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- JANUS 2009 -



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Biomedicina na prevenção, diagnóstico e terapia de doenças

Tiago Fleming Outeiro *

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Desde que o Homem povoou a Terra que procura compreender a origem da sua existência. No ano 2000, assinalou-se um marco notável na história da Biologia, mas também da Humanidade: foi apresentada a primeira versão do código da vida humana – a sequência de DNA que constitui o genoma humano. As cerca de 3x109 (3 mil milhões) de bases de DNA que constituem o genoma humano formam os cerca de 25 mil genes que ditam se somos altos ou baixos, de cabelo claro ou escuro, ou se somos portadores de alguma doença hereditária.

Os menos conhecedores destes assuntos podem ter pensado que este marco histórico iria resultar na descoberta, quase que imediata, da cura para doenças fatais que afectam a espécie humana, como o cancro, as doenças cardiovasculares ou doenças infecciosas ou neurodegenerativas. Mas enganaram-se profundamente. Vários anos depois, e apesar dos avanços verificados, continuamos sem ter essas curas, e temos talvez mais perguntas do que respostas.

Mas a biologia moderna tem permitido identificar muitos factores genéticos associados com determinadas patologias ou que influenciam a acção de medicamentos já existentes. Temos assistido a avanços importantes e significativos, e devemos estar confiantes em que, um dia, seremos capazes de intervir de forma eficaz e evitar a morte causada por muitas das doenças que hoje nos preocupam.

A biomedicina, que procura integrar os conhecimentos biológicos e aplicá-los à medicina por forma a explicar a base molecular da saúde e da doença, tem agora prestado maior atenção a outras moléculas biológicas que não o DNA. Estas incluem as proteínas, os lípidos, os açúcares ou os diferentes metabolitos formados em cada tipo de células do organismo. Novas disciplinas emergiram, integrando todos estes conhecimentos, e ouvimos frequentemente falar de genómica, proteómica, ou mesmo metabolómica, entre outras. No seu conjunto, procuram identificar o funcionamento da vida e as causas moleculares das diferentes doenças, identificar as possibilidades de intervenção, e depois desenvolver e aplicar terapêuticas eficazes.

Todas as doenças são influenciadas por um variado número de factores que incluem, por um lado, factores ambientais ou externos, como as radiações, os agentes infecciosos como virús e bactérias, a idade, a alimentação, o stress , etc., e, por outro lado, a predisposição genética, que faz com que o nosso organismo responda aos estimulos ambientais de uma determinada forma. E é precisamente nesta interface, entre o ambiente e os genes, que os medicamentos exercem os seus efeitos, pelo que é essencial que procuremos perceber onde e como podemos intervir para prevenir as diferentes patologias.

O reconhecimento de que uma determinada doença pode ter causas distintas apesar de apresentar os mesmos sintomas não é um conceito novo. A novidade é que a biomedicina tem permitido examinar as diferenças genéticas entre os pacientes e assim contribuir para a personalização dos tratamentos. A farmacogenética é uma área que já existe há várias décadas, mas só recentemente, com o desenvolvimento da biomedicina e das técnicas em que se baseia, tem permitido aplicar estes conhecimentos à prática clínica.

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Envelhecimento e biomedicina

A população mundial tem vindo a assistir a um aumento progressivo da esperança média de vida, resultante da combinação entre as melhorias de cuidados de higiene e novas e mais eficazes terapêuticas. Portugal tem acompanhado esta tendência, como seria de esperar, sendo evidente um «envelhecimento» da população, que resulta também de facto de se ter verificado uma acentuada quebra na taxa de natalidade. Esta é uma realidade, que não devemos encarar como sendo «má», mas que altera os paradigmas a que estávamos habituados. Altera também o equilíbrio dos sistemas de segurança social e implica que sejamos capazes de encontrar alternativas para os tornar sustentáveis.

Várias doenças do «envelhecimento» têm emergido como graves problemas socio-económicos, abalando as actuais estruturas de saúde pública em diversos países. Entre estas doenças incluem-se as neurodegenerativas, como Alzheimer, Parkinson, Huntington, ou a nossa conhecida «doença dos pezinhos», para referir apenas algumas. Algumas destas doenças manifestam-se, normalmente, depois dos 50 ou 60 anos, apesar de poderem surgir bastante mais cedo quando alterações genéticas ou factores ambientais assim o determinam. Através das novas disciplinas já referidas anteriormente, espera-se que a biomedicina possa vir a dar resposta a estas graves doenças.

Mas a biomedicina tem-se revelado também essencial para a compreensão dos mecanismos moleculares subjacentes ao processo de envelhecimento. A ideia de que o envelhecimento era apenas uma inevitabilidade da vida, resultante do acumular de «defeitos» e mutações, tem sofrido importantes alterações. Actualmente, pensamos que o envelhecimento é um processo regulado, que resulta de uma forte interacção entre os genes e o ambiente, mas que poderemos vir a ser capazes de modular. No laboratório, a investigação tem permitido aumentar significativamente a esperança de vida de vários animais, abrindo as portas para que, um dia, estratégias semelhantes possam ser aplicadas ao Homem. No entanto, devemos ter consciência de que os sistemas biológicos parecem apresentar algumas limitações intrínsecas, pelo que será improvável que a biomedicina venha a produzir um «elixir» da juventude capaz de nos tornar eternos.

