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Esta situação estende-se a numerosos comportamentos quotidianos, como, por exemplo: será o uso do telemóvel nocivo para a saúde, em especial das crianças? A tinta usada para colorir o cabelo pode provocar o cancro? Que podemos fazer para actuar sobre o aquecimento global e as ameaças ao meio ambiente? Desde os anos 80 do século XX, assistiu-se a uma evolução do conceito de Comunicação do Risco. Até aí, baseava-se na informação directa e o mais simplificada possível do público sobre os riscos das diversas situações da sua vida diária. Por várias razões, de que se salientam o facto de a saúde e a segurança terem passado a ser das principais preocupações das sociedades desenvolvidas, a flutuação na confiança sobre as decisões políticas que podem ter impacto sobre a saúde e a segurança e algum grau de suspeição na capacidade da ciência e da técnica, a partir dos anos 80, o público passou a exigir mais informação do que a que era tradicionalmente disponibilizada. A Comunicação do Risco passou a ser entendida como um processo dinâmico de diálogo constante entre os diversos intervenientes: cidadãos, cientistas, decisores políticos, empresários, jornalistas. As partes interessadas trocam de forma permanente informação sobre a natureza, magnitude e controlo do risco. Os meios de comunicação social e o público dão grande importância às questões de saúde pública, de segurança e do meio ambiente e desejam ser parte activa nas decisões que reivindicam, que devem ser completamente transparentes. Nem sempre a percepção de risco é consensual. Por vezes, a preocupação do público em relação a diversos problemas é menor do que o que os peritos consideram razoável, enquanto em relação a outros tipos de problemas é desmesurado relativamente ao que os especialistas julgam ser apropriado. Pelas razões expostas, a Comunicação de Risco tem-se afirmado como uma área científica e social de grande importância que exige conhecimentos e recursos consideráveis e tem um papel fundamental no quotidiano das sociedades actuais.
Percepção do risco Como avaliamos as situações de modo a considerá-las de risco ou não? Porque existem diferenças individuais tão marcadas nesta avaliação? A diversidade individual, social e cultural influencia fortemente a avaliação de risco feita pelos indivíduos às diferentes opções do quotidiano. Esta diversidade de avaliação estende-se ao género e à idade e acompanha todas as outras componentes do indivíduo. Estudar a forma como as pessoas entendem e gerem o risco nas suas vidas tornou-se uma importante área de investigação, em muitos campos da vida em sociedade, nomeadamente, em saúde pública. A percepção de risco tem, também, implicações colectivas que influenciam decisões importantes para as sociedades. Nos anos 60 e 70 do século XX, a oposição à energia nuclear por uma parte importante da população de vários países resultou na recusa desses países em aderirem à energia nuclear. Os perigos inerentes ao uso do automóvel, de um transporte público como o avião, da exposição ao sol, da prática de determinados desportos, do consumo de tabaco ou de comida com elevados teores de gordura, sal ou açúcar são avaliados individualmente a partir do conjunto de informações que uma pessoa dispõe. David Byrne, Comissário Europeu para a Saúde e Protecção do Consumidor, considerava, em 2003, ser muito paradoxal o comportamento do consumidor, que tem grandes níveis de preocupação com os resíduos nos alimentos mas que, numa percentagem considerável, negligencia as normas básicas de higiene, como lavar as mãos. Devido a esse facto, estima-se que, na União Europeia, aconteçam anualmente 200 mortes e 160 000 casos de doença por salmonela. Num estudo de 2003 sobre a auto e hetero-imagem dos condutores portugueses, verifica-se que 84% dos inquiridos considera-se cuidadoso, prudente, bom condutor, atento, seguro, responsável, tranquilo e calmo, enquanto esses mesmos inquiridos avaliam que 92% dos outros condutores são imprudentes, irresponsáveis, agressivos, perigosos, com má índole e falta de civismo na forma de conduzir. Esta perspectiva remete a possibilidade do acidente para uma causa externa que desculpabiliza o indivíduo sobre a possibilidade de controlo do risco. O comportamento humano depende mais das percepções que dos factos. As percepções não seguem padrões científicos e dependem de características individuais e culturais. Actualmente, existe muita informação contraditória sobre situações que são de grande complexidade, ambiguidade e incerteza. A