, J., MIGUEL, J. P. (Editores) – Challenges for Health in the Age of Migration , Pro-Brook Ed., Londres (pdf). CARBALLO, M., 2007-2, «Non-Comunicable Diseases», in FERNANDES, A., CARBALLO, M., MALHEIROS, J., MIGUEL, J. P. (Editores) – Challenges for Health in the Age of Migration, Pro-Brook Ed., Londres (pdf). DIAS, S., GONÇALVES, A., LUCK, M., FERNANDES, J., 2004 – «Risco de Infecção por VIH/SIDA e Utilização/Acesso aos Serviços de Saúde Numa Comunidade Migrante», Acta Médica Portuguesa, 17: 211–218. MALHEIROS, J., NUNES, S., POSSIDÓNIO, D., 2007 – «Immigrants in the European Union – Features, Trends and Vulnerabilities», in FERNANDES, A., CARBALLO, M., MALHEIROS, J., MIGUEL, J. P. (Editores) – Challenges for Health in the Age of Migration, Pro-Brook Ed., Londres (pdf). PICUM, 2007 – Undocumented Migrants Have Rights, disponível em: http://www.picum.org SALT, J., 2001 – Current Trends in International Migration in Europe, CDMG (2001) 33 – Council of Europe. WEISS, R., 2008 – «Impact of Migration on Infectious diseases: Conclusions drawn from EASAC Working Group», in Health and Migration in EU. Conference Proceedings, ed. of Ministry of Health of Portugal. Variação anual do total de stocks de estrangeiros (2001-2005)
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