 

A biomedicina na prevenção de doenças

Uma área fundamental para a prevenção de qualquer doença é a possibilidade de prever o seu aparecimento o mais antecipadamente possível. Sabemos actualmente que a maior garantia de sucesso de qualquer terapêutica é o seu início precoce, nas fases ainda iniciais das doenças. E mesmo naquelas para as quais ainda não existem terapêuticas eficazes, importa sermos capazes de prever o seu aparecimento para que nos possamos adaptar às consequências dramáticas que muitas vezes lhes estão associadas. Assim, a biomedicina tem também dedicado uma enorme atenção ao desenvolvimento de testes preditivos, baseados na utilização de amostras biológicas como o sangue, a saliva, a urina, o líquido céfalo-raquidiano, ou outros tecidos. Vários avanços importantes têm sido registados e muitos prometem vir a acontecer proximamente, principalmente devido à utilização de técnicas que permitem utilizar quantidades muito reduzidas de amostras.

A biomedicina moderna envolve também a criação e utilização de conjuntos alargados dessas amostras biológicas, conhecidas como biobancos. Estas são colhidas, por médicos ou outros profissionais de saúde, com o consentimento dos seus dadores. São depois processadas e armazenadas nas condições necessárias para assegurar a sua utilização futura. Numa base de dados informática é armazenada a informação clínica relevante relativamente ao dador de cada amostra, sendo que a identificação de cada dador é preservada para assegurar a sua privacidade. Só desta forma, através da utilização de biobancos, é possível realizar estudos epidemiológicos com a dimensão necessária para a produção de resultados relevantes. Vários países por todo o mundo, como a Islândia, os Estados Unidos da América, a Suécia, o Reino Unido, ou mesmo a Espanha, estão bastante avançados nestes esforços, tendo biobancos nacionais, representativos de toda a população. A construção de biobancos constitui um esforço considerável, quer a nível económico, quer a nível de recursos humanos, e necessita por isso do apoio de diferentes parceiros: os governos, a indústria farmacêutica, os fornecedores de equipamentos, etc. Portugal só agora começa a dar os primeiros passos significativos nesta área, necessitando ainda de atrair a atenção do governo no sentido de criar uma estrutura de dimensão nacional que possa servir os interesses do País, permitindo também que possamos funcionar como parceiros em estudos de dimensão internacional.

 

Caminhos para o futuro

A biomedicina moderna implica, como já vimos, o recurso a novas disciplinas que emergiram do forte desenvolvimento tecnológico, que permite recolher e processar enormes quantidades de informação acerca do funcionamento das moléculas biológicas no interior das células, e de como estas respondem como um todo em diferentes situações de saúde e em indivíduos com diferentes makeups genéticos. Mas a biomedicina implica também o recurso a disciplinas mais tradicionais, como a fisiologia, no sentido de explicar o funcionamento do organismo como um todo com base nos conhecimentos moleculares sobre os genes, proteínas e outras moléculas. É cada vez mais importante que sejamos capazes de perceber como os diferentes sistemas de órgãos se encontram integrados no contexto do organismo. Assim, a biologia de sistemas, de que tanto ouvimos falar actualmente, não é mais do que uma biologia integrativa que alia a «velha» fisiologia à biomedicina, procurando ser assim transversal, dos átomos aos orgãos, estando posicionada para investigar mecanismos moleculares e os traduzir e aplicar no contexto do órgão, do organismo, e do paciente.

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Informação Complementar

Investigação e translação

Para melhorar a saúde humana, as descobertas científicas têm de ser traduzidas em aplicações práticas. Essas descobertas começam normalmente nas bancadas do laboratório com a investigação básica, onde os cientistas estudam as doenças a um nível molecular ou celular, progredindo depois para o nível clínico, literalmente até à cama do paciente.

A investigação básica, realizada nos laboratórios de investigação, constitui a base do conhecimento que é depois utilizado para o desenvolvimento de aplicações práticas no nosso dia-a-dia. Na biomedicina, como noutras áreas, é essencial que a investigação básica se aproxime da clínica, para que se possa traduzir em novas estratégias terapêuticas. Esta ligação não é unidireccional, sendo importante que os investigadores clínicos procurem também estabelecer ligações com os investigadores básicos para que, em conjunto, possam desenvolver melhores modelos laboratoriais onde estudar as diferentes patologias de uma forma ainda mais fidedigna, para assim poderem novamente desenvolver melhores estratégias de intervenção. A este processo chama-se investigação de translação.

A investigação de translação tem mostrado ser um processo poderoso para impulsionar a investigação clínica. No entanto, uma infraestrutura de investigação ainda mais forte poderia fortalecer e acelerar esta área crítica da investigação clínica, pelo que será essencial que Portugal se posicione nesta área por forma a maximizar as potencialidades das suas instituições de investigação, de ensino, e dos seus hospitais. O Conselho Português de Bioética está presentemente a concluir um livro sobre investigação biomédica que incluirá um capítulo sobre investigação de translação, o que ilustra a atenção que começa a ser dispensada a este assunto.

A evolução desta área em Portugal tem sido notória, com os laboratórios associados a desempenharem um papel fundamental.

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* Tiago Fleming Outeiro

Investigador e Director da Unidade de Neurociência Celular e Molecular do Instituto de Medicina Molecular e Prof. Auxiliar no Instituto de Fisiologia, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Sub-director do jornal online de ciência “Ciência Hoje”.

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Dados adicionais
Gráficos / Tabelas / Imagens / Infografia / Mapas
(clique nos links disponíveis)

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Link em nova janela Evolução demográfica em Portugal entre 1960 e 2000

Link em nova janela Laboratórios associados na área da biomedicina em Portugal

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