globalização com a informação disseminada por todo o planeta, em tempo real, torna praticamente impossível esconder do público qualquer acontecimento. O aumento de pessoas que viajam em lazer ou em trabalho por todo o mundo, o desenvolvimento tecnológico e o crescimento urbano intensificam as trocas e partilhas de informação. Em todo o globo são noticiadas situações que preocupam e assustam o público. Os ataques terroristas têm acontecido em locais inesperados de zonas urbanas densamente frequentadas, como foi o caso das torres gémeas de Nova Iorque, em Setembro de 2001, ou nos comboios da rede ferroviária de Madrid, em Março de 2004. As doenças podem viajar com rapidez através dos seus portadores desde um país distante. Surgiram doenças que eram até agora desconhecidas, provocadas por novos microrganismos: vírus, bactérias e priões. A gripe das aves, a encefalopatia espongiforme bovina (BSE) e a doença de Creutzfeld Jacob, o vírus Ébola e a síndroma respiratória aguda grave (SARS), que tiveram grande visibilidade nos diversos meios de comunicação social e que afectaram o quotidiano de indivíduos e países, tendo muitos governos criado comissões e grupos de trabalho para preparar as formas de reacção à eventual possibilidade de surgimento de epidemias relacionadas com estas doenças, foram, na Europa, situações de uma magnitude zero ou muito inferior ao receio que desenvolveram. A tecnologia tem criado situações que provocam bastante polémica em vários países, como é caso dos alimentos geneticamente modificados, pela possibilidade de serem nocivos à saúde humana provocando alergias e outros tipos de problemas e, mais recentemente, os biocombustíveis produzidos a partir de plantas, que são considerados uma das alternativas aos combustíveis fósseis, por poderem causar a destruição de florestas, a fome em vários países, e, possivelmente, sem contribuírem para melhorar o ambiente, uma vez que concorreriam para o aumento das emissões de dióxido de carbono. Todas estas situações são percepcionadas de múltiplas formas pelo que uma comunicação do risco eficaz necessita estudar as crenças que o público tem sobre cada fenómeno em análise, sabendo-se que, apesar de as situações de risco terem aumentado, nunca os níveis de exigência em relação à segurança foram tão elevados. Procura-se o risco zero. Como resolver este eventual paradoxo?
A análise e a gestão do risco Depois de analisados os riscos pelos peritos procede-se, em conjunto com os diversos interlocutores sociais, à selecção das respostas mais adequadas. No entanto, devido à crescente complexidade das situações do quotidiano, tornou-se mais difícil fazer as escolhas seguras, porque nem sempre é possível quantificar o risco. As opções exigem algum tipo de fundamentação que dêem segurança a quem as faz. A identificação do risco confronta-se, por vezes, com a dificuldade de conseguir provar a absoluta inocuidade do mesmo. Estabelecem-se graus de probabilidade que podem provocar leituras divergentes do seu significado. Documentos de diversos países e comunidades científicas sublinham a importância da análise da incerteza como inerente ao processo aberto e interactivo de avaliação do risco. A ciência é um dos factores principais para sustentar estas múltiplas escolhas, mas, em várias situações, a investigação científica não consegue fornecer a certeza suficiente que permita fazer uma decisão racional completamente segura e fundamentada. Nos últimos anos, em especial nas décadas de setenta e oitenta do século passado, alguns acidentes fizeram o público questionar a eficácia e a segurança da ciência e da técnica, nomeadamente, os incidentes de 1976, com dioxina química, em Seveso, Itália, de 1979, na central nuclear de Three Mile Island, nos Estados Unidos da América, de 1984, com o químico tóxico, em Bhopal, India, de 1986, na central nuclear de Chernobyl, União Soviética. Estes incidentes fizeram vacilar, na opinião pública, a capacidade da ciência e da tecnologia em matéria de segurança. Em outros casos, embora existam evidências científicas suficientes, o público valoriza fontes de informação diferentes que contradizem os conhecimentos dos cientistas. Diariamente, as pessoas têm de decidir sobre variadíssimos aspectos que podem afectar a sua qualidade de vida. Além de este facto ser fonte de grande ansiedade, em muitas dessas situações os indivíduos não detêm os conhecimentos suficientes para fundamentar a sua decisão. Por exemplo, decidir sobre o consumo de alimentos quando se coloca a hipótese de algum produto ser tóxico ou carcinogénico.
Comunicação do risco A BSE e a gripe das aves demonstraram como a comunicação do risco pode ser fundamental. Para vários especialistas da área, as estratégias de comunicação do risco devem valorizar vários aspectos: • comunicar com o público o mais precocemente possível, com transparência e de modo a manter ou restaurar a confiança; • tomar em consideração a percepção que o público tem de cada situação de risco, as razões pelas quais atribui maior risco a umas situações e menos a outras e porque essa análise é, por vezes, oposta à dos técnicos e cientistas; • analisar como os meios de comunicação social transmitem as informações sobre o risco, visto serem uma das principais fontes de informação do público, e como no contínuo diário de informação transmitida é veiculada muita contradição; • trabalhar com os responsáveis dos sectores público e privado a forma como a informação sobre o risco é transmitida. No futuro, a comunicação de risco continuará, progressivamente, a ganhar importância social, desenvolvendo-se como disciplina académica e científica e ganhando fortes implicações legais ao nível local, regional e global.Informação Complementar Vida, o equilíbrio entre segurança e risco Neste Verão de 2008, foi publicado, em Inglaterra, um livro de Warwick Cairns sobre a percepção do risco. O autor tem uma perspectiva crítica sobre o que considera serem os excessos de preocupação das pessoas com situações que estatisticamente muito dificilmente poderão ocorrer. Vejamos algumas das suas teses. A maioria dos seus argumentos é sustentada com dados estatísticos do Reino Unido e dos Estados Unidos da América, onde vários inquéritos revelaram que 80% dos americanos e dos ingleses consideram que actualmente o mundo é muito mais perigoso do que era anteriormente e que, com base nestes receios, modificaram os seus comportamentos e deixaram de fazer muitas das coisas que faziam anteriormente. O autor associa a este medo o facto de, por exemplo, cerca de metade dos ingleses terem alterações do sono ou do apetite e de o número de pessoas com medos e fobias ter vindo a crescer. Em poucos anos a vida mudou radicalmente. Nos anos 70 do século XX, a maioria das crianças podia ir a pé para a escola, andar de bicicleta e brincar na rua. Nos anos 90, tudo tinha mudado. Em vinte anos, a superfície em que uma criança se pode mover livremente diminuiu nove vezes. Em 1970, uma rapariga de nove anos podia andar livremente 840 m a partir da porta de sua casa. Em 1997, este valor tinha diminuído para um terço e, em 2007 para próximo do zero. Em 1970, oito em dez crianças iam a pé para a escola; já em 2007, apenas uma em cada dez. Para o autor, esta super protecção não está apenas relacionada com a possibilidade de terem aumentado os perigos, mas principalmente por os adultos se terem tornado mais ansiosos. É praticamente uma impossibilidade querer atingir o risco zero. Isso implicaria abdicar de viver tal como hoje se conhece a vida, facto que se acentua em relação às crianças que, por mais seguros que sejam os ambientes sempre, encontram uma forma de os tornar perigosos. Muitos dos riscos que assustam e criam ansiedade nas pessoas correspondem a possibilidades remotas, enquanto situações mais frequentes de risco não as preocupam. Em muitos aspectos, há uma inversão da percepção do risco. Cairns escolhe diversos exemplos, que se citam de seguida. Num ano, a probabilidade de uma criança com menos de dezasseis anos ser raptada ou maltratada é de 0,0005% e de 0,00016% de estar desaparecida e não aparecer nas vinte e quatro horas seguintes. Colocado de outra forma, era preciso que uma criança estivesse na rua 200.000 anos para ser raptada, 600.000 anos para ser raptada por mais de vinte e quatro horas e vários milhões de anos para ser morta. No entanto, será muito mais frequente poder ferir-se ou mesmo morrer em casa, de acidente, ou maltratada por um familiar ou amigo. Para morrer num desastre de avião era preciso voar todos os dias durante 26.000 anos. Durante este período, se usar o carro diariamente, terá morrido de acidente 180 vezes. Sobre as doenças, existe o mesmo tipo de percepção de risco. As doenças conhecidas e comuns não assustam. Pelo contrário, as situações raras e eventualmente chocantes como a BSE ou a gripe das aves provocam grande receio numa parte importante da população. Em 2007, no Reino Unido, o risco de morrer por cancro era de 1 em 387 e por acidente de tráfego de 1 para 16.800, mas as pessoas têm um receio maior de andar de automóvel do que de ter um cancro, que está associado a comportamentos que poderiam mudar como fumar. O mesmo se passa com as doenças cardiovasculares que são, juntamente com o cancro, a principal causa de morte. A BSE matou cinco pessoas em Inglaterra e a Gripe das Aves não matou nenhuma pessoa na Europa, mas provocaram um medo generalizado, com um grande decréscimo do consumo de carne de bovino e de aves, respectivamente. As mortes inesperadas por doenças recentes tornam-se desproporcionadamente visíveis nos meios de comunicação social, associando as pessoas por isso uma maior probabilidade de risco. Um estudo de 2007, em Inglaterra, verificou que aos onze anos só um rapaz em vinte faz a actividade física aconselhável para a sua idade e que, nas raparigas, apenas uma em cada 250. Possivelmente, este facto está relacionado com os 25% de jovens dos onze aos quinze anos que são clinicamente obesos, sendo a tendência para aumentar. O governo inglês estima que em 2050 serão cerca de 50% os jovens a sofrerem de obesidade. Os ambientes muito protegidos e higienizados não ajudam ao desenvolvimento do sistema imunitário, facilitando o aparecimento de infecções e alergias. Não promovem o desenvolvimento dos mecanismos de «coping» e das capacidades sociais, aumentam o número de pessoas que evita a interacção e prefere o isolamento do computador ou da «playstation», sendo um dos factores que fazem aumentar o número de pessoas com doença mental. As normas de segurança em excesso afectam o comportamento e acabam por ter um efeito nulo. Como a pessoa se sente protegida toma menos precauções e por essa razão acontecem acidentes que num ambiente menos protegido não aconteceriam. Para o autor, a forma mais eficaz de tornar algo mais seguro é torná-lo mais perigoso. A crescente preocupação com a segurança e com a saúde transferiu a responsabilidade individual para outras pessoas, técnicos, cientistas e políticos, que, como contrapartida, respondem criando cada vez um maior número de regras, leis e recomendações que progressivamente diminuem a nossa liberdade na tomada de decisões e no assumir de riscos. Esta situação é ainda mais asfixiante para as crianças da actualidade. Danger, it seems, really is better for you, most of the time, than safety. CAIRNS, W. – How To Live Dangerously, Why We Shouls All Stop Worrying, And Star Living . Londres: MacMillan; 2008.* Pedro Ribeiro da Silva Médico. Mestre em Ciências da Comunicação. Docente da UAL. Referências bibliográficas ALMEIDA, L. M. – Análise e comunicação do risco em saúde pública: definições e conceitos. Anamnesis, 2005; 13(135) 21-4. CHAUVIN, B., HERMAND, D., MULLET, E. – “Risk perception and personality facets”. Risk Analysis, 2007; 27(1): 171-85. RETO, L., SÁ. J. – Porque nos matamos na estrada... e como o evitar. Lisboa: Editorial Notícias; 2003 SLIMAK, M. W., DIETZ , T. – “Personal values, beliefs, and ecological risk perception”. Risk Analysis, 2006; 26(6): 1689-705. VERBEKE, W., FREWER, L. J., SCHOLDERER, J., BRABANDER, H. F. – “Why consumers behave as they do with respect to food safety and risk information”. 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